Manuela D'ávila, deputada estadual do Rio Grande do Sul pelo PC do B
ALRS/Divulgação.
A deputada estadual Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) amamenta sua filha Laura durante
comissão na Assembleia Legislativa
Reprodução/Facebook.
Publicado originalmente no site da revista Veja, em 14 nov 2017.
O Brasil é muito maior que o medo e o ódio, diz Manuela
D’Ávila
Mais votada nas eleições parlamentares que disputou,
deputada gaúcha afirma que candidatura ao Planalto pelo PCdoB busca saída para
a crise sem radicalismos
Por Paula Sperb
O ano de 2018 vai ser decisivo tanto para o Brasil, que terá
eleição após sucessivos escândalos de corrupção de sua classe política, quanto
para Manuela D´Ávila, que anunciou que vai concorrer à Presidência da República
pelo PCdoB após ter sido a parlamentar mais votada pelos gaúchos em todas as
eleições que disputou – iniciou-se na carreira aos 23 anos. Agora, aos 36, ela
deverá ser a primeira do seu partido a pleitear o comando do país desde a
redemocratização. “O PCdoB tem 95 anos. A nossa história é a prova de que não
lançamos candidatura para causar”, disse em entrevista exclusiva a VEJA no seu
gabinete de deputada estadual, em Porto Alegre, em resposta a quem acha que o
lançamento de seu nome é apenas uma estratégia para marcar território – o PT,
diz, pode ser um aliado, mas apenas no segundo turno na eleição.
Formada em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (PUCRS), casada com o músico Duda Leindecker e mãe de
Laura, de 2 anos e três meses, Manuela se apresenta como uma alternativa para o
eleitor atingido pela crise econômica, mas não recorre a discursos radicais. “O
medo e o ódio não são propostas para sair da crise que o Brasil vive”, disse,
fazendo referência a um provável adversário na disputa, o deputado federal Jair
Bolsonaro (PSC-RJ). Para ela, uma candidatura de extrema direita como a dele
serve para impulsionar uma alternativa de centro. “O Alckmin, por exemplo, não
é um candidato de centro, mas, diante do Bolsonaro, ele pode parecer”, disse.
Em 2016, uma foto da senhora amamentando a filha Laura na
Assembleia repercutiu no Brasil inteiro. Por quê?
Decidi amamentá-la exclusivamente até os 6 meses. Era um dia
normal na Comissão de Direitos Humanos e ela começou a chorar, chorar, e eu
estava no meio da fala. Fiz o que todas as mães fazem: resolvi o problema dela.
Amamentar não era um ato político. A repercussão dessa foto fez com que eu
tivesse a dimensão de como o ato de amamentar é um tabu na nossa sociedade, que
objetifica o corpo das mulheres. Cumprir a orientação da Organização Mundial de
Saúde (OMS) é algo visto como um absurdo, um erro.
A senhora sempre atuou pelo direito das mulheres. Depois do
nascimento de Laura, a perspectiva mudou?
Eu consegui muito mais conectar o tema da mulher com o tema
do Brasil. Porque a maternidade torna muito visível o que é um Estado não
adequado às mulheres. O que representa um Estado pequeno e a ausência de
creches, de escola em turno integral, para uma mãe trabalhadora? O Brasil é um
país muito violento com as mulheres. Pautas como salário inferior [ao dos
homens] e assédio sempre fizeram parte da minha rotina de parlamentar. Mas
talvez eu tenha compreendido o peso da maternidade na situação que a mulher
vive no Brasil.
A primeira-dama, Marcela Temer, é embaixadora do programa
Criança Feliz. O que acha do programa? O papel da mulher ainda é o de
primeira-dama?
A ideia é boa, inspirada no Primeira Infância Melhor [do Rio
Grande do Sul], mas não existe investimento para ele, é só uma jogada
publicitária. Então, na realidade, dizer que vai investir nas nossas crianças
congelando o investimento em políticas sociais por vinte anos [PEC dos Gastos]
é uma falácia. Sobre ser primeira-dama, quando a gente debate que “lugar da
mulher é onde ela quiser”, é para fazer com que as mulheres saibam que podem
estar em qualquer lugar. Não é que não possam se sentir bem no espaço de
primeira-dama. É que queremos mostrar que podem estar em outros espaços também.
Seu gabinete desenvolveu e distribuiu o “machistômetro”, um
termômetro que indica atitudes machistas e orienta mulheres. Esperava os
ataques que recebeu na internet?
A gente fez o machistômetro como apoio para os debates sobre
violência contra mulher. Ele era bastante simples, mas acabou gerando muito
impacto. Essa onda de ódio na internet acontece sistematicamente, não só com o
tema das mulheres. Existem candidaturas que têm tentado organizar e
potencializar o ódio e o medo.
Por que a senhora faz vários vídeos para o Facebook
respondendo a comentários nas redes sociais?
Há pessoas que não percebem como o ódio é um instrumento
político e pode sair das redes sociais para as ruas. Esses vídeos são feitos
com o esforço de mostrar que é possível construir diálogos e soluções.
Essa onda de ódio na internet acontece sistematicamente, não
só com o tema das mulheres. Existem candidaturas que têm tentado organizar e
potencializar o ódio e o medo (…) Há pessoas que não percebem como o ódio é um
instrumento político e pode sair das redes sociais para as ruas.
Quando anunciou a candidatura à Presidência, a senhora disse
que eleição é seu “elixir da juventude”. Por quê?
Quando me candidato, falam: “Ela é muito nova”. Quando é que
eu vou ficar velha? Este é meu quarto mandato e minha sétima eleição, e
continuo eternamente jovem. Por isso, a eleição é meu elixir, nunca envelheço
perante os olhos dos críticos. Fui eleita pela primeira vez quando tinha 23
anos. Agora tenho 36. É praticamente a idade do presidente da França [Emanuel
Macron, 39 anos], basicamente a mesma idade do primeiro-ministro do Canadá
[Justin Trudeau, 45 anos], da prefeita de Roma [Virginia Raggi, 39 anos].
Em 2011, a senhora presidia a Comissão de Direitos Humanos
da Câmara e pediu a saída de Bolsonaro do grupo. Em 2018, vão disputar o mesmo
cargo. Conhece bem seu adversário?
O Bolsonaro tem feito um esforço para aglutinar o ódio e o
medo. Quando falei [no anúncio de sua candidatura] que o bom-senso da população
é o principal adversário do Bolsonaro, é porque o medo e o ódio não são
propostas para sair da crise que o Brasil vive. Fui colega dele por oito anos e
sei que foi um parlamentar invisível. Ele não tem propostas sequer para as
áreas nas quais estimula o ódio. Qual é a proposta dele para a segurança
pública?
Quando me candidato, falam: ‘Ela é muito nova’. Quando é que
eu vou ficar velha? Este é meu quarto mandato e minha sétima eleição, e
continuo eternamente jovem. Por isso, a eleição é meu elixir, nunca envelheço
perante os olhos dos críticos.
Mas Bolsonaro é um risco?
Ele é usado como alternativa de extrema direita para que que
uma eventual candidatura de centro cresça, mas sem ser de centro. O Alckmin,
por exemplo, não é um candidato de centro, mas, diante do Bolsonaro, ele pode
parecer. Por isso precisamos debater ideias. Para que aqueles que defendem o
fim do Estado não se passem por alternativas centristas, que não são.
Como a senhora se tornou candidata à Presidência? É a
primeira candidatura majoritária do PCdoB desde a redemocratização.
No decorrer da construção do Congresso Nacional do partido
[marcado para 17 e 19 de novembro], avaliamos que a melhor forma de apresentar
as saídas que a gente interpreta como as melhores para a crise do Brasil seria
lançando essa pré-candidatura. Foi um processo de uns seis meses da direção do
partido comigo, de conversas, de diálogo.
A crise é grave, tanto econômica como política. Quais são
suas principais propostas?
O tema central é a política econômica, retomar o
crescimento. Politicamente, a candidatura defende uma frente ampla, que é a
ideia de reunir setores maiores da sociedade. Como a gente faz para o Brasil
entrar nesse período da revolução 4.0, da tecnologia, da quarta Revolução
Industrial? Precisamos entender qual é o papel do Estado na indução desse
crescimento. Precisamos saber qual é o Estado que servirá melhor o povo. De
forma mais eficiente? Claro. Mas o debate sobre o Estado não é uma mera
discussão sobre gestão. A gestão é fundamental, o Estado tem que funcionar, ser
harmônico e ter menos burocracia. Mas a gente não pode fazer com que esse
debate pareça que é o debate que vai resolver o problema da retomada do
crescimento do Brasil. A gente está discutindo emprego. Melhorar gestão não
necessariamente gera emprego.
Quais são as medidas efetivas para melhorar esse desempenho
da indústria nacional?
Vou dar um exemplo das medidas [prejudiciais] do Temer, que
é a alteração da TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) do BNDES (Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social) [mudança de taxa subsidiada para taxa de
mercado]. Defendemos um referendo revogatório da alteração porque sem a TJLP a
gente jamais vai ter emprego de qualidade no Brasil. Porque todos os países têm
banco de desenvolvimento com taxa de juro de longo prazo para favorecer a indústria
própria e de inovação, que geram empregos. A mesma coisa com os juros e câmbio.
A economia brasileira tem que estar a serviço do povo brasileiro. Como a gente
tem taxas de juro tão altas se elas não servem para a indústria nacional, para
gerar competitividade? Como a gente tem um câmbio que não serve para a
indústria brasileira?
Há uma crise no Congresso, com parte significativa dos
deputados investigada. Se for eleita, como conseguirá negociar com os
parlamentares para ter governabilidade?
O Congresso também vai ser eleito em 2018. É preciso fazer
esse debate com a sociedade: quais os compromissos dos parlamentares que serão
eleitos? Acredito muito no debate com a população e com o Congresso. Cito o
exemplo dos 10% do pré-sal para a educação. Era um grande pacto para o futuro
do país, que foi destruído agora. Mas naquela ocasião o Congresso votou a favor
por causa do debate popular. Acredito nessa equação.
A senhora já disputou eleições, como a municipal em Porto
Alegre, contra candidatos do PT. Como é ter o PT adversário?
Nunca tive o PT como adversário. Nossas candidaturas sempre
tentaram colocar os problemas das pessoas e da cidade no centro. Isso faz com
que você enxergue os outros partidos de uma forma diferente. Tenho bastante
tranquilidade com isso. Nós e o PT temos uma relação fraterna, mas somos
partidos diferentes. É natural que tenhamos candidaturas diferentes e que nos
encontremos, na frente, em eleições de dois turnos.
Gleisi Hoffman, presidente nacional do PT, elogiou a senhora
na semana passada, em Porto Alegre, mas disse que o partido não desistiu de uma
aliança com o PCdoB. A sua candidatura é só para tentar ocupar o cargo de vice?
O PCdoB tem 95 anos. A nossa história é a prova de que não
lançamos candidatura para causar. Se fosse para causar, poderíamos ter lançado
candidatura em todas as eleições e depois retirado. Lançamos a candidatura
porque 2018 é o momento de discutir o futuro do Brasil, e não o passado. A
gente tem uma caracterização política muito firme. Em 2016 houve uma ruptura,
um golpe parlamentar e, a partir disso, se abre um novo ciclo. Temos uma
interpretação muito parecida com a do PT sobre o passado. Mas as saídas para a
crise nós temos as nossas e eles têm as deles. Sim, a gente acredita que vai se
encontrar no futuro. Mas achamos que esse futuro é o segundo turno das
eleições.
Quando anunciou sua candidatura, a senhora disse que a
participação do ex-presidente Lula na eleição do ano que vem é importante. Por
quê?
Eleição é momento de superação da crise, não de agravamento
dela. Em uma eleição em que o Lula estivesse impedido de concorrer, a crise
estaria agravada.
Mas a senhora acha que o Lula não cometeu crime, como aponta
a Lava Jato?
Eu não sou juíza, mas, se ele cometeu crimes, é preciso que
haja provas. O Lula e qualquer brasileiro têm que ser julgados pela lei, é isso
que garante a democracia e a existência das nossas instituições. Enquanto não
apresentarem uma prova de que ele cometeu crime, ele não cometeu crime. É assim
com ele e deve ser assim como todos.
E o que pensa da Lava Jato e da atuação do juiz Sergio Moro?
A operação surgiu com o bonito interesse de combater a
corrupção no Brasil, só que ela virou uma operação absolutamente política.
Basta ver o que acontece hoje em Brasília, os desfechos e o entorno do
presidente Temer.
Eleição é momento de superação da crise, não de agravamento
dela. Em uma eleição em que o Lula estivesse impedido de concorrer, a crise
estaria agravada.
No início deste ano, um delator, Alexandrino Alencar, da
Odebrecht, chegou a citar a senhora na Lava Jato. Como foi sua reação? Isso
avançou na Justiça?
Qualquer pessoa honesta se sentiria mal de ser citada por
alguém naquela circunstância. Inclusive, citada de forma triangulada, não me
menciona diretamente. O caso está fora da Lava Jato e está no Tribunal Regional
Eleitoral do Rio Grande do Sul, não avançou ainda. Foi direto ao TRE por estar
ligado à eleição, e não a outro tipo de crime. Ele me mencionou de forma
equivocada. Fala coisas que não são verdadeiras, como eu ter recebido valor em
caixa dois. Na verdade, eu recebi em caixa um, está registrado. Todas as
doações da minha campanha foram legais. A prova maior é que ele diz que não se
encontrou comigo. Qualquer pessoa honesta se sentiria mal de ver seu nome
[envolvido] porque é uma injustiça. Mas, o.k., a Justiça vai comprovar isso.
A senhora é a favor da legalização das drogas?
É preciso discutir o tema na perspectiva proposta pelo
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), unindo a sociedade para debater
números, e não achismos. Quantos jovens morrem, qual é a situação da segurança,
qual o resultado concreto. Os números mostram que a violência aumentou a partir
de uma política de guerra às drogas. O Brasil pode fazer esse debate,
vinculando inclusive a tributação das drogas a campanhas educativas de
prevenção do consumo de todas as drogas. O Brasil subestima o consumo de drogas
lícitas.
Alguns grupos, como o MBL (Movimento Brasil Livre) usam o
termo “comunista” como xingamento. Por que isso acontece?
Por ignorância, por não saberem o que representamos. Somos
aqueles que defendem a ideia do comum, de que é possível viver em uma sociedade
com acesso ao básico.
Como seria uma Presidência comunista no Brasil?
Nosso projeto é de desenvolvimento com crescimento da
economia a partir da indústria nacional, que significa emprego de qualidade com
direitos sociais. As pessoas olham para outros países e buscam viver como as
pessoas de lá vivem. Só que elas não enxergam que essa vida de andar tranquilo
na rua, de poder ter o filho matriculado em escola pública, como é na Europa,
tem por trás um projeto de país. “Quero viver como o inglês, que tem transporte
público, mas sou contra o Estado.” Não combina. É preciso saber que aquilo
existe a partir de um projeto de nação, que serve para Inglaterra, Holanda ou
França. Qual é o nosso projeto? O governo do PCdoB será um governo amplo, que
reúna setores, dialoga e constrói saídas que passam pela ideia de que é
possível fazer do Brasil um grande país. Acredito nisso. O Brasil é muito maior
do que o medo e o ódio que tentam plantar nos nossos corações.
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