FOLHA DE SP - 15/07
A ousadia de ir além das amarras ideológicas
Por Tabata Amaral
Muitos partidos já não representam de fato a sociedade, mas
somente alguns de seus nichos
Faço aqui, no espaço quinzenal que tenho nesta Folha, uma
provocação que julgo saudável para a política e para os partidos, com o único
intuito de contribuir para um debate que temos postergado, mas que a sociedade
há muito demanda. É uma reflexão necessária diante do impacto provocado pelos
oito deputados do PDT, dentre os quais me incluo, que votaram “sim” à reforma
da Previdência, e os 11 do PSB, contrariando a orientação partidária. Não
estamos falando de dois ou três parlamentares, mas de praticamente um terço das
bancadas de duas relevantes siglas que ocupam posição mais ao centro no
espectro da esquerda. A expressividade dessa dissidência acendeu ao menos a luz
amarela nas estruturas?
Sabemos que a extrema esquerda não admite flexibilidade
alguma de posicionamento, pois está enclausurada em suas amarras. No entanto,
uma parcela da centro-esquerda quer dialogar com o contexto e a sociedade e
caminha para se modernizar. Nisso nos fiamos, nós que temos convicções sociais fortes,
olhamos para o futuro do Brasil e enfrentamos o desafio urgente de termos
crescimento sustentável, condição para a consolidação da justiça social.
Muitos partidos já não representam de fato a sociedade, mas
somente alguns de seus nichos. Embora tenham em seus quadros um número cada vez
maior de deputados com visão modernizante, as siglas ainda ostentam estruturas
antigas de comando, e na maioria faz falta mais democracia interna. Muitas
vezes, consensos sobre pautas complexas não são construídos de baixo para cima,
e cartilhas antigas se sobrepõem aos estudos e evidências. Quando algum membro
decide tomar uma decisão que considere responsável e fiel ao que acredita ser
importante para o país, há perseguição política. Ofensas, ataques à honra e outras
tentativas de ferir a imagem tomam lugar do diálogo. Exatamente o que vivo
agora.
A boa política não pode ser dogmática. Discordâncias são
normais no cotidiano e o ajuste e as acomodações das diferentes visões vão se
dando em questões menores, com as bancadas muitas vezes sendo liberadas para as
votações. O que foge completamente a esse processo e demonstra o grau do
conflito instalado é quando a “rebeldia”, como está sendo interpretado o voto
de opinião, atinge um terço de bancadas expressivas. Encaro esse debate como de
fato a única tentativa da centro-esquerda de se renovar, mas os partidos estão
virando as costas para essa realidade. É mais fácil lidar no plano da
insubordinação. A construção de novas mentalidades não é processo fácil e exige
coragem.
No fundo, são dois os temas que se sobrepõem nesse momento.
A lógica de funcionamento dos partidos políticos no presidencialismo e o
processo de renovação da política brasileira. A combinação de presidencialismo
e federalismo, como ocorre no país, favorece as chamadas “indisciplinas
partidárias”. Busca-se reforçar o poder da liderança partidária punindo
dissidentes pela máxima de que os partidos não podem passar sinais de fraqueza.
Será preciso uma reforma muito profunda do nosso sistema político para produzir
os incentivos necessários para “disciplinar” as siglas. Enquanto existir o
presidencialismo, o multipartidarismo e a federação, as lideranças partidárias
precisarão ouvir e negociar com suas bases, dissidentes ou não.
A ampla renovação política que está em curso e da qual faço
parte agrava o quadro de conflitos internos dos partidos. É racional que as
lideranças recorram a argumentos de ocasião para justificá-los. Mais racional
contudo é pensarmos no Brasil.
Tabata Amaral
Cientista política, astrofísica e deputada federal pelo
PDT-SP. Formada em Harvard, criou o Mapa educação e é cofundadora do Movimento
Acredito.
Texto reproduzido do blog: avaranda.blogspot.com
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