Legenda da foto: Richard Dawkins durante entrevista à BBC
Publicado originalmente no site BBC BRASIL, em 6 de novembro de 2016
Richard Dawkins é um dos ateus mais conhecidos do mundo, autor de 'Deus, Um Delírio'
Preconceito, agressividade e desconfiança: como é ser ateu no Brasil
Por André Bernardo (Do Rio de Janeiro para a BBC Brasil)
Passava das 22h30 do último dia 2 de outubro quando o então candidato a verador por São Paulo Edmar Luz (PPS-SP) publicou em seu perfil no Facebook uma nota de agradecimento aos 709 eleitores que votaram nele. Minutos depois, começaram a surgir as primeiras mensagens em sua timeline: algumas de apoio, outras de zombaria.
Dos mais de 480 mil candidatos a vereador, Edmar era o único declaradamente ateu do Brasil. "Enquanto uns demonstram curiosidade em saber como um ateu lida com as questões cruciais da vida, como morte e doença, outros, mais exaltados, reagem com desprezo e agressividade", relata o candidato.
Durante a campanha, Edmar perdeu a conta das vezes em que foi insultado nas ruas. A cena era sempre a mesma: ele distribuía o "santinho" com a propaganda política, o eleitor dava uma rápida lida no papel e, dali a pouco, vociferava algum palavrão, indignado.
"Demônio" e "Satanás" eram os mais recorrentes. Não bastasse, ele sofreu ataques nas redes sociais e, o mais curioso, recebeu críticas até de quem também se diz ateu.
Mas Edmar diz não se intimidar: afirma que continuará a defender, nas próximas eleições, um Estado laico de fato e o fim do preconceito contra ateus.
Uma pesquisa de 2007 encomendada ao CNT/Sensus revelou que apenas 13% dos eleitores brasileiros votariam em um candidato ateu para presidente da República. Para efeito de comparação: 84% votariam em um negro, 57% em uma mulher e 32% em um homossexual.
Até hoje, há quem diga que Fernando Henrique Cardoso só não ganhou de Jânio Quadros na disputa pela prefeitura de São Paulo, em 1985, porque titubeou diante de uma pergunta do jornalista Boris Casoy, no último debate na TV, sobre sua crença em Deus.
"É difícil ser ateu no Brasil porque negar a existência de Deus contraria o modo de viver da maioria da população", analisa Geraldo José de Paiva, coordenador do Laboratório de Psicologia Social da Religião, do Instituto de Psicologia da USP. "Mexer com Deus é como mexer com a mãe", compara.
"Religião não define caráter"
No Brasil, a rejeição aos ateus não se limita aos que pleiteiam cargos políticos. Levantamento da Fundação Perseu Abramo, de 2008, mostra que 42% dos brasileiros admitem sentir aversão aos descrentes. Desses, 17% declararam sentir ódio ou repulsa e 25%, antipatia.
"Já fui até ameaçado de morte", afirma Daniel Sottomayor, um engenheiro civil que ajudou a fundar, em 2008, a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea) ─ entidade que reúne 17 mil membros e mais de 592 mil seguidores no Facebook.
Inspirada em uma campanha britânica, a Atea tentou estampar anúncios em ônibus de quatro capitais brasileiras, em 2010. Não conseguiu. A propaganda foi considerada ofensiva e rejeitada pelas empresas. Um ano depois, nova investida. Dessa vez, a associação conseguiu espalhar alguns poucos outdoors pelas ruas de Porto Alegre (RS), com slogans do tipo "Religião não define caráter" ou "Somos todos ateus com os deuses dos outros".
"Enquanto as notas de Real louvarem a Deus, as escolas públicas tiverem ensino religioso e as repartições do governo ostentarem crucifixos, os ateus continuarão ser tratados como cidadãos de segunda classe", protesta Sottomayor.
Na opinião do biólogo Eli Vieira Araújo, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, campanhas ateístas não são efetivas porque se valem de slogans que, como qualquer frase de efeito, estão "cheios de furos".
É o caso de "A fé não dá respostas. Só impede perguntas". "Sabe quem refutaria essa frase? Isaac Newton. Ele fez ciência só até por volta dos 30 anos. Depois disso, dedicou-se à teologia", diz Araújo.
Um dos fundadores da Liga Humanista Secular do Brasil (LiHS), Eli afirma que, quando o assunto é não ter vergonha de se assumir publicamente, ateus e agnósticos ainda têm muito a aprender com a experiência de gays e lésbicas.
"Embora ainda seja difícil para muita gente lidar com LGBTs fazendo carícias públicas, até quem tem ojeriza a eles reconhece que estão dentro de sua liberdade num país laico", analisa.
O preconceito que ateus e agnósticos sofrem ao redor do mundo encorajou o cineasta Micael Langer a abordar o tema em Godless - The Truth Beyond Belief (Sem Deus - a verdade além da crença, em tradução livre) que deve chegar aos cinemas no segundo semestre de 2017.
Em alguns países, negar a existência de uma entidade divina pode significar a perda do emprego. Em outros, uma sentença de morte. "Muitas vezes, os ateus preferem se trancar no armário a passar por situações constrangedoras", diz.
Até o momento, Langer já entrevistou dois dos incrédulos mais famosos do planeta: o biólogo evolucionista britânico Richard Dawkins, autor de Deus, Um Delírio, e o sociólogo americano Phil Zuckerman, de A Sociedade Sem Deus.
"O público-alvo do meu filme não são os ateus. Meu objetivo é trazer um pouco de luz a um debate que, apesar de ser importante e afetar a vida de milhões de pessoas, costuma ser varrido para debaixo do tapete."
"Deus prefere os ateus"
Originalmente, um dos entrevistados de Godless seria Drauzio Varella. Quando ele diz às pessoas que não segue uma religião ou acredita em Deus, quase sempre ouve a mesma resposta: "Mas, o senhor? Uma pessoa tão boa...". "
Muita gente enxerga os ateus por um viés religioso, como se fôssemos anticristos a serviço do demônio", ironiza o músico e escritor Tony Bellotto, que diz ter "saído do armário" por influência de Christopher Hitchens, jornalista e escritor britânico que morreu em 2011.
"Não compreendem que alguém pode ser ético, solidário e feliz seguindo princípios humanistas e não preceitos religiosos", completa Bellotto, que tem em seu escritório uma placa onde se lê: "Deus prefere os ateus".
Desde que assumiu publicamente sua não-crença, o guitarrista dos Titãs já passou por situações, no mínimo, inusitadas. Certa vez, uma senhora no avião tirou da bolsa um folheto evangélico do tipo "Jesus te ama" e ofereceu a ele, com a seguinte recomendação: "Leia isso, vai te fazer bem". Quando Tony avisou que não acreditava em Deus, foi obrigado a ouvir: "Mas, você tem que acreditar em alguma coisa!".
"Volta e meia, alguns me provocam dizendo que, na hora da morte, apelarei para Deus. A esses, recomendo a leitura de Últimas Palavras", rebate Bellotto, citando o livro póstumo de seu ateu favorito, Hitchens.
A neurocientista Suzana Herculano-Houzel, da Universidade de Vanderbilt, nos EUA, também demorou a se declarar ateia. Por recomendação da mãe, sempre relutou em dizer em cadeia nacional que não acreditava em Deus.
Em 2010, porém, ela rompeu o silêncio. Na crônica "Sou ateia e sinto-me discriminada". Na época, recebeu dezenas de e-mails, a maioria deles em tom condescendente, lamentando sua posição.
"Proselitismo é um saco: pró ou contra religião. Ser vítima de pregação é sempre desagradável. É uma pena que alguns ateus não entendam que as pessoas religiosas têm tanto direito à sua religião quanto nós ao ateísmo", afirma.
Mas, afinal, o que pode ser feito para combater a intolerância? Para Tony Bellotto, não se deve misturar educação com religião. "A doutrinação religiosa tem que estar fora das escolas", enfatiza o músico.
Daniel Sottomayor, da Atea, defende leis mais duras contra quem discrimina ateus e agnósticos. Já Suzana Herculano-Houzel propõe incentivar as pessoas a pensar por si mesmas, a ter espírito crítico e a exigir evidências antes de aceitar a palavra alheia. "Mas a convicção tanto de que Deus existe quanto de que ele não existe deve ser sempre respeitada", sublinha a cientista.
Texto e imagem reproduzidos do site: bbc.com/portuguese/brasil
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Legenda da foto: Osama bin Laden, homem que mudou o rumo da história do mundo
Publicado originalmente no site da BBC BRASIL, em 16 de julho de 2016
O mundo seria mais pacífico se não houvesse religião?
BBC
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Religião e guerra são dois temas que muitas vezes se cruzam.
Desde as Cruzadas em 1095 até hoje em dia, vimos inúmeros conflitos travados em nome da fé.
E enquanto muitos acreditam que as guerras explodiriam se não houvesse a religião e que a fé é, na realidade, uma grande promotora da paz, para outros a guerra e a religião não podem se separar.
Nesta reportagem, um historiador analisa o caso do grupo que se autodenomina Estado Islâmico; mostramos três conflitos que normalmente são associados à religião, mas também têm outras causas; e falamos de trechos de livros religiosos que se referem a conflitos.
Justin Marozzi, historiador e jornalista
Desde muito tempo, a guerra e a religião se encontram em uma relação complicada e, muitas vezes, tensa.
Mas será que a religião alguma vez é a causa principal de uma guerra? Ou simplesmente um veículo utilizado para incitar as tropas, dividir sociedades e saquear países?
A causa original de qualquer guerra ou conflito é complexa e cheia de nuances, e há muitos fatores em jogo, como poder, ideologia, dinheiro, território e identidade.
Ocasionalmente, esse causa original até é esquecida, se perde ou é mal interpretada.
Na Irlanda do Norte, por exemplo, um conflito de 30 anos parecia dividir a sociedade em grupos religiosos: os unionistas protestantes contra os republicanos católicos.
De fato, o problema era mais territorial, com visões distintas sobre a identidade e sentimento de pertencimento nacional em sua essência. Os unionistas queriam permanecer no Reino Unido e os republicanos queriam voltar a ser parte da República da Irlanda.
Alguns especialistas acreditam que a religião nunca é a causa das guerras. Já outros dizem que a religião tem um papel de protagonismo na instigação da violência e do conflito.
A campanha do grupo autodenominado Estado Islâmico, por exemplo, criou uma violência generalizada que sacrificou milhares de inocentes, de todas e de nenhuma fé, em muitas partes do mundo.
O EI pratica uma versão extrema do Islã, e não pensa duas vezes antes de derramar sangue para lograr seus objetivos.
Sua causa imediata é a invasão do Iraque liderada pelos Estados Unidos, durante a qual seu líder, Abu Bakr al-Baghdadi, foi preso.
Ao mesmo tempo, havia uma luta de poder em Bagdá entre duas facções do Islã: o governo dirigido por xiitas e os sunitas privados de representação.
Estes últimos se uniram a insurgentes anti-governo.
O EI aproveitou a situação e ganhou território na Síria e no Iraque.
Com esta situação política de fundo, podemos responsabilizar somente a religião por este conflito violento?
Especialistas como o ex-oficial da CIA e psiquiatra forense Mark Zeiman diriam: "Não, não se trata da fé, sim da indignação emocional e moral, o que leva às pessoas a se unir a grupos como o EI."
Mas eu tenho outro ponto de vista.
Depois de passar a maior parte da última década vivendo em meio a conflitos e escrevendo sobre muitos dos países mais assolados pela guerra, meu parecer é que não se trata de anti-imperialismo.
Trata-se se pintar o mundo de negro.
Com sua interpretação extremista do Islã, para este núcleo duro de crentes, o motivo é puramento religioso.
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Histórias de guerras
Esses três conflitos são muitas vezes interpretados como tendo causas religiosas.
Mas será que é isso mesmo?
Os historiadores Marozzi e Aaron Edwards resumem fatores que, para eles, precisam ser levados em conta quando se pensa nessas guerras.
Guerra da Bósnia
No início da década de 1990, a Iugoslávia se desintegrou diante de uma série de guerras civis.
Depois da Eslovênia e da Croácia se separarem, a Bósnia teve seu referendo de independência, o que levou a um conflito entre muçulmanos, sérvios (predominantemente cristãos ortodoxos) e croatas (predominantemente católicos).
Com um forte apoio do governo sérvio e grupos extremistas de Belgrado, os bósnios sérvios estavam determinados a ficar no que restava da Iugoslávia e ajudar a estabelecer uma grande Sérvia.
A guerra foi, então, principalmente um conflito territorial, alimentado por nacionalismo e divisões étnicas.
Os enfrentamentos foram amargos, os bombardeios indiscriminados, houve violações massivas sistemáticas e limpeza étnica.
Esta limpeza étnica obrigou comunidades inteiras a deixarem seus lares em operações cuidadosamente planejadas.
O incidente mais notório resultou no assassinato de quase 8 mil homens e meninos bósnios muçulmanos em Srebrenica em 1995, meses antes do fim da guerra.
Afeganistão
Quando os Estados Unidos foram atacados em 11 de setembro de 2011, foram considerados culpados a Al Qaeda e seu líder Osama Bin Lader, que previamente havia dito que os EUA haviam declarado "a guerra contra Deus, seu mensageiro e muçulmanos" e havia pedido a todos os muçulmanos que "cumprissem a ordem de Deus de matar os americanos".
Depois do 11 de setembro, os dirigentes do Talebã do Afeganistão foram acusados de proteger a Al Qaeda e Bin Laden.
Os EUA, apoiados por aliados, invadiram o país.
O objetivo alegado era desmantelar a Al Qaeda e impedir que tivessem uma base segura para suas operações, tirando os talebãs do poder no Afeganistão, onde eles aplicavam uma rígida interpretação da lei islâmica.
Depois do Afeganistão, a "guerra contra o terror" se expandiu com a invasão ao Iraque, justificada com argumentos que em sua maioria foram desacreditados.
Alguns começaram a considerar a "guerra contra o terror" com uma guerra do Ocidente contra o Islã.
Estado Islâmico
Detalhe de carta do EI
Carta enviada a um reverendo batista por membros do EI avisando que um missionário cristão havia sido decapitado.
O chamado Estado Islâmico emergiu dos escombros da invasão do Iraque e da guerra civil síria, e pratica uma forma extrema de islamismo no qual sangue é derramados com objetivos políticos e religiosos.
O grupo conquistou território na Síria e no Iraque e assumiu a responsabilidade por ataques em várias partes do mundo, como Tunísia, Líbano, França e Bélgica.
Ele rechaça a democracia, considerando-a como uma ideologia ocidental desencaminhada, e tenta desafiá-la não apenas atacando o que chama de governos apóstatas (não crentes) do Oriente Médio e África do Norte, mas também as democracias liberais centrais do Ocidente.
O grupo advertiu outros grupos jihadistas do mundo que eles têm de aceitar sua autoridade suprema para erradicar os obstáculos para restaurar o reino de Alá Terra e defender a comunidade muçulmana contra infieis e apóstatas.
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Aaron Edwards, historiador e escritor
O historiador e escritor Aaron Edwards reuniu uma mostra de citações relacionadas à guerra e o conflito em escrituras sagradas. Clique para vê-las.
Hinduísmo
Do Bhagavad-gītā
Governando sentido, mente e intelecto, com a intenção de libertação, livre de desejo, medo e raiva, o sábio é sempre livre. [5:28]
Pense em seu dever e não duvide. Não há honra maior para um guerreiro que participar de uma guerra justa. [2:31]
*tradução livre
Judaísmo
Da Torá
Não matarás. [Exodus 20:30]
Jeová, nosso Deus, fará com que vocês entrem na terra que vão possuir e ele mesmo expulsará os povos que vocês enfrentarem.
E Jeová, nosso Deus, entregará esses povos nas suas mãos, e vocês os atacarão e destruirão completamente. Não façam nenhum acordo de paz com eles, nem tenham pena deles. [Deutoronomio 7:1-2]
*tradução livre
Islã
Do Corão
Combata por Alá contra quem combater contra vocês, mas não os exceda. Alá não ama os que se excedem. [Capítulo 2 verso 190]
Continue lutando contra eles até que todo o dano cesse e o caminho prescrito por Alá prevaleça. Mas se eles desistirem saiba que a hostilidade é só contra os malfeitores. [Capítulo 2 verso 193]
*tradução livre
Sikhismo
Do Guru Granth Sahib
Quando todos os esforços para restaurar a paz são inúteis e as palavras em vão, o raio do aço é legal. É correto desembainhar a espada. [Guru Goblnd Singh - 10º guru]
Ninguém é meu inimigo. Ninguém é estrangeiro, com todos estou em paz. O Deus que abrigamos nos torna incapaz de ódio e preconceito. [Fundador Guru Nanak]
*tradução livre
Cristianismo
Da Bíblia cristã
Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus. (Mateus 5:9)
Não penses que vim para trazer paz à Terra; não vim para trazer paz, sim espada. (Mateus 10:34)
*tradução livre
Texto e imagens reproduzidos do site: bbc com/portuguese/internacional
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