domingo, 15 de junho de 2025

Jozailto Lima ENTREVISTA Airton Martins, Pref. Barra dos Coqueiros

Legenda da foto: Airton Martins diplomado pela 4ª vez prefeito da Barra dos Coqueiros

Entrevista compartilhado do site JLPOLÍTICA, de 14 de junho de 2025

Airton Martins: "Volto com muita preocupação com a mobilidade urbana"

“Se eu fosse ruim, não teria sido eleito e reeleito tantas vezes”

Jozailto Lima, entrevista Airton Martins

Com quatro mandatos de prefeito (2005-2008, 2013-2016, 2017-2020, 2025-2028) e três como vereador, aos 63 anos Airton Martins, PSD, é um dos sujeitos mais longevos e influentes da política da Barra dos Coqueiros. Com sua experiência acumulada ao longo de décadas na vida pública, ele volta à Prefeitura pela quarta vez, assumindo as rédeas de um município em acelerado crescimento demográfico e urbanístico, onde a preocupação com a mobilidade urbana desponta como prioridade máxima.

“Volto com muita preocupação com a mobilidade urbana, que é importante, porque não adianta você ter um bom imóvel na Barra, mas não conseguir sair da cidade e não conseguir se locomover. Então, minha principal preocupação é com a mobilidade urbana”, declara o gestor.

Para enfrentar esse gargalo, Airton Martins apresenta propostas concretas. “Vamos agir sobre rodovias, melhorias nas ruas, avenidas e abertura de novos acessos para a Barra dos Coqueiros. Vou abrir duas rodovias agora: uma que segue do Centro até o fundo do Alphaville e outra na Avenida Mangabeira, saindo do Colorado e pegando a SE-100”, informa.

A construção de um viaduto na rotatória e a duplicação da rodovia que liga o centro da Barra a Atalaia Nova e à própria SE-100 integram o  pacote de intervenções que, segundo o prefeito, são essenciais para que a Barra dos Coqueiros continue crescendo de forma ordenada.

“Tudo isso representa crescimento, melhoria para quem vive e para quem quer chegar lá. Vai facilitar para elas se locomoverem. Porque, se a gente não fizer essas intervenções, a Barra vai ficar inviável. Você até pode ter uma casa lá, mas não vai querer ir, por dificuldade de mobilidade”, pontua Airton Martins.

O prefeito projeta que a população da Barra poderá chegar a 80 mil habitantes até 2030. Para ele, esse salto populacional é fruto de um planejamento urbano responsável, iniciado ainda em 2007, durante uma gestão sua. “Organizamos a cidade: definimos as áreas que podem receber investimento, as áreas sociais, os critérios para construções. Fizemos isso para que não aconteça, por exemplo, um condomínio de luxo ser construído ao lado de uma favela”, explica, referindo-se ao plano diretor que também contempla diretrizes ambientais.

Além do crescimento urbano, a sustentabilidade é outra pauta constante da gestão de Airton Martins. Ele fala com entusiasmo sobre a preservação de recursos naturais e aposta na retomada do turismo hídrico, com a reabertura do canal do Rio Pomonga. “Já temos uma licença ambiental para reabrir esse canal e retomar a navegação que a gente tinha. Eu sempre fui para Pirambu de lancha, de barco. É uma região muito boa de ver”, afirma.

Quando o assunto é a política em si, Airton Martins mostra que continua sendo um habilidoso articulador. Ao vencer a eleição em outubro de 2024 – derrotando Alberto Macedo, MDB, seu antecessor na gestão da Prefeitura e ex-aliado –, ele contava com o apoio de apenas sete dos 13 vereadores eleitos para a Câmara Municipal. Mas, com sua reconhecida capacidade de articulação e liderança, foi ampliando sua base de forma progressiva. Hoje, apenas dois parlamentares não integram seu grupo, o que demonstra sua força política e o poder de agregação.

Airton Martins não economiza críticas ao ex-prefeito Alberto Macedo e não vê mais futuro político nele. Sem meias palavras, ele o acusa de ingratidão, má gestão, com obras mal executadas, e descompromisso com a cidade. “Estamos agora refazendo o projeto, porque ele foi feito tudo errado, às pressas, por causa de política. Foi tudo construído errado”, diz, se referindo à orla do Rio Sergipe. Ele também denuncia um rombo de R$ 15 milhões deixado pelo ex-gestor. “Esse dinheiro era para uso próprio, mas ele deixou a dívida e não deixou o dinheiro em caixa”, relata.

Airton Martins defende que sua gestão trouxe de volta a ordem nas finanças. “Na gestão passada, chegava qualquer um e mandava em tudo, um secretário isoladamente mandava em tudo. Era bagunçado lá. Agora, não. Agora, tem comando”, argumenta. Como medidas para equilibrar as contas, o prefeito menciona a implementação de um Programa de Recuperação Fiscal – Refis – e a redução do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbano – IPTU – em 10%.

Filho de Esther Sampaio Martins e Adailton Martins de Oliveira, Airton Sampaio Martins nasceu no dia 25 de agosto de 1961, na cidade da Barra dos Coqueiros. É casado com Maria Eliana Silva Martins, professora, funcionária pública municipal e atual secretária municipal da Assistência Social da Barra. Ele é pai de Airton Sampaio Martins Júnior, 33 anos, e avô de Airton Sampaio Martins Neto, 15 anos.

Teólogo formado pela Universidade Federal da Bahia – UFBA –, contador de nível médio e especialista em Gestão Pública, Airton Martins é funcionário de carreira do Tribunal de Justiça de Sergipe – TJSE –, na função de técnico judiciário. Já trabalhou como bibliotecário na Câmara Municipal da Barra dos Coqueiros e como assessor parlamentar. Além dos quatro mandatos de prefeito, foi eleito vereador três vezes e presidiu a Câmara Municipal por dois mandatos.

Airton, em janeiro, tomando posse como prefeito ao lado do seu vice, Fernando Freitas

Na área social, sob a batuta da primeira-dama, Airton Martins ressalta a importância do programa ‘Comida na Mesa’, criado por ele em outro mandato. Ofertado no valor de R$ 250 na antiga gestão, agora – cumprindo promessa de sua campanha eleitoral – o auxílio chega a R$ 600 e atende a duas mil famílias, com previsão de ampliação para 2.500. O trabalho de Eliana Martins é motivo de orgulho para o prefeito. “É um trabalho muito bom. Ela trata o povo com respeito e carinho. Se preocupa com os mais humildes e não é acomodada”, elogia.

Para conhecer em detalhes os planos, os desafios e as visões do prefeito da Barra dos Coqueiros, um dos municípios que mais cresce populacionalmente e socialmente em Sergipe...

Texto e imagem reproduzidos do site: jlpolitica com br

> Clique no Link abaixo, para conferir entrevista do JLPolítica & Negócio com Airton Martins:

https://jlpolitica.com.br/entrevista/airton-martins-volto-com-muita-preocupacao-com-a-mobilidade-urbana

sexta-feira, 13 de junho de 2025

Reinaldo e Walfrido ENTREVISTAM Juca Kfouri

Previsões econômicas de Marx: mais de 150 anos de fracasso.

Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 12 de junho de 2025

Previsões econômicas de Marx: mais de 150 anos de fracasso.

As previsões econômicas de Marx não estavam apenas erradas, eram profundamente falhas em sua base. O capitalismo, apesar de suas imperfeições, superou a visão marxista ao proporcionar prosperidade em uma escala jamais vista. Riochard W. Fulmer para o Instituto Mises:

A partir da base falha da teoria do valor-trabalho, Karl Marx fez uma série de previsões sobre o capitalismo que o tempo demonstrou serem incorretas. Entre elas estão o empobrecimento das massas devido à acumulação de capital, a superprodução crônica, o imperialismo impulsionado pelo capitalismo e o inevitável surgimento de monopólios.

Empobrecimento

Mesmo durante a vida de Marx, o capitalismo melhorava as condições materiais dos trabalhadores e elevava os padrões de vida. A Revolução Industrial, juntamente com os avanços em tecnologia e produtividade, permitiu que trabalhadores com baixa qualificação alcançassem um padrão de vida que, em outras épocas, seria inimaginável até mesmo para os mais ricos.

Na verdade, o capitalismo concretizou muitas das promessas que antes eram feitas pelo socialismo. Marx imaginava um futuro em que a classe trabalhadora alcançaria prosperidade, tempo livre e desenvolvimento cultural, objetivos que, em grande parte, foram realizados sob sistemas capitalistas. Hoje, os trabalhadores desfrutam de salários reais mais altos, jornadas de trabalho mais curtas, melhores condições no ambiente laboral e maior acesso à saúde e à educação do que em qualquer outro momento da história. Inovações que antes eram consideradas luxos, como encanamento interno, refrigeração e comunicação global instantânea, agora são padrão para grande parte da população mundial.

Equipamentos de capital

Marx acreditava que as novas tecnologias:

- Eliminariam empregos e forçariam os trabalhadores a ocupações com salários mais baixos. Ele teorizava que a automação criaria um “exército industrial de reserva” permanente de trabalhadores desempregados, pressionando os salários para baixo.

- Reduziriam os trabalhadores a meros operadores de máquinas. Ele argumentava que a especialização e a mecanização retirariam dos trabalhadores suas habilidades e seu poder de barganha.

- Extraíram mais trabalho em menos tempo. Ele temia que os capitalistas usassem a tecnologia para aumentar os lucros, estendendo os turnos, reduzindo os intervalos e acelerando o ritmo da produção.

No entanto, o que aconteceu foi o oposto: a tecnologia aumentou a produtividade dos trabalhadores, tornando-os mais valiosos para os empregadores, que, por sua vez, passaram a oferecer salários mais altos para atraí-los e mantê-los. Embora alguns empregos tenham sido eliminados, surgiram novas indústrias e ocupações, muitas vezes exigindo níveis mais elevados de qualificação. Hoje, os operários de fábricas realizam menos tarefas repetitivas e mais funções complexas, como programação de máquinas CNC (controle numérico computadorizado), manutenção e supervisão de sistemas automatizados.

Em vez de jornadas de trabalho mais longas, o tempo médio dedicado ao trabalho diminuiu de forma significativa. Na época de Marx, era comum que operários de fábricas trabalhassem de 60 a 80 horas por semana. Hoje, na maioria dos países industrializados, a carga horária semanal varia entre 35 e 40 horas, e benefícios como folgas remuneradas, licenças médicas e planos de aposentadoria são amplamente difundidos. Além disso, a automação eliminou em grande parte as tarefas mais perigosas e fisicamente exaustivas.

Marx via o progresso econômico como um jogo de soma zero, no qual os ganhos dos capitalistas necessariamente representavam perdas para os trabalhadores. No entanto, os avanços tecnológicos ampliaram a produção econômica, criaram novas indústrias, elevaram os salários e melhoraram as condições de trabalho.

Superprodução

Marx afirmava que os empregadores capitalistas suprimiriam os salários até o ponto em que os trabalhadores não teriam condições de comprar os bens que produziam, o que levaria a estoques encalhados e ao colapso econômico. No entanto, em nenhum sistema econômico se espera que os trabalhadores comprem tudo o que produzem.

Considere, por exemplo, um sapateiro na Europa medieval que fabricava 30 pares de sapatos por mês. Ele obviamente não poderia comprar todos — precisava vendê-los para adquirir alimentos, roupas e materiais para fazer mais sapatos. Ainda assim, o mercado de calçados não entrou em colapso porque a demanda não se limitava aos sapateiros — outras pessoas também precisavam de sapatos.

Da mesma forma, nas economias modernas, as empresas não dependem exclusivamente de seus próprios empregados como consumidores; elas vendem para um mercado amplo, que inclui consumidores tanto domésticos quanto internacionais. O capitalismo tem conseguido superar, de forma consistente, os desequilíbrios entre oferta e demanda por meio de mecanismos de preços, expansão de mercados e inovação.

Imperialismo

Marx acreditava que os capitalistas lucravam ao extrair a chamada “mais-valia” dos trabalhadores, pagando-lhes menos do que o valor que produziam. Ele argumentava que, à medida que a automação e a concorrência reduzissem as margens de lucro, os capitalistas passariam a explorar os trabalhadores cortando salários ou aumentando a carga horária, e buscariam novas fontes de mão de obra barata, recorrendo, por fim, à conquista de territórios para manter os lucros.

Essa previsão falhou em vários aspectos. Primeiro, a capacidade dos trabalhadores de mudar de emprego, negociar salários mais altos ou abrir seus próprios negócios impede que os empregadores reduzam os salários ao nível de mera subsistência, algo que não se pode dizer das sociedades marxistas-leninistas, nas quais o estado é o único empregador.

Segundo, o comércio, e não a conquista, demonstrou ser o caminho mais eficaz para a expansão econômica. Como observou Adam Smith em A Riqueza das Nações, a guerra e a colonização são mais caras, menos produtivas e menos lucrativas do que a troca voluntária. A razão pela qual guerras e imperialismo são, às vezes, associados ao capitalismo é que o estado, aliado a capitalistas favorecidos, se aproveita da riqueza gerada pelo capitalismo para expandir seu próprio poder.

Por fim, o capitalismo incentiva a inovação, criando novos mercados e setores. O crescimento econômico não veio da expansão territorial, mas do desenvolvimento de novos produtos, serviços e modelos de negócios que aumentam a riqueza em toda a sociedade.

Monopólio

Marx previu que a concorrência acabaria inevitavelmente levando pequenas empresas à falência, restando apenas um punhado de monopólios com poder suficiente para suprimir salários, controlar preços e sufocar a inovação.

Embora monopólios realmente surjam, eles tendem a ser de curta duração em mercados competitivos. Sempre que um empreendedor lança um novo produto ou serviço, ele pode desfrutar temporariamente de uma posição dominante no mercado, mas logo surgem concorrentes, desde que o governo não impeça a entrada de novos participantes. Na verdade, essa situação nem sequer caracteriza tecnicamente um monopólio, já que monopólios, por definição, envolvem privilégios legais concedidos pelo estado a empresas com conexões políticas.

Além disso, à medida que as empresas crescem demais, frequentemente enfrentam deseconomias de escala, ineficiências que aumentam os custos e reduzem a agilidade. Burocracia, lentidão nas decisões e complexidade organizacional frequentemente enfraquecem grandes corporações, abrindo espaço para concorrentes menores e mais inovadores.

No fim das contas, é a intervenção governamental, e não o livre mercado, que tem sido o principal fator de sustentação de monopólios duradouros. Regulamentações, subsídios e exigências de licenciamento frequentemente atuam como barreiras que protegem empresas já estabelecidas contra a concorrência.

Conclusão

As previsões de Karl Marx sobre o capitalismo fracassaram de forma consistente. Em vez de empobrecimento, o capitalismo elevou os padrões de vida. Em vez da destruição de empregos, a tecnologia criou novas indústrias e oportunidades. Em vez do colapso econômico causado pela superprodução, o comércio global prosperou. Em vez da conquista, o capitalismo promoveu a expansão econômica por meio da troca voluntária. E em vez da estagnação monopolista, a concorrência e a inovação continuam impulsionando o progresso econômico, apesar da intervenção dos estados.

As previsões econômicas de Marx não estavam apenas erradas, eram profundamente falhas em sua base. O capitalismo, apesar de suas imperfeições, superou a visão marxista ao proporcionar prosperidade em uma escala jamais vista.

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Este artigo foi publicado originalmente no Mises Institute.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

terça-feira, 3 de junho de 2025

'Brasil e EUA, a primeira crise', por Fernando Gabeira

Artigo compartilhado do site do GABEIRA, de 2 de junho de 2025

Brasil e EUA, a primeira crise 
Por Fernando Gabeira (In Blog)

Os Estados Unidos anunciaram sua política de restrição de vistos para autoridades estrangeiras que reprimem a livre expressão de americanos, quando estão fisicamente dentro do país. Isso aconteceu quando eu havia terminado um artigo, afirmando que era preciso tirar Eduardo Bolsonaro do caminho para entender o que se passa.

Não queria me indispor com os dois polos, apenas alargar um pouco o espectro da discussão. Creio que, ao processar Eduardo Bolsonaro, o Supremo deu a ele mais importância do que tem, atribuindo-lhe o poder de coagir os ministros. Esse movimento acaba encobrindo alguns fatos importantes. O primeiro é que o Departamento de Estado tem um setor que estuda e discute a América Latina, apesar da estreiteza de Donald Trump.

É ilusório supor que Eduardo Bolsonaro possa manipular a opinião do governo americano. A nota mostra um alcance mais amplo, que escapou apenas aos que continuam vendo o mundo dividido entre bolsonaristas e petistas. Ela não se limita a falar da restrição a autoridades que reprimem o direito de expressão. Isso é apenas o lado mais brando. A nota condena os países que tentam obrigar as big techs americanas a mediar as intervenções nas redes.

Em outras palavras, os países não lhes podem impor suas leis nacionais, dentro de seu território. Isso envolve um choque não só com o Brasil, mas também com Europa e Austrália. É possível até que os Estados Unidos não divulguem a lista dos que não podem entrar no país. Ela fica como uma espada, suspensa na cabeça dos alvos. Não poder entrar nos Estados Unidos não é o fim do mundo. Muita gente passou por esse transtorno — Charles Chaplin, por exemplo.

Existem dentro do governo americano, ou mesmo próximo a ele, poderosos indispostos com Alexandre de Moraes. Um deles, Elon Musk — eu me arrisco a dizer —, é muito mais influente que Eduardo Bolsonaro. Há alguns meses, a plataforma Rumble, associada à empresa de mídia de Trump, entrou na Justiça americana contra Moraes.

Todo o quadro ficará mais claro se realmente, como quer o STF, os diplomatas forem chamados para dar informações. Eles sabem que as sanções a Moraes são defendidas por vários brasileiros que atuam nos Estados Unidos, antes mesmo de Eduardo Bolsonaro. Além disso, a argumentação americana é que agem em defesa de sua soberania, pois Moraes impõe restrições a cidadãos americanos ou detentores do Green Card, portanto com direito constitucional à livre expressão.

Como assim, os dois lados — Brasil e Estados Unidos — sentem sua soberania ameaçada um pelo outro? Abre-se um espaço para explicações mútuas, que podem resultar em algo menos dramático do que a aplicação de uma lei como a Magnitsky, que implica proibição não só de entrar nos Estados Unidos, como muitas sanções financeiras.

É muito difícil a relação com um governo instável como o de Trump, mas esse desafio acabou amadurecendo as reações de países como o México e o Canadá. Ambos souberam encontrar um espaço de resistência digna. O Brasil enfrenta uma situação específica, talvez mais delicada ainda que o debate sobre tarifas comerciais, embora esse tema também esteja na agenda.

Previ a colisão com as big techs há algum tempo. Minha tese é que, se for necessário um confronto, é preciso se preparar para ele, analisando nossas vulnerabilidades e necessidades em termos objetivos (infraestrutura) e subjetivos (formação de gente), para que o Brasil possa funcionar sem elas, em caso de boicote.

Em outras palavras, o momento pode ser muito fértil para saídas demagógicas, mas implica uma complexa reflexão do tipo que a empobrecida e radicalizada atmosfera política no Brasil não deixa acontecer. Resta um bom tema para a psicologia: os Estados Unidos lançam a bandeira de liberdade de expressão no mundo, precisamente no momento em que mais a reprimem em estudantes, professores e cientistas.

Texto e imagem reproduzidos do site: gabeira com br

A frágil base do marxismo: a teoria do valor-trabalho.

Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI 3 de junho de 2025

A frágil base do marxismo: a teoria do valor-trabalho.

Se o valor de troca ou o valor de uso (quanto mais ambos) não pode ser determinado, então não há como saber se o valor de uso de um produto excede o valor do trabalho necessário para produzi-lo. Sem esse conhecimento, não há como saber se a produção está criando ou destruindo valor. Richard W. Fulmer para o INstituto Mises:

Pode-se argumentar que a natureza e o trabalho são as fontes últimas de todo valor, um argumento que Karl Marx apresentou em sua Crítica ao Programa de Gotha. Uma maçã tem valor porque é nutritiva (natureza) e porque foi colhida e transportada (trabalho). No entanto, Marx levou essa ideia a conclusões questionáveis.

Primeiramente, ele definiu o trabalho de forma excessivamente restrita, incluindo apenas aqueles diretamente envolvidos na produção de um bem, e excluindo os capitalistas que planejam, financiam e coordenam essa produção. Por um lado, Marx acreditava que os capitalistas cumpriam uma função histórica necessária ao resolverem o problema da produção — acumulando capital, promovendo avanços tecnológicos e criando o mundo pós-escassez necessário para o socialismo. Por outro lado, ele rotineiramente caracterizava os capitalistas como “parasitas” e “sanguessugas”. Afinal, qual das versões é válida? Se “trabalho” inclui planejamento, organização financeira e coordenação, então os capitalistas se qualificam como trabalhadores, e a distinção de Marx perde o sentido. Se o trabalho exclui essas atividades, então algo além do trabalho é essencial para a produção.

Em segundo lugar, Marx argumentou que o trabalho não era apenas a fonte do valor, mas também sua medida adequada. Para medir o trabalho, e, portanto, o valor, ele adotou e desenvolveu os conceitos da economia clássica de “valor de troca” e “valor de uso”. Ele definiu o primeiro em termos de tempo de trabalho socialmente necessário, que é a quantidade de tempo de trabalho necessária para produzir uma mercadoria em condições normais, considerando o nível médio de tecnologia e eficiência. A expressão “socialmente necessário” carrega um peso significativo. Se um trabalhador é ineficiente e uma mercadoria leva mais tempo para ser produzida do que o esperado, mas ainda assim é vendida pelo mesmo preço que as demais, o trabalho extra é considerado desnecessário, em vez de ser tratado como uma evidência contra a teoria. Se o trabalho é despendido em bens que acabam não sendo vendidos, esse trabalho é, retroativamente, declarado desnecessário. Dessa forma, o conceito protege a teoria do valor-trabalho contra a possibilidade de ser refutada.

Diferentemente do valor de troca, que Marx tratava como objetivo e quantificável, o valor de uso era subjetivo, dependente das necessidades, desejos e circunstâncias individuais. Marx definiu o valor de uso como a utilidade que uma mercadoria proporciona, ou seja, sua capacidade de satisfazer um desejo ou cumprir uma função. No entanto, como a utilidade varia de pessoa para pessoa e não pode ser medida, o valor de uso, ao contrário do valor de troca, não poderia determinar diretamente o preço de um bem no mercado.

Os problemas econômicos da teoria do valor-trabalho

Na realidade, o valor de troca também não pode ser medido. Como Marx explicou em seu discurso Valor, Preço e Lucro em 1865:

“Ao calcular o valor de troca de uma mercadoria, devemos adicionar à quantidade de trabalho anteriormente incorporado na matéria-prima da mercadoria, o trabalho empregado nos utensílios, ferramentas, máquinas e edifícios com os quais tal trabalho é feito”.

Mas determinar o conteúdo de trabalho de um equipamento de produção exige, por sua vez, determinar o conteúdo de trabalho dos materiais e ferramentas usados para fabricá-lo; o conteúdo de trabalho dos materiais e ferramentas necessários para fazer essas ferramentas; e assim sucessivamente — presumivelmente até chegar ao primeiro martelo de pedra. Essa regressão infinita torna o tempo de trabalho socialmente necessário indeterminado.

Se o valor de troca ou o valor de uso (quanto mais ambos) não pode ser determinado, então não há como saber se o valor de uso de um produto excede o valor do trabalho necessário para produzi-lo. Sem esse conhecimento, não há como saber se a produção está criando ou destruindo valor. Como Marx rejeita os preços de mercado como medida de valor, ele não oferece nenhum método alternativo para determinar quanto trabalho deve ser despendido na produção de um determinado bem. Na prática, o sistema de Marx não oferece nenhum mecanismo para cálculo econômico racional, tornando impossível a alocação eficiente de recursos.

A teoria do valor-trabalho leva inevitavelmente a outro problema: se o valor de troca de um objeto é fixo e determinado de forma objetiva, então o comércio se torna irracional. Considere dois bens. Há duas possibilidades:

1. Um contém mais trabalho socialmente necessário do que o outro e, portanto, possui um valor de troca mais alto.

2. Ambos contêm a mesma quantidade de trabalho.

A troca não faz sentido em nenhum desses casos. No primeiro, uma das partes estaria explorando a outra ao trocar um bem de menor valor por outro de valor superior. No segundo caso, ninguém assumiria os custos de transação necessários para realizar uma troca que não traria nenhum ganho, ambas as partes permaneceriam exatamente como estavam. No entanto, sabemos pela experiência que a troca voluntária resulta em benefício mútuo — cada parte envolvida na transação obtém algo que valoriza mais do que aquilo que cede.

Um possível contra-argumento é que a troca pode ser mutuamente benéfica se for baseada no valor de uso. Se eu preciso mais dos seus sapatos do que do meu milho, e você precisa mais do meu milho do que dos seus sapatos, então uma troca pode beneficiar a ambos. Mas essa resposta entrega o jogo, ao admitir que as ideias de valor de troca e do tempo de trabalho socialmente necessário são distrações impraticáveis e irrelevantes, e que o valor subjetivo, e não o trabalho, é a força motriz por trás das trocas.

A teoria do valor-trabalho também leva a outros problemas. Por exemplo:

- Ao contrário dos preços de mercado, a teoria do valor-trabalho não oferece nenhuma forma de medir a demanda. Se o valor é apenas uma função da quantidade de trabalho empregada, então produzir 1.000 unidades em vez de 100 deveria tornar a sociedade dez vezes melhor. Mas isso pode simplesmente deixar a “sociedade” com um problema de armazenamento.

- Se o valor de troca é determinado pela quantidade de trabalho, então as indústrias mais intensivas em trabalho deveriam produzir os bens de maior valor e ser as mais lucrativas, o que, na prática, nem sempre (ou quase nunca) é verdade.

- Marx reconheceu que os avanços tecnológicos tornam objetos previamente produzidos obsoletos, um fenômeno que ele chamou de “depreciação moral”. No entanto, dentro da estrutura da teoria do valor-trabalho, não há uma forma clara de explicar como isso afeta o valor de troca. Se o trabalho determina o valor de troca, então um novo bem, produzido com mais eficiência, deve valer menos do que seu antecessor. Ainda assim, na prática, modelos novos e melhorados geralmente possuem maior valor de uso.

A teoria da exploração de Marx e a queda da taxa de lucro

A teoria do valor-trabalho levou Marx a identificar aquilo que ele acreditava serem as falhas ou “contradições” fundamentais do capitalismo. Segundo Marx, os trabalhadores criam valor por meio do seu trabalho, mas recebem apenas uma fração desse valor como salário. A diferença, que ele chamou de “mais-valia”, é apropriada pelos capitalistas na forma de lucro. No entanto, se o valor não deriva exclusivamente do trabalho, mas é subjetivo, então a alegação marxista de exploração inerente colapsa.

Marx também previu que o capitalismo sofreria com uma queda na taxa de lucro à medida que as máquinas substituíssem cada vez mais o trabalho humano. Como, de acordo com a teoria do valor-trabalho, apenas o trabalho cria novo valor, ele argumentava que as taxas de lucro inevitavelmente cairiam, levando a crises econômicas e, por fim, ao colapso do capitalismo.

No entanto, se o investimento de capital gera valor independentemente do trabalho, por meio da inovação, da eficiência e das economias de escala, então a queda nas taxas de lucro não é inevitável. E as evidências empíricas mostram que as empresas frequentemente aumentam sua produtividade e seus lucros por meio de avanços tecnológicos.

Conclusão

As teorias econômicas de Marx dependem da teoria do valor-trabalho. Seus argumentos sobre exploração, queda da taxa de lucro e luta de classes se baseiam todos na suposição de que o trabalho é a única fonte de valor. É por isso que muitos pensadores marxistas continuam defendendo a teoria do valor-trabalho, apesar de suas falhas inerentes. Sem ela, grande parte da teoria marxista desmorona.

Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

segunda-feira, 2 de junho de 2025

domingo, 25 de maio de 2025

Pobres de direita e ricos de esquerda


Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 24 de maio de 2025

Pobres de direita e ricos de esquerda

O domínio da elite financeira e o pensamento único da direita que o autor denuncia não existem. Adriano Gianturco para a Gazeta do Povo:

Foi recentemente publicado o livro O pobre de direita, no qual o influente sociólogo Jesse Souza tenta entender por que alguns pobres votaram em Bolsonaro. A obra é campeã de vendas.

Para Souza, a atual direita brasileira nasceu nos anos 1970, no mundo corporativo dos EUA, ignorando: 1) raízes mais antigas; 2) o papel de Olavo de Carvalho; 3) que o identitarismo, o wokismo e a Amazon (onde ele vende seu livro) também nasceram nos EUA! Coisa óbvia, visto que quase tudo nasce no centro e depois se espalha. Critica os financiamentos da Fundação Olin e dos irmãos Koch para professores e institutos de direita, mas não cita os financiamentos da Fundação Ford, de Soros, Bill Gates, do Clube de Roma, da USAID e dos que a Escola de Frankfurt e várias ONGs também receberam; e, claro, a direita é sempre chamada de “extrema”, “ultra” e “racista”.

O autor usa (ainda em 2025) a teoria da luta de classes marxista, mas substitui a economia pela ética como motivo do conflito. Ele alega que quem votou maciçamente na direita foram os “perdedores do neoliberalismo” (como se, em sistemas alternativos, houvesse mais ganhadores), os “pobres remediados” e os “negros evangélicos”, entre a “ralé” e a “classe média real”.

O livro enxerga tudo como um grande plano globalista intencional: “a ética social e moral dominante é criada pelos brancos para oprimir os próprios negros” — como se o marxismo não tivesse sido criado também por brancos…!

Também comete a falácia do psicologismo, supondo entender as verdadeiras razões internas das pessoas — por exemplo, aquelas que se manifestavam em favor da Lava Jato e pró-impeachment.

O domínio da elite financeira e o pensamento único da direita que o autor denuncia não existem. É competição de ideias. E é o marxismo a ser mais hegemônico no Brasil, a ponto de a população repetir jargões marxistas sem nem notar — e a ponto de ele mesmo vender sempre muitos livros.

Tão importante quanto o que o livro contém é o que o livro não contém. Não tem estatística; tudo começa e termina nas teorias sociológicas e na percepção do autor. Os dados o ajudariam a ver que o Brasil não se diferencia por ter livre mercado demais, mas pelo exato contrário.

O autor critica como os protestantes americanos converteram os brasileiros, mas não entende que o ser humano é religioso por natureza e que o aumento dos evangélicos responde à necessidade de um mínimo de vida regrada, especialmente nesse contexto de altas taxas de criminalidade, alcoolismo, promiscuidade, falta de visão de longo prazo, consumismo, ostentação e desestruturação familiar. Os pobres estão escolhendo sua religião e não são mais manipulados que os demais.

Uma pesquisa da Fundação Abramo mostrou que os pobres das periferias: 1) votam de forma pragmática e não segundo a dicotomia esquerda/direita típica de nós, ricos; 2) criticam a mistura política/religião — não no sentido de que não deveria haver religião na política (como o autor alude), mas no sentido de que a política não deveria poluir a religião.

O livro tem alguns méritos: entende que a ideia de “cultura da corrupção” como causa da corrupção brasileira e como suposta jabuticaba não se fundamenta; entende que o Brasil é fortemente dividido em classes (ele compara com as castas indianas); entende o que ele chama de “humilhação cotidiana” que muitos pobres e negros sofrem.

O livro é denso de citações, fortemente enviesado, usa uma linguagem muito agressiva (“branquinhos, bem-vestidos e histéricos”) e cria um bode expiatório para a frustração de muitos — por isso acaba convencendo muitos.

A sociedade e a política são sistemas multifatoriais, que não se explicam só pela economia (Marx) ou pela ética (Souza). O mundo não é planejado; é uma “ordem espontânea”, um processo à mão invisível sem controle central, um sistema dinâmico criado pelo homem, mas sem ser desenhado por ninguém (Adam Ferguson), que cria tanto pobres de direita quanto de esquerda, ricos de direita e de esquerda — como o próprio autor.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

Professor Villa ENTREVISTA Michel Temer

sábado, 24 de maio de 2025

Ainda faz sentido falar em esquerda e direita?

Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, 23 de maio de 2025

Ainda faz sentido falar em esquerda e direita?

Espaço para acordos com os partidos da direita tradicional para amplas transformações do sistema é muito reduzido, apesar da aparente maioria de direita. Um ensaio de Patrícia Fernandes para o Observador:

Quando o intelectual italiano Norberto Bobbio publicou o seu popular Direita e Esquerda: razões e significados de uma distinção política clássica, assinalou no prefácio:

“Nunca se escreveu tanto como hoje contra a distinção tradicional entre direita e esquerda, considerada como uma distinção que já teria tido a sua época mas que atualmente não tem qualquer sentido.”

Estávamos em 1994, o que é revelador de como a discussão sobre a pertinência da clássica dicotomia é quase tão antiga como a própria dicotomia – embora possa acontecer por diferentes motivos.

Pode constituir uma fuga ao juízo negativo que decorre de nos identificarmos com a categoria que não é hegemónica, como parece resultar da muito citada frase de Alain (Émile Chartier): “Quando me perguntam se a divisão entre direita e esquerda ainda faz sentido, a primeira ideia que me vem à cabeça é a de que quem faz essa pergunta certamente não é de esquerda.” Neste caso, ser de esquerda seria uma etiqueta política que se usaria com orgulho, pelo que alguém de direita teria vantagem em invocar a irrelevância da dicotomia.

Pode acontecer também porque certas temáticas – e, por extensão, certos partidos – são politicamente transversais, sendo redutor e mesmo impossível categorizá-las como de esquerda ou de direita. É o caso das questões ambientais e animalistas, o que levaria os partidos que têm este foco a fugir à categorização, e é essa a razão invocada, entre nós, pelo PAN para se colocar ao centro no hemisfério parlamentar.

A direita esteve entre nós, e durante muito tempo, perdida em combate: o lugar do PSD no espectro político continua a dar origem a dissertações de mestrado

Poder-se-ia ainda argumentar que a distinção teria sido ultrapassada com o “fim da história” e o caminho traçado por uma terceira via de compromisso entre mercados livres e estado social, como foi defendido e aplicado por parte da esquerda a partir dos anos de 1990, na senda do trabalho de Anthony Giddens.

Ainda assim, a velha dicotomia tem persistido.

1 Utilidade cognitiva e identidades afetivas

Podemos apontar duas razões para essa persistência. A primeira delas resulta, como chama a atenção João Cardoso Rosas, da sua utilidade cognitiva:

“O espaço político dos regimes liberais-democráticos é plural. A divisão em direita e esquerda permite uma simplificação mental desse espaço e facilita a constituição de alternativas aos detentores do poder. Por isso, a dicotomia é mais resistente do que as múltiplas e cambiantes designações de grupos, movimentos ou partidos.”

Aqueles conceitos ajudam a interpretar as diferentes manifestações deste pluralismo político, em particular na sua expressão partidária, oferecendo-nos um vocabulário simplificado para falarmos de tendências e dinâmicas políticas que são sempre complexas.

Mas há uma segunda razão para que a dicotomia tenha subsistido apesar de todas as dúvidas: é que ela carrega consigo uma forte carga emocional, que se foi sedimentando em torno dessas duas palavras, transformando-as em identidades políticas. Estão, neste sentido, carregadas de afeto – ao ponto de serem usadas tanto como ferramenta de autoexaltação, como de ofensa ao adversário político.

Encontramos esta dimensão afetiva com muita frequência, embora ela tenha, na realidade, uma dimensão caricatural. Afinal, a origem das palavras esquerda e direita é inteiramente casual, como recorda Rui Tavares, em Esquerda e Direita: Guia Histórico Para o Século XXI:

“Por muito que nos custe admitir, porque estas coisas se colam à pele, se, na Assembleia Nacional de 1789, os constituintes ‘de esquerda’ tivessem ido para o outro lado da sala trocando de lugar com os ‘de direita’ (ou se o ponto de referência fosse a vista a partir da sala e não a partir do olhar do presidente da assembleia), as pessoas de direita seriam hoje orgulhosamente ‘de esquerda’ e vice-versa.”

2 Uma casualidade histórica

A história é conhecida: no dia 28 de agosto de 1789, e em plena revolução francesa, discutia-se o direito de o rei vetar as deliberações aprovadas pela Assembleia Constituinte. Como diz Rui Tavares:

“Alguns deputados consideravam que, sendo a Assembleia Constituinte a representante do povo francês, seria ilegítimo opor-lhe um poder superior; outros consideravam que os deputados eram apenas representantes transitórios do povo, ao passo que o rei era o símbolo permanente do reino.”

Os deputados que eram contra o direito de veto encontravam-se, nesse dia, à esquerda do presidente da sessão, estando os deputados que eram a favor do lado direito – posição que foi retomada quando a Assembleia se voltou a reunir. Mas a divisão só ganharia o sentido político que lhe damos hoje com a Restauração, tornando-se uma prática regular que opunha, desta vez, liberais e ultrarrealistas. A partir de 1848, com a instituição do sufrágio universal masculino, as ideias de esquerda e direita entraram na política de massas, assumindo-se como identidades políticas.

Este é um aspeto central da dicotomia: ela conforma-se aos acontecimentos históricos e varia com o contexto nacional. Permitiu, primeiro, contrapor os que estavam a favor e os que estavam contra o veto do rei e, depois, os ultrarrealistas e os liberais; e com o avançar do século XIX e o triunfo das ideias socialistas, que defendiam a intervenção do Estado para resolver a “questão social”, o liberalismo foi empurrado para o centro – e até para a direita, como defensor da propriedade privada contra a ofensiva redistributiva –, deixando, no novo mapeamento do cenário político, o socialismo à esquerda. Como chama a atenção João Cardoso Rosas, é precisamente por esta razão que se continua a associar, nos Estados Unidos, o liberalismo à esquerda: como as ideias socialistas nunca tiveram ali êxito, o liberalismo manteve a sua posição e foi, progressivamente, convertido em liberalismo social.

A dicotomia revela, assim, grande volatilidade e muitos autores consideram que os termos “esquerda” e “direita” acabam por ser significantes livres, vazios de conteúdo concreto: embora possam constituir referências posicionais, não teriam um conteúdo ideológico definido.

Significa isto que não existem critérios analíticos para definir o que é esquerda e direita?

3 A esquerda

É aqui que o livro de Norberto Bobbio se torna uma referência académica: ele estabelece um critério concreto para identificar a esquerda, apesar de toda a variedade política, e que, por exclusão, nos permite também identificar a direita. Que critério é esse?

De acordo com Bobbio, a razão fundamental dos movimentos de esquerda é o desejo de igualdade. Muito embora o contexto, os desafios e os problemas possam mudar, “enquanto houver homens cujo empenho político se inspira num profundo sentimento de insatisfação e de sofrimento perante as iniquidades das sociedades contemporâneas (…), esses homens manterão vivos os ideais que desde há mais de um século têm caracterizado todas as esquerdas da História.”

É claro que, como Jaime Nogueira Pinto nota em A direita e as direitas, muitas igualdades fazem já hoje parte do património da direita – nomeadamente a igualdade perante a lei, a igualdade de oportunidades ou a eliminação de privilégios de casta. E, por isso, convém esclarecer que o posicionamento da esquerda em relação à igualdade decorre de uma específica conceção filosófica que Bobbio capta bem:

“A direita está mais disposta a aceitar o que é natural, e essa segunda natureza que é o costume, a tradição, a força do passado. O artificialismo da esquerda não cede nem perante as evidentes desigualdades naturais, aquelas que não podem ser atribuídas à sociedade. A par da natureza madrasta, há também a sociedade madrasta. Contudo, a esquerda tem, em geral, tendência para considerar que o homem é capaz de corrigir tanto uma como outra.”

O espírito da esquerda passaria, desta forma, pela “tendência para remover os obstáculos que tornam os homens menos iguais” e, nessa medida, também pode ser traduzido pelo princípio de retificação apresentado por Steven Lukes: a esquerda tende a considerar que a maior parte das desigualdades pode ser corrigida e por isso adota uma prática de retificação política constante – garantindo que é possível falar em progresso.

Já a direita tende a recear, como diz Cardoso Rosas, “os efeitos perversos ou contraproducentes que este ativismo retificativo pode ter para a liberdade e para a própria preservação do tecido social no qual a vida humana tem sentido”. É a direita, assim, mais reativa?

4 A direita

Jaime Nogueira Pinto reconhece a natureza reativa da direita, o que justificaria a maior dificuldade em definir um critério único e nos levaria à necessidade de estudá-la a partir das suas diferentes manifestações, como faz no seu recente De que falamos quando falamos de Direita?

Mas podemos recorrer ao já referido A direita e as direitas para aprofundar as bases teóricas e filosóficas que nos oferecem uma orientação para este lado do espectro político, e cujo primeiro princípio é o pessimismo antropológico:

“Uma das notas características e constantes do pensamento político de direita é a conceção pessimista do homem, que fundamenta as doutrinas direitistas e aristocráticas, como a conceção otimista fundamenta as doutrinas esquerdistas e igualitárias.”

É deste pessimismo antropológico que resulta não só o ceticismo da direita quanto à possibilidade de criar modelos políticos perfeitos, como o seu realismo quanto às limitações e perigos do desejo de retificação. Deste pessimismo antropológico decorreria igualmente a convicção de que a civilização é incerta: devemos, por isso, desconfiar da ideia de progresso e reconhecer a necessidade de ordem e de boas instituições, que podem melhorar a sociedade e os homens, embora não consigam transformar a natureza humana.

Nogueira Pinto identifica outros traços da direita – direito de propriedade, nacionalismo, organicismo, elitismo, que podemos encontrar em graus variáveis em diferentes direitas –, mas é o direito à diferença, com inspiração em Alain de Benoist, que nos faz regressar a Bobbio e validar o seu critério: se a esquerda luta pela igualdade, a direita valoriza a diferença.

5 A ameaça progressista

Duzentos anos após a sua origem e já lançados no século XXI, continuará a fazer sentido usar a velha dicotomia?

Há um aspeto importante que devemos ter em conta nesta reflexão: a dicotomia é pensada a partir de um consenso democrático e liberal que reconhece a interdependência dos dois termos. Como diz João Cardoso Rosas, “num regime liberal-democrático, não podemos dispensar nem a direita, nem a esquerda. Ambas veiculam ideias importantes, embora em competição” e sabem que há limites para a sua concretização. Esta interdependência simboliza, de acordo com Steven Lukes, a institucionalização do desacordo – a aceitação de que o conflito é inseparável da democracia e não um desvio patológico que deve ser superado.

Neste sentido, uma ameaça importante à dicotomia resulta do atual clima de polarização política que tem posto em causa este acordo implícito de discordância legítima: progressivamente, tem-se vindo a instalar a convicção de que existem formas ilegítimas de pensar e que, como tal, devem ser eliminadas.

Esta transformação política prende-se, provavelmente, com o fim da guerra fria, a crise das grandes ideologias, o consenso em torno das políticas de mercado livre e o quase-desaparecimento daquilo que antes era conhecido como proletariado – alterações que levaram as grandes divisões políticas para o domínio cultural e das questões fraturantes.

Neste domínio, a velha dicotomia é substituída pela divisão entre progressistas e conservadores, o que é revelado pelo número crescente de pessoas que se tem vindo a identificar como progressista. Trata-se de um rótulo que, embora devedor da tradição anglo-americana, é modificado no contexto europeu continental: ser progressista não é, entre nós, ser de esquerda – é mais do que isso. Significa querer estar do lado certo da história, ser portador das Luzes e acreditar que o progresso implica expandir ao máximo o entendimento individualista de igualdade e liberdade.

É, assim, um rótulo que se aplica a uma certa esquerda, mas também a uma certa direita – e que considera o conservadorismo o inimigo principal das sociedades atuais. Assemelham-se, neste sentido, aos “fundamentalistas” que Rui Tavares refere no seu livro: “Só descansarão quando toda a gente tiver abandonado os seus princípios para adotarem os fundamentos deles”.

A consequência desta transformação no discurso político é a de que, ao contrário do que acontecia com a velha dicotomia, esta não pressupõe a legitimidade do adversário. (Basta pensar nos textos recentes sobre a “natureza” do novo Papa e em como a palavra “conservador” aparece sempre com sentido pejorativo.) Pelo contrário, o adversário torna-se aqui um obstáculo a eliminar, o que leva à perda de sentido da velha dicotomia: a esquerda pressupõe a existência da direita, mas os progressistas podem correr sozinhos pela imaginada estrada do progresso.

O PS viu o seu espaço ser invadido pelo Chega com o esvaziamento do movimento centro-esquerda

6 A ameaça populista

Associado a esta identidade progressista, encontramos geralmente um espírito globalista e cosmopolita, que as elites, intelectuais e políticas, da esquerda internacionalista e do centro-direita globalista têm coroado como o modo moralmente correto de ver o mundo.

A contrarresposta, que tem marcado a política eleitoral da última década, tem sido dada pelos movimentos populistas de pendor nacionalista e que crescem contra este globalismo económico e esta elite cosmopolita, promovendo uma postura antissistema, baseando-se em valores de soberania nacional e identidade cultural e defendendo a prioridade da política sobre a economia.

Neste domínio, a desconfiança perante o sistema e as elites supera a velha dicotomia e torna-se uma motivação transversal, numa postura defensiva e reativa que procura recuperar o poder do cidadão comum.

7 Em Portugal

Todos estes aspetos constituem tendências internacionais, embora devam ser interpretados no contexto das particularidades históricas e sociais de cada país. Em Portugal, importa ter em consideração que a velha dicotomia só se afirmou com a consolidação democrática: a seguir ao 25 de Abril, a hegemonia política da esquerda era de tal forma radical que o nosso espectro político terminava no centro-democrático e, desde então, Portugal constituiu sempre um caso sério de “sinistrismo”, como diz Rui Tavares – ou como lamenta Jaime Nogueira Pinto em 2018, aquando da reedição da sua obra:

“A situação não mudou muito: há portugueses de direita, há eleitores de direita, há até intelectuais de direita, mas não há partido ou líder político que se diga de direita.”

Com a exceção que Nogueira Pinto reconhece a certos momentos do CDS-PP, a direita esteve entre nós, e durante muito tempo, perdida em combate: o lugar do PSD no espectro político continua a dar origem a dissertações de mestrado e a Iniciativa Liberal, recuperando as origens históricas do liberalismo, recusa um posicionamento fixo. Foram os oito anos de governação socialista – marcados, primeiro, pela “geringonça”, depois, por uma agenda progressista e, por fim, por um legado calamitoso na imigração – a transformar o panorama político português, ao abrir caminho para que o Chega se afirmasse no espaço político da direita.

No entanto, a matriz ideológica do Chega não pertence à tradicional direita liberal e globalista: antes deve ser encontrada na linha do populismo nacionalista, tendo o partido procurado dar voz a um protesto antissistema, contra a corrupção e crítica da classe política, ao mesmo tempo que se opõe ao globalismo económico e às elites cosmopolitas e progressistas que põem em causa os interesses nacionais e das classes trabalhadoras.

Isto significa que o Chega reinterpreta os critérios da velha dicotomia a partir de uma matriz popular: não só se aproxima muitas vezes, em termos económicos, de medidas socialistas (pelo que não é surpreendente que tenha votado tantas vezes ao lado da esquerda em questões sociais e de resposta a reivindicações laborais), como se apresenta como o verdadeiro defensor da igualdade: ele seria o partido verdadeiramente igualitário, aquele que dá voz à pessoa comum, fala a sua linguagem e partilha a sua conceção moral do mundo.

O Chega conseguiu assim crescer facilmente no terreno do PCP enquanto voto de protesto, mas também no espaço do PS, como vimos nas recentes eleições e como tem acontecido por toda a Europa com o esvaziamento do centro-esquerda: como estes partidos tendem a valorizar simultaneamente o interesse nacional e as preocupações sociais, ocupam facilmente o espaço do centro-esquerda que se distraiu com a agenda globalista e progressista.

É provável que, em consequência, o Chega não consiga ocupar o espaço do centro-direita com a mesma facilidade: a matriz nacionalista e popular tende a desvalorizar as contas certas, a disciplina orçamental e as reformas estruturais inspiradas pelo globalismo económico. O que significa também que o espaço para acordos com os partidos da direita tradicional que visem amplas transformações do sistema é muito reduzido, apesar da aparente maioria de direita que resultou das últimas eleições.

Como tem acontecido em outros países, o espaço político terá de se reorganizar e é provável que se incline para uma moralidade mais conservadora e nacionalista, numa espécie de reação ao consenso pós-1945. Falta saber se, depois dessa reorganização, ainda fará sentido falar em esquerda e direita.

Professora na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com