sexta-feira, 4 de abril de 2025

Por baixo da arrogância de Trump, há só medo mal disfarçado

Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, 31 de março de 2025

Por baixo da arrogância de Trump, há só medo mal disfarçado.

Se o Império Romano desapareceu, o mesmo destino espera o império americano. João Pereira Coutinho para a FSP:

Um espectro ronda os Estados Unidos —o espectro do Império Romano. Não há filme, livro ou série de TV que não revisite Roma, sua ascensão e queda, como lição de aviso.

Os impérios são mortais, dizem Francis Ford Coppola (em "Megalópolis") e Ridley Scott (em "Gladiador 2"), para citar dois exemplos recentes. Se Roma desapareceu, o mesmo destino espera o império americano. E como desapareceu Roma?

O historiador Edward Gibbon (1737–1794) legou à posterioridade a interpretação mais influente —e mais bem escrita.

Internamente, o império foi afundando em decadência moral (o cristianismo enfraqueceu as virtudes bélicas e pagãs) e em crise econômica (campos abandonados, luxo excessivo das elites, miséria entre a plebe).

Externamente, os povos bárbaros invadiram e deram a estocada final.

Não admira que, nesses termos apocalíticos, a segunda Presidência de Donald Trump queira fazer o inverso dessas dinâmicas mortais. Fronteiras sólidas. Expulsão de estrangeiros. Autarquia econômica. Isolacionismo internacional. Só assim é possível ser grande outra vez.

Acontece que Gibbon, apesar dos seus méritos literários, estava errado, defendem Peter Heather e John Rapley em ensaio que lida com as ansiedades romanas do presente. O título é "Por que os Impérios Caem: Roma, América e o Futuro do Ocidente".

O argumento dos autores parece paradoxal, mas a história de impérios posteriores tende a confirmá-lo: os impérios declinam porque têm sucesso. Ou, melhor dizendo, o centro declina porque as periferias emergem.

Assim foi com Roma. As legiões romanas foram conquistando territórios, negociando com eles, impondo seus códigos e hábitos. Até o momento em que esses territórios enriqueceram, geraram suas elites locais e criaram alianças militares (os "bárbaros" fizeram parte dessas confederações tribais), acabando por desafiar o centro.

Além disso, o poder da península itálica foi contestado não apenas pelas extremidades emergentes mas por outras potências imperiais. Os persas, nas suas várias encarnações, contribuíram com esse processo.

A ascensão do império americano não foge a esse figurino, que também definiu a ascensão e queda de portugueses, espanhóis, holandeses ou ingleses nos seus tempos áureos, defendem os autores.

No pós-Segunda Guerra Mundial, com a Europa destroçada e o resto do mundo remetido para as margens, os Estados Unidos se impuseram como mestre de cerimônia do Ocidente.

Não foi apenas a cultura americana que se tornou hegemônica (através do cinema, da música, do estilo de vida, dos padrões de consumo etc.).

O modelo demoliberal, o capitalismo e as instituições criadas para servir a esses valores —o FMI, o Banco Mundial, a Otan etc.— tiveram na segunda metade do século 20 o mesmo papel que Roma desempenhou no seu auge, quando impunha sua lei, sua língua ou sua religião cristã (depois da conversão de Constantino).

A desagregação da União Soviética só acelerou esse processo: a "Pax Americana", tal como a "Pax Romana", cobria agora territórios que tinham estado interditados às influências de Washington.

Como acontecera com Roma, a globalização enriquecia o centro, ou parte desse centro, mas também beneficiava as periferias, suas elites, suas classes médias, suas economias emergentes. Na Ásia, na África, na América Latina.

Sem falar do ano matricial de 2001. Quando lemos essa data, pensamos nos ataques terroristas do 11 de Setembro e até acreditamos que o mundo mudou naquela manhã.

Por mais importante que seja o acontecimento, o mundo talvez tenha mudado três meses depois. A 11 de dezembro. Quando a China entrou finalmente na Organização Mundial do Comércio (OMC).

O acesso preferencial do país aos mercados internacionais deslocava o eixo do poder global para fora do Ocidente. A Pérsia do século 21 falava mandarim.

A Nova Roma tremeu —e treme ainda. Por baixo da arrogância de Trump há apenas medo mal disfarçado. Washington sente que as rédeas do mundo já não estão apenas nas suas mãos.

Se a história do Império Romano nos séculos 4° e 5° d.C. ensina alguma coisa, escrevem Rapley e Heather, é que não é possível reverter o processo que o próprio império estimulou. Não é possível ser grande outra vez, se entendermos por "grande" a posição única e inconteste que os Estados Unidos tiveram nos últimos 80 anos.

Quando muito, é aconselhável aceitar a perda de poder relativo e tentar entendimentos mais abrangentes e mais justos: com os aliados, sim, mas também com os novos poderes emergentes que partilhem um núcleo de valores comuns.

No fundo, é o contrário da atitude sobranceira e hostil atualmente em cena que, ironicamente, só enfraquece ainda mais o velho império assustado.

Texto e imageem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

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