sexta-feira, 14 de março de 2025

A direita está organizada, enraizada e pronta para o combate contra o PT

Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 12 de março de 2025

Muito além de Bolsonaro: A direita está organizada, enraizada e pronta para o combate contra o PT.

O movimento vai além da liderança de Bolsonaro e tem mais a ver com valores de uma população majoritariamente a favor da redução da maioridade penal, contrária ao aborto e que rejeita a “ideologia de gênero". Fabiano Lana para o Estadão:

O presidente Lula imagina que um eventual sucesso na área econômica, somado com uma estratégia massiva de comunicação, incluindo bilhões em propaganda, seja suficiente para reverter a erosão constada em sua popularidade e abrir caminho para a reeleição. A questão é muito mais profunda e essa tese é uma ilusão. Há uma disputa moral em jogo e o que os integrantes do governo têm a apresentar neste momento são princípios que fogem à maioria da população. E, pior, a nova tábua de valores da sociedade, em sua maioria, acaba por confrontar pontos dogmáticos da esquerda.

O Brasil tem mudado de maneira vertiginosa. Tome-se um exemplo a princípio isolado, mas que pode ser um microcosmo do todo que se apresenta: qualquer estudante de “humanas” das últimas décadas, sobretudo dos anos 80 e 90, se deparou em algum momento com a coleção “Primeiros Passos”, em que autores dissertavam sobre temáticas como socialismo, racismo, história, entre outros, em livros curtos e didáticos. O tema “ideologia”, por exemplo, foi escrito pela filósofa Marilena Chauí, aquela que odeia a classe média. Era época em que ninguém se assumia “de direita”, não só na área cultural ou acadêmica, mas também na política. Um cara ser de “direita” era sinônimo de ser visto como um tremendo esquisitão a afugentar as meninas.

Se a gente faz um corte e pula vinte anos na história, ser de esquerda ainda tem lá o seu, digamos, charme – cada vez menor. Mas não mais o monopólio das atrações. A direita se estruturou e se organizou de maneira admirável, de maneira a preencher todos os vácuos de décadas em que permaneceu submersa na opinião pública e, principalmente, publicada, da sociedade brasileira.

Para começar, percebam, nas maiores livrarias do Brasil, que não é tão fácil encontrar algum exemplar dos “Primeiros Passos”. Mas é possível comprar exemplares da coleção “O Mínimo sobre”, também de bolso, com temas como racismo, conservadorismo, doutrinação, arte, “Olavo de Carvalho” e Ideologia de gênero, entre outros, no catálogo.

Sim, é como se a “Primeiros Passos” tivesse se virado à direita. Vejam um trecho do livro sobre feminismo da coleção, escrito pela historiadora e agora deputada estadual pelo PL-SC, Ana Campagnolo. “Diferentemente do que fazem crer as feministas, as mulheres foram inseridas no mercado de trabalho por uma transformação social sem premeditação e não por uma luta organizada de um movimento das mulheres”, afirma a obra, na totalidade dedicada a confrontar o que se chama de feminismo.

Mas a coleção “O mínimo sobre” é apenas uma margem de um movimento muito maior de domínio. Por exemplo: se aparece alguma notícia desfavorável à direita ou aos seus líderes em algum órgão, há uma miríade de influencers, youtubers, twitteiros a busca desmentir, a tentar passar uma versão mais favorável. Logo, esses contra-ataques, imediatos, circularão nos grupos de WhatsApp da escola, das famílias, do trabalho. Muitas vezes com moralismo, indignação, deboche ou humor. As redes sociais são a ferramenta de combate e há a indicação clara do que é preciso seguir para se informar. É algo que não se vê paralelo na esquerda neste momento.

A produtora Brasil Paralelo também faz parte desse mecanismo de doutrinação, com produções próprias, indicações de filmes, na busca de direcionar como se deve pensar sobre cada assunto. Os valores em geral são claros em todo esse ecossistema: família, pátria, religião, hierarquia, obediência, mérito individual por qualquer conquista econômica obtida, loas à livre iniciativa, trabalho, e, transversalmente, o anti-esquerdismo. Ultimamente, com a ascensão de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos, até mesmo o liberalismo mundial tornou-se um inimigo a combater (nesse caso especial, por razões diferentes, estão juntos com a esquerda numa comprovação prática da chamada da teoria da ferradura, na qual os polos opostos tendem a convergir seus pensamentos).

Padres, pastores, também possuem seu papel nessa reorganização da direita. O Frei Gilson, que atrai milhões de pessoas nas suas missas pela madrugada com uma mensagem conservadora (ou quiçá reacionária) de submissão da mulher ao homem, é apenas mais um personagem desse sistema que tem sabido falar rápida e diretamente com uma parcela gigantesca da população. Quando publicações e influencers da esquerda criticaram sua postura e seus pensamentos, na semana passada, foi imediatamente defendido por milhares. Até mesmo o papa Francisco, com seus valores “progressistas”, foi substituído por outros religiosos com concepções diferentes de mundo.

Esse movimento vai muito além da liderança de gente como Jair Bolsonaro (seu papel político foi tirar muita gente do armário reacionário). Tem estrelas como o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), Pablo Marçal ou o cantor Gusttavo Lima. Mas é algo que tem a ver mais com a exacerbação de valores de uma população que é majoritariamente a favor a redução maioridade penal; contra a legalização do aborto (mas não favoráveis à prisão da mulher); contra a descriminalização das drogas; querem punição rigorosa para qualquer tipo de delito, a partir do roubo de celular, que penaliza bastante as pessoas mais pobres, não só a classe-média alta do bairro Pinheiros, de São Paulo; que não sabe muito bem o que é, mas rejeita a tal “ideologia de gênero” e por aí vai.

A paralisia da esquerda nessa guerra cultural é notável atualmente. O confronto político tornou-se desigual. Talvez, de fato, a inflexão da luta de classes para as chamadas pautas identitárias não tenha conquistado mentes e corações. Quando um trabalhador pardo da periferia é tido como opressor apenas por ser homem, é razoável que ele procure votar numa força política que se oponha a isso, não é mesmo? Enquanto a esquerda colocava todo mundo contra todo mundo, a direita, de maneira pulverizada, desordenada, mas com mensagem coesa, se preparou com afinco para colocar todo mundo contra a esquerda. O ano de 2026, nas eleições presidenciais, será o tira-teima desta disputa, que é mundial, em palco brasileiro.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

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