Publicado originalmente no site POLITIZE, em 19 de abril de
2017
Ciência Política: 4 conceitos fundamentais
Quantas vezes você já ouviu nomes como Maquiavel, Rousseau e
Hobbes ou se deparou com debates sobre direitos no seu dia a dia? Aposto que
inúmeras! É muito comum o uso de ideias e expressões vindas da Ciência Política
no nosso cotidiano. Mas você sabe o que elas significam? Se a resposta for não,
tudo bem: este texto servirá como uma introdução para você que quer começar a
entender a Ciência Política. Vamos apresentar quatro conceitos básicos dessa
ciência: cidade, cidadania, direitos e Estado.
O QUE É A CIÊNCIA POLÍTICA?
Por estar relacionada a conceitos abstratos, como o de
política e poder, a definição de Ciência Política é bastante discutida entre
especialistas. É possível descrevê-la brevemente como a área de estudos que
procura interpretar os diversos aspectos da comunidade política (uma comunidade
é considerada “política” quando é autossuficiente: controla os meios de
violência, financia as atividades de seus habitantes e possui membros dispostos
a mantê-la). Para isso, dedica-se a entender tanto o processo de formação da
comunidade política, quanto instituições, práticas e relações que moldam a vida
pública.
1) A CIDADE E O SURGIMENTO DA COMUNIDADE POLÍTICA
O surgimento das cidades tem relação direta com a comunidade
política. E para entender o papel das cidades, é preciso entender a função da
religião, que segundo o historiador francês F. de Coulanges, teria tido papel
fundamental para esse processo. No princípio da história humana, quando
existiam apenas pequenos grupos humanos isolados entre si, a religião regulava
a conduta humana somente no nível doméstico. Mas essa influência foi ampliada à
medida que esses pequenos grupos de indivíduos se uniram: apesar da relação
mais intimista com a religião, era comum a união entre famílias que possuíssem
cultos similares, possibilitando o surgimento de sociedades cada vez mais
amplas e abrangentes. Assim, a estrutura social da religião passou a servir
como modelo para a estrutura social da comunidade política que se formava.
Até que a aproximação entre os pequenos grupos e a
construção de templos religiosos (que agora atendiam a todos, devido à similaridade
entre cultos) formou a cidade – que aqui pode ser entendida como uma área
urbanizada responsável por aglomerar um número significativo de indivíduos (de
poucas centenas até milhões) e acolhe o corpo administrativo da sociedade que a
habita. Acompanhando esse crescimento, os pequenos governos familiares se
tornaram o governo da cidade (com a palavra “governo”, a Ciência Política se
refere ao mecanismo pelo qual o corpo governante – ministros, deputados,
prefeitos, etc – exerce sua autoridade; o governo é um fator essencial para o
funcionamento de qualquer sociedade).
Na cidade antiga, o líder local não dependia da força
material: sua autoridade era sustentada pela religião. Nota-se, nessa situação,
a presença de um conceito primordial na Ciência Política: a legitimidade. A
noção de legitimidade está diretamente relacionada ao funcionamento da
sociedade: apenas com um amplo consenso, uma noção de comunidade e uma genuína
disposição por parte de seus membros para viverem segundo certas regras tradicionais
e aceitarem as decisões das autoridades legítimas, seria possível o andamento
de uma sociedade.
A religião só deixou de regular a ordem das sociedades após muitas revoluções e mudanças de paradigmas sociais. Foi preciso que a humanidade descobrisse outros princípios e laços sociais que também garantissem sua união, para que o governo se tornasse ainda mais abrangente e fosse regulado por outras leis.
2) CIDADANIA: O CIDADÃO E SEU PAPEL NA COMUNIDADE
Um fator constante na Ciência Política, e que é ligado à
ideia de cidade, é a reflexão sobre o significado da cidadania. Quem seria o
cidadão? Qual seria sua importância dentro da comunidade política? Essas são
questões que sempre alimentam debates.
De acordo com o historiador americano Moses Finley, na
Grécia (onde a história política teria se iniciado, segundo a tradição
ocidental), entendia-se que a cidade era moldada e viabilizada pelos cidadãos:
havia um governo e um conjunto de normas, como em várias outras sociedades, mas
o seu principal diferencial se encontrava na não existência de uma autoridade
soberana: a fonte de autoridade era a própria comunidade.
O filósofo político italiano Nicolau Maquiavel, considerado
um dos fundadores da Ciência Política moderna, também ressaltou a importância
do cidadão na sua obra. Segundo ele, o povo seria responsável pela preservação
da comunidade, já que, para o autor, o Estado (entendido como unidade política
soberana, com estrutura própria e politicamente organizada, diferente de
“governo”) tenderia de forma natural à ruína.
Mas quem seria o cidadão? Na cidade antiga (nas épocas de
gregos e romanos), as normas da sociedade eram pautadas pela religião e por
isso, era considerado cidadão o indivíduo que participava do culto da cidade.
Devido à impossibilidade de pertencer a duas religiões distintas ao mesmo
tempo, não era possível ter “dupla cidadania”. A participação no culto era vista
como essencial, pois garantia os direitos civis. Consequentemente, os
estrangeiros careciam desses direitos, uma vez que o acesso ao culto lhes era
proibido. Já em Atenas, durante o período democrático, não eram concedidos
direitos às mulheres, crianças, escravos, migrantes e imigrantes, pois eles não
eram considerados cidadãos.
Atualmente, entendemos o cidadão como um membro do Estado
que usufrui de direitos civis e políticos, e que desempenha deveres que lhe são
atribuídos pela sociedade a qual pertence. Nesse caso, a ideia de “membro do
Estado” não se limita àqueles que nasceram no território nacional. No Brasil,
por exemplo, um estrangeiro pode obter a cidadania brasileira em determinadas
circunstâncias, que você pode conferir aqui.
3) DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS
A noção de cidadania está diretamente ligada aos direitos
civis e políticos. Os teóricos conhecidos como contratualistas, por exemplo,
associam a inauguração da sociedade civil à necessidade humana de garantir seus
direitos básicos. Por serem indispensáveis para uma vida minimamente adequada,
os seres humanos teriam concordado em se organizar socialmente e em se submeter
a uma autoridade soberana, em troca da garantia dos direitos básicos. Para que
essa sociedade funcionasse de modo apropriado, teriam sido criados os direitos
civis.
A diferença entre direitos básicos e direitos civis seria a
seguinte: enquanto os direitos básicos são aplicáveis a qualquer indivíduo,
independente da existência de uma sociedade ou não, os direitos civis são
próprios de uma comunidade política. Não há qualquer consenso quanto a quais
direitos seriam “básicos” e quais seriam “civis”, pois esses variam de acordo
com o contexto histórico em que a sociedade se encontra.
Já os direitos políticos dizem respeito à atuação do cidadão
na vida pública de determinado país – ou seja, eles garantem a sua participação
no processo político. É importante mencionar que esses direitos nem sempre são
promovidos. Durante a Ditadura Militar, por exemplo, era negado um dos direitos
políticos mais conhecidos: a livre expressão de opinião.
4) O ESTADO
Dentre as diversas contribuições que vários autores fornecem
para o ramo da Ciência Política, a análise do Estado é uma das mais frequentes.
Assim como acontece com muitos objetos de estudo dessa área, o Estado é
interpretado de maneiras diferentes por diversos autores, não se limitando à
definição apresentada anteriormente neste texto. Para o alemão Max Weber, por
exemplo, o Estado seria uma comunidade de indivíduos que concede aos seus
representantes (ou seja, ao corpo governamental) a capacidade exclusiva de se
utilizar da força para regular a vivência em sociedade – controlando, desse
modo, a conduta de cada um dos habitantes. Essa capacidade ficou conhecida como
monopólio da violência.
Contudo, os autores da Ciência Política não se limitam
apenas à tarefa de definir o Estado. É bastante recorrente que eles busquem
entender também como ele se organiza. A partir do cenário político em que estão
inseridos, é comum que os teóricos mostrem preferência por certo sistema de
governo e/ou forma de governo. O sistema de governo diz respeito à forma em que
o corpo governamental se organiza – nas últimas décadas, os modelos mais
recorrentes têm sido: o parlamentarista, o presidencialista e o
semipresidencialista. Já a forma de governo se refere à maneira como se dá a
relação entre governantes e governados (monárquica, republicana ou
aristocrática).
No livro “O Príncipe”, por exemplo, Nicolau Maquiavel afirma
que a melhor forma de governo possível seria a republicana, pois garantiria a
liberdade de todos ao permitir que os cidadãos participem da formulação das
leis. Por outro lado, Thomas Hobbes e Jean Bodin mostraram preferência pela
monarquia. Segundo Bodin, a superioridade dessa forma de governo estaria na sua
capacidade de facilitar o exercício da soberania, uma vez que ela estaria sob o
controle de apenas um indivíduo.
Como você provavelmente notou até aqui, a Ciência Política é
uma área bastante extensa, complexa e extremamente interessante! Esta
introdução serve apenas como um primeiro passo para os seus estudos. Outros
conceitos igualmente importantes podem ser acrescentados a essa lista. Visando
aprofundar o seu conhecimento, recomendamos buscar entender a diferença entre
os sistemas de governo e os contrastes entre república e monarquia, e pesquisar
sobre os direitos civis brasileiros. Considerando a riqueza dessa ciência, há
diversos caminhos a serem explorados!
Fontes:
Cidadania brasileira: como se tornar um cidadão do Brasil –
Comunidade política – Conceito de cidade – Coulanges: “A cidade antiga” (1981)
– Concepção de Estado para Durkheim e Weber – Formas de governo – John Locke –
Moses Finley: “O legado da Grécia: uma nova avaliação” (1981) – Regimes
políticos – João Ribeiro: “Política: quem manda, por que manda, como manda”
(1998).
Rhuan Barcellos - Estudante de Relações Internacionais pela
Universidade Federal Fluminense (UFF). Suas principais áreas de interesse são o
Jornalismo Internacional e a História das Relações Internacionais. Redator
voluntário do Politize!
Texto e imagem reproduzidos do site: politize.com.br

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