terça-feira, 13 de setembro de 2022

O impossível acontece: russos fogem e ucranianos estão ganhando.

Publicação compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 13 de setembro de 2022

O impossível acontece: russos fogem e ucranianos estão ganhando.

É “apenas” num dos teatros da guerra, o de Kharkiv, mas a contraofensiva para retomar territórios põe um inimigo legendário para correr. Vilma Gryzinski:

“O maior perigo que enfrentaríamos em Odessa seria sermos sufocados pelos abraços da população”. Dessa forma irônica, Alexei Timofiev, comentarista político russo, descreveu num programa da televisão estatal a a diferença entre propaganda e realidade.

Ouvir da boca de russos totalmente fieis a Vladimir Putin o que está acontecendo na Ucrânia é uma experiência impagável. As desculpas, as mentiras, as “análises” francamente ensandecidas, tudo isso ruiu diante da fuga em massa das forças russas da região de Kharkiv, onde os ucranianos lançaram uma contraofensiva que vem conseguindo o que parecia impossível.

O ex-deputado Boris Nadezhdin, por exemplo, foi de uma agressividade quase sem precedentes num momento em que abrir a boca para fazer alguma crítica aos militares pode dar quinze anos de cadeia: “As pessoas que convenceram o presidente Putin de que esta operação especial seria rápida e eficiente, que não afetaria a população civil, estas são as pessoas que nos enganaram” .

É “praticamente impossível ganhar esta guerra” com os recursos que estão sendo empregados, continuou ele. O ex-deputado ainda classificou a operação de “guerra colonial”, quase provocando uma apoplexia nos colegas de programa.

Alexander Kazakov, que é atualmente deputado, resumiu o clima de pessimismo: “Uma guerra é algo muito complicado, envolvendo aspectos políticos e psicológicos. Nesses últimos dias, levamos um grande golpe psicológico”.

A expressão funérea de autoridades russas contrasta com a euforia da população das pequenas cidades em torno de Kharkiv quando deixam seus porões para abraçar e beijar os libertadores. São, na maioria, pessoas simples, muitas delas trabalhadores rurais idosos que não tiveram forças para fugir. É comovente a alegria que demonstram.

Aos poucos, vão encontrando os sinais de que realmente os invasores foram derrotados: blindados largados no meio do caminho ou até dentro de rios, montanhas de fuzis, tanques cobertos pelos uniformes de soldados que os trocaram por roupas civis. Em vez do orgulhoso exército russo, herdeiro das forças que derrotaram Napoleão e Hitler, parecem mais os assustadiços soldados que Saddam Hussein havia colocado para, absurdamente, enfrentar os americanos na libertação do Kuwait.

A estratégia ucraniana lembrou, para quem se interessa pela história da guerra, um dos estratagemas recomendados no Livro das Trapaças, de Zhang Yiingyu, autor chinês da era Ming que entra em detalhes bem mais comezinhos do que o muito mais conhecido Sun Tzu, da Arte da Guerra.

“Faça barulho no leste e ataque no oeste”, é um dos estratagemas recomendados. “Crie uma expectativa na mente do inimigo. Manipule-o para concentrar recursos num lugar antes de atacar em outro”.

Durante semanas, o comando ucraniano plantou que lançaria uma grande ofensiva para libertar Kherson, uma cidade da região sul que forma o “cinturão russo” conectado com a Crimeia. Kherson parecia um alvo ideal porque fica às margens do rio Dnipro e depende de uma série de pontes rodoviárias e ferroviárias para ser abastecida. Bombardeios contra estas pontes davam a impressão que realmente haveria um ataque em grande escala, levando os russos a reforçar suas posições.

Enquanto isso, os ucranianos prepararam tão silenciosamente quanto possível o contra-ataque na região nordeste. Kharkiv é uma cidade importante, já foi capital da Ucrânia e palco de algumas das mais decisivas batalhas entre a Alemanha nazista e o Exército Vermelho na II Guerra Mundial. Como a região é fronteiriça com a Rússia, as linhas de abastecimento estão garantidas. Ou estavam.

“A Ucrânia lançou a maior contraofensiva desde a II Guerra Mundial. E vejam o que fizeram: alcançaram o inalcançável”, comparou o analista militar americano John Spencer.

“As forças ucranianas infligiram uma grande derrota operacional à Rússia”, resumiu o Instituto para o Estudo da Guerra, que costuma analisar metodicamente todas as ações militares na Ucrânia.

Em termos bem mais simples, um soldado ucraniano ferido reproduziu para o Wall Street Journal a ordem de comando nada sofisticada que ele e seus companheiros haviam recebido: “Vão lá, ferrem com eles, tomem o que é nosso”.

O verbo usado, evidentemente, foi um pouco mais chulo do que “ferrem”.

Da mesma forma que fizeram quando tiveram que desistir de atacar Kiev e abandonar as localidades ao seu redor, os russos disseram que estavam fazendo um “reagrupamento tático”. A diferença é que agora os mais entusiásticos defensores da guerra estão abrindo os olhos para uma realidade completamente diferente da que descreviam desde 24 de fevereiro.

“A guerra na Ucrânia vai continuar até a derrota completa da Rússia”, escreveu sombriamente no Telegram o blogueiro Igor Girkin, que comandou forças separatistas no Donbas e foi da inteligência militar.

É preciso lembrar, novamente, que as críticas cada vez mais ostensivas não são absolutamente contra a guerra, mas à falta de preparo das Forças Armadas. Muitos também acham que Putin deveria parar com a encenação da “operação militar especial”, declarar guerra e lançar um recrutamento obrigatório em massa. As críticas indiretas a Putin são por uso limitado, não excessivo, da força.

A contraofensiva de Kharkiv ainda está em andamento e, sozinha, não define o rumo da guerra. Mas abre possibilidades de tirar o fôlego. “Se os ucranianos conseguirem sustentar os impressionantes ganhos militares dos últimos dias, Putin logo se verá contemplando o abismo de uma derrota catastrófica”, disse no Telegraph o analista militar Com Coughlin.

Há uma boa dose de exagero nesse tipo de perspectiva, inclusive por ignorar que a Rússia sempre tem armas não convencionais como último recurso.

Inteligência estratégica, flexibilidade operacional, uso bem planejado de armas como o sistema de foguetes HIMARS, exploração das fragilidades dos inimigo e captura de grandes quantidades de armamento e blindados colocaram a Ucrânia na melhor posição que já teve nesses 200 dias de guerra.

O maior comandante da Rússia de todos os tempos, o General Inverno, ainda não chegou, mas este fim de verão está propiciando cenas impensáveis: soldados russos que largam tudo e fogem a pé ou em carros roubados da população civil. Nem os mais apaixonados partidários de Putin conseguem deixar de notar isso.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi.blogspot.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário