segunda-feira, 10 de março de 2025

Princípio de Ano, Fim de uma Época

Artigo compartilhado do sitedo GABEIRA, de 10 de março de 2025 

Princípio de Ano, Fim de uma Época

Por Fernando Gabeira (in blog)

Depois do carnaval, começa o ano no Brasil. Espero que seja próspero e feliz, mas duvido. Passamos por um momento difícil. Algo parecido com o que li neste início de romance: “Naquela época o céu era tão baixo que nenhum homem ousava se erguer em toda a sua estatura. No entanto havia vida, havia desejos e festas. E, ainda que nunca se esperasse o melhor neste mundo, esperava-se a cada dia escapar do pior”.*

Os Estados Unidos se retiraram não apenas do Acordo de Paris, mas também deixaram de apoiar a Ucrânia. Isso significa que a Europa tem dois caminhos: assumir o esforço de guerra sozinha ou receber milhões de refugiados da ocupação russa. Talvez os dois, na pior das hipóteses.

De qualquer forma, faltará recurso para combater o aquecimento global e ajudar os povos em desenvolvimento. Como Trump praticamente fechou a Usaid, o combate à fome e à doença pode minguar no mundo. Em síntese: o planeta ficará mais quente e desigual. Uso esses dois adjetivos, mas reconheço que dão apenas uma pálida impressão do sofrimento real que podem conter: desterro em massa, desastres ambientais, epidemias. A frase que o futuro primeiro-ministro alemão, Friedrich Merz, usou para a Europa poderia ser estendida também a outras partes do mundo: faltam cinco minutos para a meia-noite.

Aqui no Brasil há uma polêmica sobre as relações da oposição com o governo Trump, principalmente as denúncias contra Alexandre de Moraes. De modo geral, quando se sentem estranguladas, as oposições sempre pedem socorro fora. São quase sempre também acusadas de trair a pátria, mas a verdade é que no aperto todos usam essa tática.

O problema do enlace entre parte da oposição e o governo Trump é a própria natureza do autocrata laranja. Se ele conseguir, por meio de seu poder associado às big techs, tirar a direita do sufoco e levá-la de novo ao poder, o preço será alto. A primeira coisa que Trump dirá é o seguinte: o que podemos ganhar com isso? Na Ucrânia, foram as riquezas minerais, em Gaza a transformação dos escombros num resort de luxo, naturalmente expulsando 2 milhões de pessoas que não cabem nesse delírio. O que seria no Brasil?

Ele gosta de petróleo e certamente se interessaria pelo pré-sal, pela exploração na Margem Equatorial. Gosta também de expulsar gente para construir resorts de luxo. Fernando de Noronha é um espaço ideal para esse sonho. Bolsonaro queria criar uma Cancún em Angra; Flávio, seu filho, queria liberar a entrada de transatlânticos em Noronha. Tudo isso é um excelente aperitivo para Trump.

Existem alguns caminhos para evitar essa atividade externa em torno das questões políticas brasileiras. Infelizmente, o que defendo é o menos popular e me vale às vezes alguns insultos e acusações de cumplicidade com a direita. O ideal, no meu entender, seria uma completa transparência sobre os atos de Alexandre de Moraes, para que possamos avaliar internamente. Também seria ideal o conhecimento maior dos detalhes de todos os casos julgados do 8 de Janeiro para avaliar a dosimetria das penas. Da mesma forma, poderíamos esclarecer enigmas, como a denúncia de que se falsificou a entrada de Filipe Martins, ou mesmo a suposição de que contas bancárias de opositores com câncer têm sido bloqueadas.

Antes de me jogarem na lata de lixo da História e de me classificarem como incurável reacionário, quero apenas reafirmar que essa é a melhor forma de combate. A maneira como os vencedores estão conduzindo o processo, no meu entender, fortalece estrategicamente a oposição. Na verdade, travamos um diálogo de surdos com acusações recíprocas de favorecer a vitória da direita. Posso estar errado, mas, pelo que vi e aprendi, há uma arrogância e autossuficiência no ar, e isso é sempre péssimo sinal.

texto e imagem reproduzidos do site: gabeira com br

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