Publicação compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, em 6 de
março de 2021
Presidente de cemitério
O Ministério Público, a Câmara e o Senado precisam cumprir o
dever de salvar o país, conclama o jurista Miguel Reale Jr (co-signatário do
processo de impeachment de Dilma) em artigo publicado pelo Estadão:
Em que momento a considerável parcela da população que ainda
acorre às aglomerações ilícitas provocadas pelo presidente vai se dar conta de
estar, em crença fanática, a louvar um perverso para quem o medo da morte por
asfixia é “mimimi”? Até quando o Brasil será conduzido pelo quarto cavaleiro do
apocalipse?
Bolsonaro não é presidente para administrar o País, mas tão
só para se reeleger em 2022, seu único interesse, mesmo que venha a ser apenas
presidente do cemitério. Jamais assumiu a liderança do enfrentamento da
covid-19, preocupado só em atribuir a crise econômica e a perda de empregos a
governadores e prefeitos, para se livrar dessa responsabilidade e angariar
votos.
Bolsonaro, absolutamente indiferente ao crescente número de
mortos, muitos sem oxigênio ou nos corredores por falta de leitos em UTIs,
passeia pelo País sem máscara, promovendo aglomerações, nunca se compungindo
diante da dor ou visitando algum hospital. Somente mandou sequazes invadir
hospitais para flagrar ser mentira sua superlotação!
Continuamente conspirou contra a importância da vacina, cuja
pressa em obtê-la ridicularizou, proclamando mentirosamente haver efeitos
colaterais nocivos, desorientando a população.
Os obstáculos ao combate ao vírus não se limitaram aos maus
exemplos. Deixou de adquirir, em julho, vacinas Coronavac e da Pfizer, impôs
vetos de verbas e ignorou a cooperação com Estados e municípios na precaução e
reação contra a doença, como ressalta estudo realizado pela Universidade de São
Paulo, por meio do Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (Cepedisa)
da Faculdade de Saúde Pública, em conjunto com a Conectas Direitos Humanos
(Direitos na Pandemia – Mapeamento e Análise das Normas Jurídicas de Resposta à
Covid-19 no Brasil, em
https://www.conectas.org/publicacoes/download/boletim-direitos-na-pandemia-no-3).
Esse estudo revelou a existência de uma “estratégia
institucional de propagação do vírus”, entendendo ser “razoável afirmar que
muitas pessoas teriam hoje” a mãe, o pai, irmãos e filhos vivos “caso não
houvesse esse projeto institucional”. Conclui-se, então, não haver tão só
incompetência e negligência, mas “empenho em prol da ampla disseminação do
vírus no território nacional, declaradamente com o objetivo de retomar a
atividade econômica o mais rápido possível e a qualquer custo”.
A comprovar tal conclusão, verifica-se que, de R$ 24 bilhões
disponíveis no Orçamento para compra de vacinas, apenas R$ 2 bilhões foram
gastos em 2020 (Folha de S.Paulo, 1.º/3, pág. A13). Tão grave quanto isso foi o
corte de financiamento de leitos de UTI nos Estados para atendimento a
pacientes com covid-19, que o STF acaba de mandar seja realizado (Estado,
1.º/3, A12).
Ao pôr a ambição política acima da proteção da saúde de seu
povo, Bolsonaro revela egocentrismo incompatível com a permanência como
primeiro mandatário, pois brasileiros foram lançados, por sua insensibilidade,
na tragédia que a OMS reconhece estar instalada entre nós.
Quatro ex-ministros da Saúde clamam por um governo de salvação nacional ou pela criação de um gabinete de crise que dirija e coordene o enfrentamento da pandemia, sob o risco de afundarmos definitivamente na desgraça. Como fazer?
Há meio breve, justo e correto, já aventado antes por vários juristas. Ao Ministério Público, que tem por missão a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos sociais, entre eles o da saúde, cumpre promover, em face desses fatos, ação penal por crimes contra a saúde pública e contra a paz pública, o primeiro previsto no artigo 268 do Código Penal: “Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”.
Ademais, ao estimular a população a se aglomerar, não usar máscara e não se vacinar, o presidente incita-a a praticar o crime acima mencionado, configurando-se, então, o delito do artigo 286 do Código Penal: “Incitar, publicamente, a prática de crime”. Ou seja, compele a se infringir determinação do poder público destinada a impedir a propagação de doença contagiosa.
Há, evidentemente, dois desafios: 1) fazer o procurador Aras sair de seu imobilismo, sendo essencial a pressão da sociedade e de colegas procuradores; e 2) a Câmara dos Deputados, ciente da gravidade do momento, aceitar a denúncia, afastando o presidente, para o vice, em governo de união nacional, atuar em prol da salvação de nossa gente.
Outra forma seria a assunção da condução da área da Saúde pelo Congresso Nacional, via CPI ou promovendo o impeachment do ministro (artigo 14 da Lei n.º 1.079/50), cabendo ao novo titular da pasta atuar em conjugação com secretários de Saúde dos Estados.
A sociedade civil organizada, hoje silente, deve se manifestar por via de suas inúmeras entidades, exigindo que Ministério Público (competente, sim, para processar o presidente, como o fez contra Temer), Câmara dos Deputados e Senado cumpram o dever de salvar o País. Mexa-se, Brasil!
ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR SÊNIOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA
Texto e imagem reproduzidos do site: otambosi.blogspot.com
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