Publicação compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, em 19
de junho de 2021
Liberou geral
Triste é que esse projeto tenha sido aprovado por quase
todos os partidos, dos bolsonaristas aos petistas, o que dá bem um retrato da
política brasileira. Carlos Alberto Sardenberg para O Globo:
O Brasil estava à beira de uma crise fatal no sistema financeiro
em 1995. Dito de outra maneira: boa parte dos bancos, públicos e privados, não
tinha o dinheiro necessário para honrar os depósitos e aplicações dos clientes.
A origem, paradoxal, dessa crise estava no fim da inflação.
Bancos viviam do open market. Pegavam dinheiro dos clientes, remunerados a uma
fração da inflação, e aplicavam toda noite em títulos do governo, recebendo
taxas que cobriam a inflação plena e mais alguma coisa.
Quando a inflação, com o Plano Real, caiu para 1% ao ano, a
farra acabou. Muitos bancos não apenas tinham ativos podres, maus empréstimos
(a empresas amigas e familiares), como tinham passivos muito superiores.
O governo FH ficou diante do dilema: deixar a coisa rolar,
quer dizer, deixar que a quebradeira ocorresse, na ideia de que isso seria um
saneamento “natural” do mercado; ou fazer uma intervenção generalizada,
colocando dinheiro para salvar não os banqueiros, mas os clientes e o sistema.
O Banco Central lançou então, em novembro de 1995, o Proer,
Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro
Nacional. Na ocasião acusado de ser uma farra de dinheiro público para os
banqueiros, mostrou-se na verdade uma operação original e eficiente de
saneamento — depois internacionalmente elogiada.
O BC decretou intervenção nos bancos praticamente quebrados
e dividiu cada instituição em duas — a boa e a ruim. A parte boa (bons ativos)
foi vendida a outros bancos. A parte ruim foi liquidada pelo BC, que teve,
claro, de colocar dinheiro público para ressarcir, de novo, não os banqueiros,
que perderam seus bancos, mas a clientela. De todo, foi o mais barato programa
de saneamento financeiro, em comparação com outros países do G20.
Mesmo assim, muitos diretores do BC passaram anos se
defendendo em processos por improbidade administrativa. O Ministério Público
simplesmente não entendeu o processo ou não quis entender, por razões
políticas. E aproveitou brechas da Lei de Improbidade, seus pontos vagos e
muito abertos, para processar um monte de gente.
Ou seja, precisava, sim, fazer a reforma da Lei de
Improbidade de 1992. Do jeito que está, de fato ela afasta muita gente boa do
serviço público.
Mas o projeto aprovado a toque de caixa pela Câmara de
Deputados, sob a liderança de seu presidente, Arthur Lira, virou a coisa pelo
avesso. Aliviou geral e merece o apelido de “lei da impunidade”.
Primeiro, reduziu demais o elenco de crimes de improbidade.
Depois, estabeleceu que é preciso provar materialmente que houve dolo do agente
público para caracterizar a improbidade. O que é muito difícil.
Exemplo: ao atrasar a compra de vacinas, rejeitar o uso de máscaras, condenar as regras de isolamento, tentar a imunidade de rebanho e receitar remédios ineficazes, o presidente Bolsonaro é responsável pelo alto número de mortos por Covid-19.
Pelo texto aprovado na Câmara, porém, ele só poderia ser
responsabilizado se ficasse provado que tinha a intenção de matar — prova
obviamente impossível de produzir.
Além disso, o projeto da nova lei reduz os prazos de
prescrição. Combinando isso com a lerdeza da Justiça, praticamente todo mundo
vai escapar. Vários processos já em andamento na Lava-Jato seriam imediatamente
arquivados. O próprio presidente da Câmara se livraria de processos originados
em sua atuação como deputado estadual em Alagoas.
O projeto está agora com o Senado. A ver. Mas, do jeito que
está, o objetivo é claro: passar do excesso de acusações injustas para o
liberou geral. Triste é que esse projeto tenha sido aprovado por quase todos os
partidos, dos bolsonaristas aos petistas, o que dá bem um retrato da política
brasileira. De comum a esses partidos, só o fato de serem todos apanhados em
denúncias sérias e bem provadas.
Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi.blogspot.com
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