Artigo compartilhado do site do GABEIRA, de 05 de agosto de 2025
O Pesadelo Trump
Por Fernando Gabeira (In Blog)
Estive em Paraty para falar de um belo livro de fotos de João Farkas: “Costa norte”. Escrevi um texto de apresentação e, no debate sobre manguezais, dunas e petróleo na Foz do Amazonas, um homem perguntou:
— E o fator Trump, que dizer sobre ele?
Fugia um pouco do tema, mas respondi com sinceridade que Trump me tirava algumas horas de sono. Sou jornalista, ele é o homem mais poderoso do mundo. Terei de falar sobre ele nos próximos anos, é um inescapável pesadelo.
Seu narcisismo e estreiteza de ideias colocam um perigo ao analista: cair na zona de conforto da crítica fácil e deixar de evoluir como faria se estivesse diante de alguém com ambiguidades e zonas de sombra típicas da riqueza humana.
Não posso desistir. Preciso trabalhar e, além do mais, Trump influencia a sorte do Brasil. É um momento de todos ajudarem, dentro de seus limites. O que posso fazer é estudar mais.
Estou iniciando o clássico “Fantasias masculinas”, de Klaus Theweleit, uma análise profunda e inquietante de um grupo de soldados que tiveram papel crucial na ascensão do nazismo. Os soldados eram integrantes dos Freikorps, unidades paramilitares que lutaram e triunfaram sobre o movimento revolucionário alemão, imediatamente depois da Primeira Guerra.
Talvez possa avançar em minhas análises. Mas o fator Trump implica mais que um esforço individual de interpretação. É um desafio que pede uma estratégia nacional. Quando houve o tarifaço, sugeri que concentrássemos a energia tentando mobilizar as forças internas nos Estados Unidos, onde a medida repercutiu mal. Intelectuais, políticos e jornalistas criticaram Trump, sem falar nos grupos econômicos descontentes, que serão úteis nas eleições que se aproximam.
Passado o primeiro momento, é necessário continuar negociando. Mas sugiro que o Brasil inicie uma longa mudança. Primeiro ponto tático: é preciso recuperar ao máximo os contatos com os Estados Unidos. A Frente Parlamentar Brasil-Estados Unidos ainda não fez uma única reunião neste ano. Nossa inteligência, se podemos chamá-la assim, não acompanhou os passos dos lobistas que influenciaram a Casa Branca e contavam diariamente seus feitos.
De modo geral, nos comportamos como se o fator Trump nunca fosse chegar a nossa praia. As divergências não podem evitar o diálogo. Precisamos ampliar nosso conhecimento sobre o que se passa nos Estados Unidos, identificar interlocutores e compartilhar com os americanos este momento difícil, que parece desembocar num governo autoritário.
Em termos estratégicos, há um consenso de que devemos ampliar os negócios com o mundo, abrir mercados na Europa. Lula trabalha para fechar o acordo Mercosul-União Europeia ainda neste ano. Mas há também Canadá, México e todos os países que, de certa forma, foram atingidos pelas tarifas de Trump, inclusive na Ásia.
Existe outro nível de abertura, talvez difícil de trafegar numa maré nacionalista. É a abertura da própria economia brasileira, simplificando a estrutura tarifária, removendo barreiras não tarifárias, avançando no que o Banco Mundial chama de caminhos da prosperidade. Claro que uma abertura assim implica riscos internos que precisam ser minimizados. Podemos sair mais fortes de tudo isso. Por que não tentar?
Texto e imagem reproduzidos do site: gabeira com br
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