Publicado originalmente no site do GABEIRA, em 10 de abril
de 2020
Diário da Crise XX
Por Fernando Gabeira
Confesso que fiquei confuso alguns instantes sobre os testes
de coronavírus no Brasil. O secretário do Ministério da Saúde, João Gabbardo,
disse numa entrevista coletiva que estávamos bem, próximos do nível da Coreia
do Sul, muito elogiada por seu desempenho em testes.
Desconfiei um pouco daquilo, mas notícia boa sempre nos
alegra. No dia seguinte, o Globo revela na manchete, que entre 15 países que
testam para coronavírus, estamos na lanterna, inclusive do Irã e do Equador.
Testamos apenas 296 pessoas por milhão de habitantes,
enquanto os países mais avançados como a Alemanha testa 15.730 por milhão de
habitantes.
Fui checar um pouco mais os planos do governo e constatei
também que para 22,9 milhões de testes programados foram entregues apenas
904.702, isto é apenas quatro por cento do total.
Na mesma manhã, Bolsonaro visita uma padaria come no balcão,
tira fotos com funcionários, passa o braço no nariz e dá a mão a uma eleitora
do grupo de risco.
Ele faz isso sabendo que todos vão criticá-lo. Seu objetivo
é enfraquecer as normas de isolamento social. Em São Paulo, elas estão de fato
sendo minadas, pois caiu para 49 por cento o nível de obediência a elas.
É possível até compreender que alguém tenha como objetivo
acabar com o isolamento porque nos seus cálculos o melhor é todo mundo se
contaminar para, em seguida, ficar imune.
Isto foi a tática inicial de Boris Jonhson na Inglaterra mas
ele voltou atrás, pouco dias antes de ser internado na UTI contaminado pelo
vírus.
Mas o melhor instrumento para transitar do isolamento para
uma situação de mais convivência são os testes.
Com eles é possível saber quem está contaminado, quais são
as áreas mais afetadas. É possível saber ainda quem ganhou anticorpos e
portanto de uma certa maneira está imunizado.
O único instrumento que Bolsonaro parece utilizar é a reza e
o jejum. Não sou daqueles que considera a religião inútil numa doença. Pelo
contrário, acho que a fé ajuda na cura.
Mas ela não substitui a ciência e a medicina. O isolamento
será superado com mais segurança quando conhecermos melhor a situação, através
dos testes.
O Brasil produz aqui no Rio e em São Paulo. Mas faltam
insumos, e que dependem de importação, num momento difícil em todo o mundo.
As saídas não são fáceis. Bolsonaro parece querer superar o
problema pela vontade apenas de sua fé na cloroquina, como no passado expressou
sua fé numa pílula contra o câncer.
A cloroquina é mais promissora mas ainda está em testes e
não é uma bala de prata. De um modo geral associa-se a outro remédio,
azitromicina ou kaletra.
A decisão de pura e simplesmente romper com o isolamento
pode custar milhares de vidas. E daí? perguntam os seguidores fieis do
Presidente. As pessoas morrem mesmo.
Gostaríamos que vivessem mais e morressem quando chegasse
sua hora, ao lado da família e amigos.
Os enterros em massa em Nova York, num terreno baldio, hoje
são uma advertência do que nos espera se seguirmos uma visão irresponsável.
Texto e imagem reproduzidos do site: gabeira.com.br
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