Fernando Gabeira e Nelson Motta participaram de encontro inédito no Flipoços
Foto: Tatiana Espósito
Publicado originalmente no site G1 Globo, em 05/05/2019
'O desprezo por educação e cultura vai trazer consequências
sérias', defende Nelson Motta ao lado de Fernando Gabeira
Dupla participou de encontro inédito na noite deste sábado
(4) no Flipoços, em Poços de Caldas (MG).
Por Tatiana Espósito — Poços de Caldas/MG
A fala mansa de um e a voz rouca de outro não escondem
opiniões fortes e, por vezes, polêmicas. Fernando Gabeira e Nelson Motta
tiveram um encontro inédito no Festival Literário Internacional de Poços de
Caldas (Flipoços) na noite deste sábado (4), no Espaço Cultural da Urca. O
encontro teve como tema “50 anos de sexo, drogas e política”, celebrando a
carreira e amizade dos jornalistas.
Antes do encontro na Urca, a dupla conversou com o G1 e a
política foi o principal assunto. Gabeira e Motta teceram críticas ao atual
governo.
Jornalista, escritor e produtor musical, Motta tem uma vasta
carreira no ramo da música, com várias parcerias com artistas como Rita Lee,
Tim Maia, Lulu Santos e Marisa Monte.
Apesar da ligação mais direta com o mundo artístico, a
política é também bastante presente em suas histórias, especialmente no campo
da cultura. “Eu acredito que todo esse ódio e desprezo por educação e cultura,
como se fossem coisas da elite, coisas de globais que levam dinheiro da Lei
Rouanet, esse espírito todo, isso vai trazer consequências muito sérias e o
diálogo é difícil”, analisa Nelson Motta.
Tanto Gabeira quanto Nelson acreditam que os projetos do
atual governo, principalmente os ligados à educação, se reduzem a uma luta
ideológica.
“Eles dizem: 'o que vou fazer com a educação? Vou acabar com
essa esquerda!’ Como se o problema da educação brasileira fosse só influência
da esquerda. O problema da educação é qualidade. Qual a proposta que se tem pra
melhorar a qualidade? Não aparece”, aponta Gabeira.
Motta emenda: “Querem tirar o caráter supostamente
ideológico dos professores de esquerda para introduzir caráter ideológico de
professores de direita”.
Debates na esquerda
Eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro por quatro
mandatos, Fernando Gabeira enfrentou a ditatura militar, foi preso e ficou
exilado por 10 anos período em que passou por vários países, como Chile e
Suécia.
Jornalista e escritor, possui diversos livros publicados
como "O que é isso, companheiro?", "Nós que amávamos tanto a
revolução" e "Vida Alternativa". Defensor de liberdades
individuais e do meio ambiente, tem recebido críticas por uma parte da
esquerda, onde ele diz que já não tem tantos amigos.
“Eu não tenho mais interesse de seduzir o público, meu
interesse é fazer as pessoas pensarem. É difícil fazer a esquerda pensar,
porque a esquerda já tem tudo pensado. Algumas pessoas sempre estarão de um
lado diferente do meu, porque eu acho o meu lado muito mais crítico. Eles
[parte da esquerda] têm todas as certezas do mundo, que o mundo caminha pro
socialismo, que a vitória final é deles, como na Venezuela”, afirma Fernando
Gabeira.
O amigo Motta continua, com uma fala ainda mais dura.
"E não cansa de ver que não deu certo. A Dilma é a personificação dessa
esquerda sabe tudo, autoritária”, diz.
Uma das críticas mais frequentes a Fernando Gabeira diz
respeito a uma "mudança de lado" e certa proximidade do presidente
Jair Bolsonaro, com o qual conviveu durante 16 anos no Congresso. Gabeira
rebate, dizendo que não se trata de mudança de lado, mas de uma visão tática de
como se comportar com Bolsonaro.
“Infelizmente, os meus amigos, hoje não tão amigos, da
esquerda, não sabem tratar, como os EUA não souberam tratar. O fato de eu
tratar o Bolsonaro com respeito não significa que eu seja um aliado dele. Eu
sou um crítico do Bolsonaro, cada artigo meu é uma crítica ao Bolsonaro",
diz Gabeira.
"Mas não é o tipo de crítica que ofende, porque eu não
falo com o presidente. O que me interessa é falar com os eleitores dele. Você
tem que mostrar aos eleitores do populista que as coisas não são tão simples
como eles pensam”, declara.
A eleição de Bolsonaro
Nelson Motta acredita que quem elegeu Bolsonaro foi o
desgosto com o PT. “A única opção ao PT era o Bolsonaro”, diz. Mas Gabeira vai
além e aponta dois motivos cruciais para a eleição do atual presidente.
O primeiro foi o discurso ferrenho de combate à corrupção e
o segundo foi a segurança pública, na visão do jornalista. Unido a isso, um
discurso popular, que atraiu os brasileiros.
“Eu acho que esses dois temas tiveram um peso muito grande
na atração de grandes massas populares. Sobretudo, porque ele abraçava o tema
sem nenhuma timidez. A população estava muito interessada e além do mais, o
Bolsonaro, assim como o Lula, são líderes populistas, eles apresentam soluções
simples para problemas complexos e falam uma linguagem popular”.
Críticas ao governo
Quando se trata de projetos do governo, mesmo os que
envolvem motes de campanha, como a reforma da previdência e segurança pública,
Gabeira acredita que as propostas não são bem desenhadas. O pacote anticrimes,
apresentado pelo Ministro Sérgio Moro, por exemplo, não é bem articulado, na
visão do jornalista.
Segundo ele, a proposta é repressiva, mas não preventiva. “A
política de segurança é uma política capenga, ela deixa de fora muita coisa. O
Moro não mencionou o sistema penitenciário, acho que ele nunca entrou numa
cadeia. Se tivesse percorrido as penitenciárias que eu percorri, iria ver a
bomba-relógio que temos. Da mesma maneira, ele fez uma série de propostas
punitivas, mas não tem uma proposta preventiva”.
Outro ponto abordado pela dupla foi a questão das bandeiras
que cada candidato levantou na época da eleição para presidente. Mesmo
defendendo temas como direitos LGBT e dos negros, por exemplo, Gabeira acredita
que não são bandeiras para se vencer uma eleição nacional.
“Você tem que falar uma bandeira que tenha um apelo
nacional. Você não pode somar identidades isoladas e achar que o país é a soma
delas. Você tem que achar um tema que seja comum a todas as pessoas - ao gay,
ao negro, ao conservador, e tratar disso, o que não houve [por parte de outros
candidatos]. O Bolsonaro pegou e fez disso um festival”.
Sexo e drogas
Já no encontro no Espaço Cultural da Urca, na noite de
sábado, a dupla falou também sobre os outros dois temas da conversa: sexo e
drogas. No entanto, sempre atrelados à política.
Gabeira afirmou que, quando se trata de educação sexual, há
de se respeitar o que deseja a família. “Você não pode tentar impor um tipo de
educação sexual em uma escola, em um país, e muitos outros são assim também, em
que as famílias querem ter o privilégio de educar sexualmente os filhos. O que
os conservadores perceberam é que teria uma brecha aí. Daí surgiu o caso do kit
gay, eles inventaram isso”, analisa.
No que diz respeito às drogas, os dois têm o mesmo
pensamento. Segundo eles, o Brasil é atrasado em relação à legalização da
maconha e perde a oportunidade de ganhar com isso, como já acontece, por
exemplo, em 22 estados dos EUA, onde o uso recreativo da maconha já foi
liberado.
“Não aconteceu nada, não atingiu as famílias, nem os poderes
do estado, não mudou nada na vida das pessoas”, defende Motta.
Gabeira defende ainda o uso medicinal da planta. “Outro
aspecto importantíssimo é a questão do tratamento médico, como em casos de
epilepsia, muitas famílias lutando pra conseguir. Felizmente agora o governo
autoriza a importação, mas você acha que tem sentido você importar maconha?
Para curar as pessoas? Isso é de uma estupidez fora do comum”, diz...
Texto e imagem reproduzidos do site: g1.globo.com
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