Carlos Ayres Britto
Foto: TCE/SE.
Publicado originalmente no site do Jornal da Cidade, em 19/06/2017.
“Democracia é excomunhão da cultura da coxia”
A crise ética vivenciada pelo país, o descrédito da
população para com as instituições e a necessidade de um rigoroso cumprimento
da Constituição foram os aspectos destacados durante palestra no TCE.
Por: TCE/SE
Carlos Ayres Britto é um otimista. Ele acha que o Brasil
está passando por um momento de transformação e que sairá melhor dessa crise
moral sem precedentes. "É preciso aplicar a lei por um modo moral, por um
modo público ou transparente. Nas coisas do poder, o melhor desinfetante é a
luz do sol. Democracia é isso: é excomunhão da cultura do camarim, da coxia, do
bastidor. Tudo tem que vir a lume, como está vindo a lume. Quem tiver culpa no
cartório vai responder", acredita, exemplificando o antídoto da
transparência com Thomas Jefferson: “O preço da liberdade é a eterna
vigilância”.
A crise ética vivenciada pelo país, o descrédito da
população para com as instituições e a necessidade de um rigoroso cumprimento
da Constituição foram os aspectos destacados pelo ministro aposentado do
Supremo Tribunal Federal (STF), ao proferir palestra no Tribunal de Contas do
Estado nesta segunda-feira, 19, dando início ao Fórum "Por um Brasil
ético: o dinheiro público é da sua conta". A palestra dele foi sobre
“Ética na administração pública”.
Ayres Britto é otimista por ver que os brasileiros vivem a
fase da indignação "diante de tantos escândalos, diante de tanta
sem-cerimônia com que se avança no dinheiro público e que se manipula dados. Mas
chegaremos à fase da propositividade", segundo ele, ao debater saídas
dispostas na Constituição. “Se estamos imersos nessa crise é por inobservância
àquelas regras éticas mínimas que correspondem à ideia força de uma vida
civilizada: uma vida minimamente civilizada tem que primar por regras éticas ou
morais", colocou.
Para Ayres Britto, a observância dos princípios
constitucionais por parte dos administradores públicos é imprescindível.
"Por que temos 14 milhões de desempregados? Porque o Brasil é um país que
anda de costas para a sua Constituição, porque a ordem econômica tal como foi
concebida pela Constituição não está sendo praticada", afirmou,
acrescentando que é preciso estar vigilante no combate à “cobra de três
cabeças” que ataca o poder público: a corrupção, que é herdeira do
patrimonialismo; o desperdício do dinheiro público; e o corporativismo, que
resulta na impunidade.
O princípio da Legalidade recebeu atenção especial do
palestrante. "Quando a Constituição diz que a administração pública
obedecerá aos princípios da legalidade, está dizendo: a Lei é o fator
necessário de impulso, de movimento da administração pública", disse o
ex-ministro, acrescentando que, para o indivíduo, "a ausência de lei não é
ausência de direito; o direito é maior do que a lei; não havendo lei, todos têm
direito de não ter dever; agora, para a administração, a lei é do tamanho do
direito; não havendo lei, não há direito para o administrador".
O uso da delação premiada como instrumento de controle do
crime também foi citado e defendido pelo palestrante. "A delação premiada,
numa linguagem coloquial, ou colaboração premiada, num plano técnico,
instrumento desse mecanismo bem mais atual do Direito que se chama sanção
premial, estilhaça a lógica interna das organizações criminosas; é um antivírus
poderoso contra o vírus do enquadrilhamento delituoso, porque essas
organizações se mantêm a partir da fidedignidade irrestrita, absoluta,
canina".
Outro ponto enfatizado pelo palestrante foi a necessidade de
as instituições cumprirem com as funções para as quais foram concebidas.
"Não basta que as instituições existam, é preciso que as instituições
funcionem; a lógica da funcionalidade é superior à lógica da existência",
enfatizou Ayres Britto, ao ressaltar que a lógica da funcionalidade é superior
à da existência: "A sociedade não perdoa instituição que não funciona; a
função é a razão de ser da instituição; a instituição só existe para cumprir a
função; a instituição é meio, a função é o fim; o que define a essencialidade
de uma instituição é sua função".
Ele concordou que o Judiciário ainda é moroso e que essa
morosidade pode contribuir com a impunidade, mas acha que as instituições estão
avançando graças à maior fiscalização do cidadão e da imprensa. Por fim, ele
defendeu a perenidade das instituições, que estão acima do culto ao personalismo.
“Chega de viver sob a aba de quem quer que seja. Nós precisamos viver sob a aba
das instituições. Chega de chiclete psicológico, de fulano, sicrano ou
beltrano”, disse, citando Bertolt Brecht: “Infeliz a nação que precisa de
heróis”.
Texto e imagem reproduzidos do site: jornaldacidade.net
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