Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 13 de setembro de 2024
Pane na esquerda
Por onde quer que se olhe, a história é horrível. Ela aponta para um emaranhado de hipocrisias da esquerda e, de maneira mais específica, dos pontas de lança da política identitária dentro do governo. Carlos Graieb e Wilson LIma para a Crusoé:
Nas próximas duas semanas, senadores e deputados de oposição devem levar a votação requerimentos para que a ministra da Igualdade Racial Anielle Franco vá prestar esclarecimentos sobre as acusações de assédio sexual que levaram à demissão de seu colega Silvio Almeida, que ocupou a pasta de Direitos Humanos até o dia 6 de setembro.
Entre as dúvidas, está o motivo de Anielle não haver formalizado nenhuma denúncia a órgãos de controle, como a Comissão de Ética Pública.
A história só veio à tona porque a Me Too Brasil, uma ONG que se dedica a expor casos de violência sexual contra mulheres, divulgou na noite de 5 de setembro um comunicado que apontava Almeida como responsável por vários casos de assédio. Segundo o site Metrópoles, que primeiro noticiou a história, Anielle era uma das vítimas.
A questão que os parlamentares querem ver respondida é bastante pertinente. Afinal, segundo a Me Too Brasil, a dificuldade de encontrar canais para fazer a denúncia foi uma das razões por que as vítimas procuraram a entidade.
“Como ocorre frequentemente em casos de violência sexual envolvendo agressores em posições de poder, essas vítimas enfrentaram dificuldades em obter apoio institucional para a validação de suas denúncias. Diante disso, autorizaram a confirmação do caso para a imprensa”, diz o comunicado da ONG.
No caso específico da ministra, essa “dificuldade em obter apoio institucional” pode significar que o próprio presidente Lula, ou fez pouco de relatos sobre o comportamento de Almeida, ou tentou esconder o caso. Anielle havia mencionado os episódios de assédio para outros integrantes do governo. Segundo apurou Crusoé, desde julho, pelo menos, denúncias contra Almeida circulavam no Planalto. O diretor-geral da PF Andrei Rodrigues, bastante próximo de Lula, estava ciente do problema.
Esse é outro flanco que a oposição já começou a explorar. Quer que a Procuradoria-Geral da República, PGR, investigue se o presidente prevaricou, ou seja, deixou de agir mesmo sabendo da ocorrência de um possível crime.
Mas há uma outra possibilidade. A própria Anielle deixou de formalizar uma denúncia porque não queria causar dificuldades para o governo. E, apesar de ter recorrido ao Me Too Brasil, recusou-se a fazer comentários públicos sobre o assunto pela mesma razão. Isso é o que dizem em Brasília aliados de Anielle.
Esse é um caminho de defesa que o próprio Sílvio Almeida pretende explorar. Segundo ele, se Anielle não procurou oficialmente a Comissão de Ética Pública, é porque não tinha nada de concreto contra ele. A ministra estaria mentindo.
Almeida negou veementemente todas as acusações de assédio. Diz que nunca fez nada do tipo. E também acionou a PGR, alegando que foi vítima de denunciação caluniosa, um crime previsto no artigo 339 do Código Penal.
Por onde quer que se olhe, a história é horrível. Ela aponta para um emaranhado de hipocrisias da esquerda e, de maneira mais específica, dos pontas de lança da política identitária dentro do governo.
Na sua posse, em 1º de janeiro de 2023, Lula subiu a rampa do Palácio do Planalto com um grupo de pessoas que representavam a “diversidade” – mulher, criança, gay, indígena, velho. Não faltou nem mesmo um cãozinho vira-lata.
Muito bom como propaganda, mas diante do teste concreto representado pelo caso Silvio Almeida, o petista falhou. Só agiu depois que a história veio à tona – e então correu atrás do prejuízo, consumando a demissão do ministro em menos de 24 horas.
A desculpa de que não fez nada antes porque temia cometer uma injustiça contra o ministro não se sustenta, pois Lula nem sequer chegou a pôr em movimento as engrenagens que poderiam trazer a verdade à tona, inclusive inocentando o homem negro acusado de assédio sexual.
Cabe perguntar por quanto tempo a ferida continuaria supurando no interior do seu governo, caso não houvesse a denúncia do Me Too Brasil. Até quando o presidente da “diversidade” e das “minorias” continuaria convivendo com um caso de possível violência contra uma mulher que integra seu gabinete?
Se fosse qualquer outro presidente, de direita ou mesmo de centro, talvez uma feminista houvesse erguido a voz para denunciar o “machismo estrutural” revelado pela hesitação. Isso não aconteceu com Lula.
Pode-se dizer que o presidente agiu como típico político: não importa o que diga em público sobre valores e princípios, na hora que eles se chocam com o desejo de abafar um escândalo, é sempre isso o que prevalece.
Aliás, o mesmo vale para Anielle Franco, pelo que se sabe até agora. Ela não evitou levar o caso à “compliance” do Palácio do Planalto por estar “digerindo a dor no seu próprio tempo”, ou qualquer coisa do tipo. Fez isso, segundo afirmou a diversas pessoas, para “não causar dificuldades ao governo”.
Tanto Lula quanto Anielle demoraram a tomar a decisão correta – segundo a própria lógica de defesa das minorias que alardeiam – porque estavam preocupados com a preservação do poder. Hipocrisia número um.
Quanto a Silvio Almeida, sua primeira reação quando as acusações contra ele chegaram a imprensa foi recorrer a cartadas clássicas do identitarismo: vitimizou-se e correu a se esconder atrás da raça negra.
“Confesso que é muito triste viver tudo isso, dói na alma. Mais uma vez, há um grupo querendo apagar e diminuir as nossas existências, imputando a mim condutas que eles praticam. Com isso, perde o Brasil, perde a pauta de direitos humanos, perde a igualdade racial e perde o povo brasileiro”, disse ele em um vídeo gravado na noite de 5 de setembro.
É digno de nota o uso do plural (“nossas existências”), do coletivo (“o povo brasileiro”) e dos conceitos abstratos (“a pauta de direitos humanos”, “a igualdade racial”). Como todo autodeclarado heroi da política identitária, Almeida julga encarnar todas essas coisas grandiosas. Desconsidera a hipótese de que seja apenas o seu comportamento e a sua responsabilidade individual que estejam sob escrutínio.
Também é digno de nota que Almeida não tenha hesitado um instante sequer em usar a estrutura da pasta dos Direitos Humanos para divulgar seu vídeo. E que no dia seguinte tenha pressionado seus funcionários a apoiá-lo em público. O ministro parecia imaginar que era o próprio ministério.
As denúncias contra Almeida não se limitam às apresentadas pelo Me Too Brasil. Antes mesmo de ele ser demitido, na tarde de 6 de setembro, a gestora pública Isabel Rodrigues, atualmente candidata a vereadora em Santo André (SP) pelo PSB, divulgou um vídeo em que conta ter tido as suas “partes íntimas” tocadas por Almeida durante um almoço em que várias outras pessoas estavam presentes.
Na quarta-feira, 11, uma ex-aluna declarou numa entrevista ter sofrido assédio em 2009, quando o agora ex-ministro integrou sua banca de avaliação na Faculdade São Judas Tadeu.
Nesta quinta, 12, um ex-diretor do ministério dos Direitos Humanos, o sociólogo Leonardo Pinho, narrou episódios de assédio moral ao longo de 2023, com gritos, humilhações e ameaças que teriam sido dirigidas a ele pelo então chefe.
É claro que Silvio Almeida precisa ter o direito de se defender. E terá.
A PF abriu inquérito para apurar as denúncias de assédio. De forma inédita, nem mesmo o nome da delegada responsável pela investigação foi divulgado – segundo Andrei Rodrigues, para preservá-la de interferências e até de eventuais atos de intimidação.
A expectativa é que essa investigação dure pelo menos 90 dias. Por cautela, a PF já questionou o STF se o caso pode tramitar em primeira instância ou se Almeida ainda deteria o foro privilegiado, já que a abertura do inquérito ocorreu pouco antes de sua exoneração.
Na terça-feira, 10, a PF tomou o primeiro depoimento de uma das supostas vítimas, cujo nome foi mantido em sigilo. A ministra de Igualdade Racial ainda será ouvida.
Os policiais também vão solicitar a quebra de sigilo telemático do agora ex-ministro, que deve prestar depoimento, a princípio, na semana que vem.
Em âmbito administrativo, o caso finalmente entrou na mira da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, da Controladoria-Geral da União, CGU, e da Advocacia-Geral da União, AGU.
A Comissão de Ética Pública abriu procedimento disciplinar e o ex-ministro terá até quarta-feira, 17, para apresentar a sua defesa. Apesar de ele não fazer mais parte da Esplanada dos Ministérios, o órgão pode determinar uma “censura ética”, impedindo que ele seja nomeado para cargos federais por pelo menos dois anos.
Anielle Franco já foi ouvida na CGU. A expectativa é que o caso tramite por lá por pelo menos seis meses. O órgão pode emitir recomendações de não contratação do ex-ministro, caso ele seja considerado culpado.
Há um último aspecto infeliz nessa história.
Para substituir Silvio Almeida no ministério dos Direitos Humanos, Lula escolheu a educadora mineira Macaé Evaristo. Mulher, negra e petista, ela atende com louvor aos requisitos da política identitária.
Mas a ministra também chega à Esplanada como ré em um processo de improbidade administrativa. Como secretária municipal de Educação em Belo Horizonte, em 2011, ela é suspeita de ter adquirido uniformes escolares superfaturados – e ainda por cima de uma empresa que estava proibida de contratar com o setor público. Isso teria causado um prejuízo de 3,15 milhões de reais à prefeitura da capital mineira.
Há outro episódio semelhante na trajetória de Macaé Evaristo – uma compra superfaturada de carteiras escolares. Ela se livrou desse processo assinando um acordo com o Ministério Público e pagando uma multa de 10,5 mil reais, o equivalente a um mês do salário que recebia como secretária municipal.
Assim como no caso do ministro Juscelino Filho (União-MA), indiciado pela PF por corrupção, Lula não parece incomodado com essas manchas no currículo da nova auxiliar. Sua tolerância com quem atenta contra os cofres públicos parece ser infinita.
Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com
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