Publicado originalmente no site da revista ISTOÉ, em 24/11/17.
Os políticos estão nus, sem pudores.
Por Carlos José Marques.
Aputrefação da política brasileira parece ter atingido seu
ápice, seu registro lapidar, na situação enfrentada hoje pelo Rio de Janeiro.
Ali vive-se a falência absoluta da representatividade. Não bastassem os
seguidos problemas de violência, caos social e pane dos serviços públicos a
região tem que amargar mais essa triste e desmoralizante realidade. A folha
corrida dos eleitos pelo povo é de estarrecer. Quase nenhuma autoridade, em
mandato ou não, escapa. Do Legislativo ou do Executivo. Na semana passada, três
ex-governadores e quatro ex-presidentes da assembleia legislativa local
encontravam-se trancafiados atrás das grades. Além deles, dezenas de
secretários, parlamentares e afins tinham o mesmo destino, por malversações de
toda ordem. Um quadro pavoroso. Lamentável. Verdadeira aberração moral para uma
sociedade que há quase duas décadas (desde 1998), pelo menos, é comandada ali
por quadrilheiros e saqueadores sistemáticos de recursos do Estado. Como
pontuaram, estarrecidos, vários cidadãos fluminenses, TODOS os governadores do
Rio eleitos desde 98 e TODOS os presidentes da assembleia escolhidos desde 95
foram parar na cadeia. Nem dá para acreditar. Alguma coisa está muito errada
nesse reino do fisiologismo e do voto de cabresto controlado por poderosos
habituais. É espantoso o grau de periculosidade de suas excelências. No passado
não muito longínquo, nos idos de 1949, o deputado Edmundo Barreto Pinto se
tornou o primeiro político cassado por falta de decoro. Ele não havia feito
nenhum assalto aos cofres públicos. Longe disso. O delito: ter posado de cuecas
para uma foto. Bons tempos aqueles em que o máximo de transgressão parlamentar
observada era essa, digamos, falta de compostura. Hoje a maioria dos votantes
se pergunta se vale voltar às urnas para eleger um candidato que ao menos
pareça honesto. Naturalmente, não há salvação fora da política. A questão é que
tipo de política vem sendo praticada, como mudá-la e com quem mudá-la. Ou, ao
menos, como rever as regras. Não é normal e denota um estágio de avançada
gangrena moral a bagunça que se instaurou na plenária da Alerj há alguns dias.
Ali os caciques imperam, atuam em corriola, se protegem e fecham os olhos a
qualquer desvio dos colegas, aliados ou não, numa prática multipartidária, e
sem hegemonia ideológica à esquerda ou à direita, para locupletar a patota. Não
importa o crime, muito menos o tamanho do prejuízo provocado à população. As
raposas controlam o galinheiro, enquanto cidadãos fazem das ruas palco de
quebra-quebra em protesto exigindo faxina. Luta inglória! Tome-se o exemplo
concreto dos três deputados – Jorge Picciani, atual presidente da Alerj, Paulo
Melo, o antecessor, e Edson Albertassi, também da cúpula – que em poucos dias
tiveram a prisão decretada, foram soltos e depois novamente recolhidos ao
xilindró, num dos espetáculos mais bizarros de disputa entre poderes de que se
tem notícia. O Tribunal Regional da 2º Região, em decisão unânime, mandou o
trio às grades sob a acusação de recebimento de milionárias propinas. Como
previsível, a prisão foi revogada pela Alerj, porque ali a tropa de choque de
Picianni & Cia. manda e desmanda. Os danos causados pela interpretação
propositalmente parcial sobre a imunidade parlamentar ficaram logo evidentes. A
Alerj entendeu que ninguém mete a mão em quem é da casa e trouxe o grupo de
volta. Estava assim sacramentada entre os áulicos da instituição a defesa de
uma espécie de licença para delinquir, a ser distribuída entre os seus e
agregados. O STF entrou no meio para acabar com a fuzarca. O ministro Fux
definiu a decisão como lamentável. Seu colega na Alta Corte, Marco Aurélio
Mello, se disse abismado. O Supremo restaurou a ordem de trancafiar o bando. Na
prática, o Rio, apesar do desfecho pela justiça, segue como uma terra sem lei,
também no plano político. Enquanto isso, Picciani e seus comparsas experimentam
a hospedagem no presídio de tratamento especial, cujas celas mostram conforto
acima da média e abrigam ainda outros detentos ilustres como Cabral, Garotinho
e a mulher, Rosinha. Encarcerar o bando não é, decerto, garantia de solução
definitiva. Até as pedras que margeiam o Rio sabem. Na contabilidade geral, não
apenas na esfera fluminense como em todo o Brasil, existem perto de 55 mil
autoridades – o número é esse mesmo! – com o chamado foro privilegiado, o que
dá a essas figuras o direito à proteção incondicional em inúmeras
circunstâncias. No STF a discussão sobre algumas restrições ao foro
privilegiado finalmente entrou na pauta. A tendência é que prevaleça nos tribunais
a tese de que esse direito ficará reservado para casos de desvios de conduta
referentes exclusivamente ao cargo. Já seria um começo.
Texto e imagem reproduzidos do site: istoe.com.br
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