O ex-presidente Lula. (Foto: ANDRE PENNER AP)
Publicado originalmente no site Brasil El País, em 9 JUL 2018
Um domingo de República de Bananas
Não bastasse o brasileiro ter de conviver com um presidente
da República impopular e sob forte odor de corrupção, o cidadão comum tem a
sensação de que a balança da Justiça do país está mal aferida
Por Wálter Fanganiello Maierovitch
Não bastasse o brasileiro ter de conviver com um presidente
da República impopular e sob forte odor de corrupção, o cidadão comum tem a
sensação de que a balança da Justiça do país está mal aferida. Por
consequência, a Temis brasileira está com os seus pratos desequilibrados. E são
frequentes teratologias jurídicas causadoras de situações de insegurança.
Quando juízes de Corte Constitucional perdem o pudor ao não se declarem
proibidos de julgar por notória falta de imparcialidade, a Justiça passa a ser
desacreditada: no Brasil temos, sob influência da tripartição dos poderes
desenvolvida por Mostesquieu, um poder Judiciário, ao lado dos poderes
Legislativo e Executivo. No particular, o Brasil caminha a passos largos para
uma situação de entropia que o saudoso jurista europeu Piero Calam Andrei — um
dos pais da Constituição italiana de 1948 —, apontou com a expressão latina
Habent sua sidera lites, a significar não ser a Justiça algo a ser levado a
sério.
No último domingo e com o tradicional recesso judiciário do
mês de julho, um magistrado de Corte regional e federal agitou o país — que terá
eleição em outubro próximo para chefe do Executivo federal— em regime
presidencial republicano.
Como se diz no popular, esse magistrado do plantão
judiciário, que funciona com competência restrita a apreciar casos de urgência
e inadiáveis, jogou gasolina numa fogueira política que diz respeito ao popular
ex-presidente Lula da Silva.
Lula está condenado, em duas instâncias da Justiça, (uma
monocrática e outra colegiada), por crimes de corrupção passiva e lavagem de
dinheiro. Encontra-se preso provisoriamente, pois as condenações (corrupção e
lavagem) ainda não passaram em julgado, ou seja, não são definitivas. Estão
pendentes de julgamentos dos seus recursos no Superior Tribunal de Justiça
(STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF).
Por seis votos contra cinco, o Supremo Tribunal, que
funciona também como corte Constitucional, firmou no ano de 2016 entendimento
jurisprudencial de ser possível execução provisória de sentença condenatória
imposta ou confirmada por um órgão judiciário colegiado: e Lula foi condenado,
em sede de apelação, pela 8ª Turma Julgadora do Tribunal Federal da 4ª região,
com sede no estado federado do Rio Grande do Sul. Diante da acima mencionada
jurisprudência redutora do alcance do princípio constitucional da presunção de
não culpabilidade (chamada de presunção de inocência a partir da Revolução
francesa), o ex-presidente Lula encontra-se a cumprir pena de prisão fechada,
em processo de execução provisória.
As duas turmas julgadoras do Supremo Tribunal, apesar da
jurisprudência do colegiado ainda não haver sido derrubada, divergem sobre
caber ou não execução provisória. Quem tem sorte de levar o recurso à Segunda
Turma, pode ganhar a liberdade. E na semana passada, num contorcionismo
jurídico para driblar a jurisprudência do Supremo Tribunal de admissão da
condenação antes de se tornar definitiva, a referida Segunda Turma concedeu, em
habeas corpus de ofício (sem provocação da defesa técnica), efeito suspensivo a
recurso de José Dirceu, ex-ministro chefe da Casa Civil do então presidente
Lula. Claro está que a situação processual de José Dirceu é exatamente igual ao
do ex-presidente Lula que, no entanto, continua preso provisoriamente.
A defesa técnica de Lula aguarda, após o período de férias
do Supremo Tribunal, que os 11 ministros decidam, em sessão plenária, se o
ex-presidente aguardará o julgamento dos seus recursos em liberdade e se está
ou não inelegível: as pesquisas de intenção de voto apontam Lula em primeiro
lugar na corrida presidencial, com cerca de 30% dos votos. Para surpresa geral
—sem ser caso de urgência a justificar uma decisão do Plantão judiciário e
estar a questão fulcral sobre a liberdade e ilegibilidade de Lula subjudice no
Supremo Tribunal—, o magistrado plantonista, Rogério Favreto, determinou
liminarmente, de pronto, a soltura do ex-presidente Lula. Entendeu estar Lula
sendo prejudicado como futuro candidato, pois os seus concorrentes gozavam de
liberdade, embora não houvesse nenhum condenado: o Partido dos Trabalhadores
ainda não indicou Lula como candidato e isto em razão de obstáculo previsto na
chamada Lei de Ficha Limpa. Por essa lei, não tem legitimidade para
candidatar-se quem estiver condenado criminalmente por decisão de órgão
judiciário colegiado. Lula, como frisado, encontra-se condenado por Vara
Criminal de Curitiba (julgamento monocrático) e pela 8ª Turma do Tribunal
Federal da 4ª Região. A liminar concedida no plantão judiciário do Tribunal foi
espantosa, pois a regra é do seu cabimento de liminar apenas diante de uma
flagrante e visível ilegalidade ou de abuso de poder. E o espanto aumentou
quando se soube que o Favreto não era um magistrado por concurso público, mas
por nomeação da ex-presidente petista Dilma Rousseff (eleita por influência de
Lula e cassada por impeachment). Mais ainda, Favreto tinha uma militância de
mais de 20 anos no lulista Partido dos Trabalhadores. Para piorar e indicar a
sua falta de isenção para decidir, havia assessorado Lula na presidência da
República.
Depois de mais de 16 horas de idas e voltas, manteve-se a
prisão de Lula, por decisão do presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região. O presidente da Corte solucionou um conflito de competência entre dois
dos seus membros. Ou melhor, entre o magistrado Pedro Gibran Netto, membro da
8ª Turma do Tribunal (relator do processo onde ocorreu a condenação de Lula e
foi emanada a ordem de prisão) a negar a soltura de Lula, e o magistrado do
plantão a expedir ordem se soltura de Lula.
Num pano rápido. O Brasil viveu um domingo de República de
Bananas.
Wálter Fanganiello Maierovitch, 71 anos, é jurista,
desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, professor de
Direito, Cavaliere della Repubblica di Italia, editorialista e comentarista da
Radio CBN-Globo. É presidente do Instituto Giovanni Falcone de Ciências
Criminais e titular vitalício na Academia Paulista de Letras Jurídicas e na na
Academia de História.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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