Populistas - Augusto Pinochet, Evo Morales, Juan Domingo Peron
e Hugo Chavez: figuras idolatradas apesar de seus desmandos
Publicado originalmente no site da revista ISTOÉ, em 06/04/18
A sombra do messianismo
Por que líderes carismáticos sucumbem à irresponsabilidade
econômica, à vontade autoritária e a denúncias de corrupção
A sombra do messianismo
Vicente Vilardaga
A prisão do ex-presidente Lula marca o fim de uma era para
os governantes latino-americanos cuja imagem se apoia na ideia de proteção dos
pobres e igualdade social. Embora tenha alcançado alguns resultados
consistentes, essa pregação populista deixou de dar frutos e vem retrocedendo
diante da inviabilidade de projetos políticos frequentemente corruptos. Os
populistas contemporâneos veem hoje esgotadas suas tentativas de se manter no
poder a qualquer custo, sob a pena de desmoralização e de destruição do Estado
que governam.
Naufragou a ideia de que líderes providenciais e iluminados
pela graça divina poderiam salvar o povo, mudar a ordem vigente e combater as
injustiças. O exemplo mais notável desse fracasso messiânico é a Venezuela,
país que Hugo Chávez e seu sucessor Nicolás Maduro conseguiram levar à
bancarrota. Outros lugares, como a Bolívia ou a Nicarágua, também lidam com
presidentes salvadores da pátria que deixaram para trás as suas possibilidades
de sucesso e insistem em se manter dominantes. No Brasil, “o socialismo do
século 21”, como Chávez classificou o sistema que proliferou na América Latina
em um passado recente, se transformou em uma cleptocracia em que sonhos de
prosperidade se converteram em uma realidade decadente.
“A política obedece a
um movimento pendular, o populismo teve um momento importante na região a
partir do final dos anos 1990, sustentado em um ideário progressista, mas esse
modelo entrou em crise”, afirma o cientista político Rodrigo Gallo, da Fundação
Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). “Um dos problemas é que
a insistência de alguns líderes carismáticos em se reeleger acaba sendo nociva
para o próprio sistema republicano.” Para se perpetuarem no poder, esses
governantes tentam mudar regras eleitorais, asfixiar a oposição e acabam
descambando para o autoritarismo. A crença de que estão acima do bem e do mal
os leva a recusar a derrota política, ainda que evidente. Na Venezuela, Maduro,
hoje sem qualquer apoio de outros países, tenta emplacar eleições ilegítimas e
sufocar a assembléia oposicionista, além de reprimir protestos nas ruas e
praticamente expulsar a população do país, por falta de trabalho, alimentos e
outros insumos básicos. Mesmo na porta da prisão, Lula insiste em querer ser
candidato e mantém a crença de que só ele pode levar o Brasil a um futuro
grandioso. Apesar de manterem alguma base popular, nomes como Lula e Maduro
perderam definitivamente a simpatia da maioria dos eleitores.
“A insistência de alguns líderes populistas em se perpetuar
no poder acaba sendo nociva para o próprio sistema republicano” Rodrigo Gallo,
professor da FESPSP
O boliviano Evo Morales é um dos casos mais representativos
do fim desse novo ciclo populista latino-americano. Por suas origens étnicas,
Morales chegou ao poder de uma forma heroica, identificado com a população
pobre e disposto a lutar pelos direitos dos grupos indígenas. Seu primeiro
governo foi em 2006 e ele já está no quarto mandato. Apesar de ainda repousar
sobre os louros do crescimento econômico do país, sofreu uma dura derrota
eleitoral em fevereiro do ano passado, em um claro sinal contra sua vontade de
se perpetuar no poder. A maioria dos bolivianos, 51,3%, rejeitou em referendo
uma reforma constitucional que permitiria ao atual presidente se candidatar a
um quarto mandato. Diante do novo quadro, Morales terá que rever sua estratégia
para garantir seu futuro político a partir de 2020, quando termina o atual
governo. Outro país em que há um arrefecimento do modelo populista de esquerda
é o Equador, onde Rafael Correa, um seguidor do bolivarianismo venezuelano que
governou o país entre 2007 e 2017, deixou o poder, além de uma enorme dívida
pública, mas não se conformou com isso. Virou o principal opositor do
presidente Lenin Moreno, que ajudou a eleger. Desde Bruxelas, onde se instalou,
Correa passou a atacar Moreno com a acusação de que ele está destruindo o
projeto político erguido nos últimos dez anos.
Caudilhismo
“A grande razão da crise do populismo na América Latina foi
a queda do preço das commodities, a partir de 2011”, afirma o cientista
político e professor do Insper, Fernando Schuler. “Com a diminuição da riqueza,
houve uma deterioração das políticas públicas e um enfraquecimento dos
programas sociais.” Quando chega ao fim, o ciclo de poder populista normalmente
deixa um déficit fiscal crônico, causa fuga de investimentos e expõe gargalos
econômicos que não foram superados, além de deixar as instituições em
frangalhos. Caso típico é o da Argentina, onde a vitória do empresário Maurício
Macri, em 2015, representou com clareza um esgotamento do modelo populista
local, o kirchnerismo, fundado por Néstor Kirchner e levado adiante, depois de
sua morte, em 2010, por sua esposa, Cristina. A perda do controle sobre a
economia também está na base do impeachment sofrido pela ex-presidente Dilma
Rousseff, eleita no vácuo da popularidade de Lula. No segundo mandato de Dilma,
o Brasil entrou na mais dura recessão desde o início do século 20. A maior
parte do crescimento econômico realizado na década passada foi neutralizada
pelos erros posteriores na condução do país. Os programas sociais do governo
começaram a perder verbas a partir de 2016. O Programa Minha Casa, Minha Vida
perdeu 74% das verbas orçamentárias na comparação com 2015. O Bolsa Família
encolheu 5,7% no período.
“A longo prazo, é muito difícil a convivência do populismo
com a democracia. O populismo precisa do gesto autoritário” (Fernando Schuler, professor do Insper)
Enquanto há programas sociais e a máquina do governo
funciona a pleno vapor, a vontade populista se impõe, mas quando eles mínguam,
a população se torna mais crítica e menos paciente com o personalismo de seus
líderes. “A longo prazo é muito difícil a convivência do populismo com a
democracia”, reflete Schuler. “O populismo é autodestrutivo e precisa do gesto
autoritário”. Apoiados em certa fantasia mística, esses governantes acreditam
que representam a vontade geral da nação e que serão capazes de ficar ao lado
do povo na sua luta contra as elites exploradoras. Para se garantir, tratam de
ocupar o Estado e aparelhar as instituições para que funcionem a seu favor. O
ex-guerrilheiro Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, é um desses governantes
messiânicos que descamba para o autoritarismo. Ortega foi presidente da
Nicarágua entre 1985 e 1990 e voltou ao cargo em 2006. Desde então, está à
frente do governo – foi reeleito em 2011 e 2016. Para isso, ele praticamente
acabou com a oposição. Antes de ganhar a eleição pela última vez, conseguiu
expulsar 16 deputados oposicionistas do Congresso, todos do Partido Liberal
Independente (PLI), e impôs ao país, na prática, um regime de partido
hegemônico, dominado pela Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN). Na ocasião,
o escritor e ex-vice-presidente Sergio Ramirez, principal intelectual
nicaraguense, disse que há no país “um socialismo em que a pobreza não diminui
e o número de milionários só aumenta.”
O populismo do século 21 tem relação direta com outros movimentos
políticos que aconteceram no século passado na América Latina, liderados por
ditadores como Getúlio Vargas, no Brasil, Juan Domingo Perón, na Argentina, ou
mesmo Augusto Pinochet, que governou o Chile entre 1973 e 1990, e associados ao
fenômeno regional conhecido com caudilhismo. Vargas e Perón tiveram seu poder
robustecidos por um forte apoio sindical e conquistaram a confiança dos
trabalhadores. Perón foi eleito pela primeira vez em 1946, depois de se
destacar no cargo de Secretário do Trabalho e Segurança Social e adotar medidas
populares, como a criação dos tribunais trabalhistas e a ampliação das verbas
rescisórias para todos os trabalhadores. Ganhou mais duas eleições
posteriormente. Vargas foi ditador de 1937 a 1945 e criou a Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT). Ganhou o título de “pai dos pobres”.
A diferença maior entre as duas gerações de populistas é que
antes as sociedades eram mais fechadas, não havia uma cultura democrática
consolidada e os governos tinham condições de controlar as informações e se
impor mais facilmente de maneira autoritária. Hoje a situação é diferente. Seja
como for, esses líderes populistas costumam chegar ao poder de uma forma
heróica e terminar seus dias de maneira melancólica.
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