Publicado originalmente no site da revista ISTOÉ, em 06/04/18
O estratagema dos ministros que tentam salvar Lula
Como se fossem advogados de defesa do petista, Gilmar Mendes
e Marco Aurélio Mello lideram operação para livrar o ex-presidente da cadeia
O estratagema dos ministros que tentam salvar Lula
Ary Filgueira
Desde o julgamento do mensalão, o Brasil iniciou uma jornada
sem volta no combate à corrupção. Processo que sempre teve o Supremo Tribunal
Federal (STF) como um dos palcos estratégicos: magistrados contribuíram para a
moralização do País. Apesar disso, até o último momento da sessão que permitiu
a prisão do condenado Lula, havia um grupo de ministros que parecia ignorar a
importância histórica do julgamento. Advogados de Lula na análise do habeas
corpus pareciam não dar bola para o fato de que, caso obtivessem sucesso,
possibilitariam a mesma liberdade para uma série de outros criminosos. Na
estratégia para salvar a pele do ex-presidente, contaram com a cumplicidade de
pelo menos cinco ministros, tendo Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes como
maestros. Na série de tentativas, ameaçaram por em prática a jogada de se
forçar a votação das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs), para se
rediscutir a jurisprudência que permite a prisão em segunda instância, firmada
em 2016. Durante todo o tempo, eles insistiam para que a regra de se prender
somente após sentença transitada em julgado passasse a valer já, dando mais
tempo para Lula ficar em liberdade. Acabaram derrotados.
Gilmar puxou a fila
O primeiro ato dessa tática de salvar Lula foi executado
ardilosamente pelo ministro Gilmar Mendes. Alegando que tinha viagem marcada
para Lisboa, a fim de dar prosseguimento a um seminário organizado por seu
Instituto de Direito Público (IDP), Gilmar armou para votar logo depois do
relator Edson Fachin e, no jargão da Justiça, “abrir a divergência”. Ou seja,
foi o primeiro a defender a concessão do habeas corpus. Gilmar quis, sobretudo,
emparedar a ministra Rosa Weber, que seria a quarta a votar. Gilmar, que pela
ordem seria o oitavo, entrou na frente dos demais colegas fazendo um discurso
maroto no qual dizia que ali não se discutia somente o caso “subjetivo” de
Lula, mas o caso “objetivo” que podia rever o entendimento sobre prisão após
condenação em segunda instância. Ele sabia que Rosa era o fiel da balança e que
se ela votasse contra a concessão do habeas corpus, como vinha fazendo, a
derrota de Lula seria certa. E fez um verdadeiro malabarismo retórico para
tentar mostrar a “coerência” de sua mudança de posição (em 2016 ele era
francamente favorável à prisão em segunda instância).
A tropa de choque de Lula no STF trabalha para mudar o foco
da discussão, ao tentar pautar o exame da jurisprudência
No seu estratagema, Gilmar Mendes aderiu a uma tese
alternativa que tinha como mentor o ministro Antônio Dias Toffoli. Por essa
lógica, a prisão seria possível não na segunda instância, mas na terceira, no
caso após pronunciamento do STJ. Ao final do seu voto, os advogados de Lula
davam como certo que o entendimento que prevaleceria no STF seria esse. Na volta
do intervalo, porém, os argumentos de Gilmar foram demolidos por Luís Roberto
Barroso, que mostrou que nem o STJ nem o STF são capazes de modificar a imensa
maioria das sentenças condenatórias.
Com Gilmar já voando para Lisboa, a bola passou para Marco Aurélio
Mello e Ricardo Lewandowski, que assumiram as táticas da defesa de Lula. De
forma grosseira, os dois interromperam o voto de Rosa Weber, no sentido de que
o STF deveria se comportar como um colegiado em vez de ficar mudando de posição
ao sabor das conveniências dos seus ministros. “Mas aqui é o lugar para se
mudar de entendimento. Ou não vamos evoluir”, reagiu Lewandowski. “Difícil
entender o voto de Vossa Excelência”, atacou Marco Aurélio. “Não podia ter sido
mais clara”, respondeu Rosa Weber. “Eu enfrento esse HC nos mesmos termos que
fiz desde 2016”, continuou. O voto de Rosa demoliu a operação destinada a
livrar Lula, mas foi o voto de desempate de Cármen Lúcia, negando o HC ao
ex-presidente, já no início da madrugada, o responsável pela desarticulação
final da tropa de choque petista. Fez-se justiça. Mas a luta dos ministros
companheiros continua.
Texto e imagem reproduzidos do site: istoe.com.br
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