domingo, 26 de novembro de 2017

Os políticos estão nus, sem pudores


Publicado originalmente no site da revista ISTOÉ, em 24/11/17.

Os políticos estão nus, sem pudores.
Por Carlos José Marques.

Aputrefação da política brasileira parece ter atingido seu ápice, seu registro lapidar, na situação enfrentada hoje pelo Rio de Janeiro. Ali vive-se a falência absoluta da representatividade. Não bastassem os seguidos problemas de violência, caos social e pane dos serviços públicos a região tem que amargar mais essa triste e desmoralizante realidade. A folha corrida dos eleitos pelo povo é de estarrecer. Quase nenhuma autoridade, em mandato ou não, escapa. Do Legislativo ou do Executivo. Na semana passada, três ex-governadores e quatro ex-presidentes da assembleia legislativa local encontravam-se trancafiados atrás das grades. Além deles, dezenas de secretários, parlamentares e afins tinham o mesmo destino, por malversações de toda ordem. Um quadro pavoroso. Lamentável. Verdadeira aberração moral para uma sociedade que há quase duas décadas (desde 1998), pelo menos, é comandada ali por quadrilheiros e saqueadores sistemáticos de recursos do Estado. Como pontuaram, estarrecidos, vários cidadãos fluminenses, TODOS os governadores do Rio eleitos desde 98 e TODOS os presidentes da assembleia escolhidos desde 95 foram parar na cadeia. Nem dá para acreditar. Alguma coisa está muito errada nesse reino do fisiologismo e do voto de cabresto controlado por poderosos habituais. É espantoso o grau de periculosidade de suas excelências. No passado não muito longínquo, nos idos de 1949, o deputado Edmundo Barreto Pinto se tornou o primeiro político cassado por falta de decoro. Ele não havia feito nenhum assalto aos cofres públicos. Longe disso. O delito: ter posado de cuecas para uma foto. Bons tempos aqueles em que o máximo de transgressão parlamentar observada era essa, digamos, falta de compostura. Hoje a maioria dos votantes se pergunta se vale voltar às urnas para eleger um candidato que ao menos pareça honesto. Naturalmente, não há salvação fora da política. A questão é que tipo de política vem sendo praticada, como mudá-la e com quem mudá-la. Ou, ao menos, como rever as regras. Não é normal e denota um estágio de avançada gangrena moral a bagunça que se instaurou na plenária da Alerj há alguns dias. Ali os caciques imperam, atuam em corriola, se protegem e fecham os olhos a qualquer desvio dos colegas, aliados ou não, numa prática multipartidária, e sem hegemonia ideológica à esquerda ou à direita, para locupletar a patota. Não importa o crime, muito menos o tamanho do prejuízo provocado à população. As raposas controlam o galinheiro, enquanto cidadãos fazem das ruas palco de quebra-quebra em protesto exigindo faxina. Luta inglória! Tome-se o exemplo concreto dos três deputados – Jorge Picciani, atual presidente da Alerj, Paulo Melo, o antecessor, e Edson Albertassi, também da cúpula – que em poucos dias tiveram a prisão decretada, foram soltos e depois novamente recolhidos ao xilindró, num dos espetáculos mais bizarros de disputa entre poderes de que se tem notícia. O Tribunal Regional da 2º Região, em decisão unânime, mandou o trio às grades sob a acusação de recebimento de milionárias propinas. Como previsível, a prisão foi revogada pela Alerj, porque ali a tropa de choque de Picianni & Cia. manda e desmanda. Os danos causados pela interpretação propositalmente parcial sobre a imunidade parlamentar ficaram logo evidentes. A Alerj entendeu que ninguém mete a mão em quem é da casa e trouxe o grupo de volta. Estava assim sacramentada entre os áulicos da instituição a defesa de uma espécie de licença para delinquir, a ser distribuída entre os seus e agregados. O STF entrou no meio para acabar com a fuzarca. O ministro Fux definiu a decisão como lamentável. Seu colega na Alta Corte, Marco Aurélio Mello, se disse abismado. O Supremo restaurou a ordem de trancafiar o bando. Na prática, o Rio, apesar do desfecho pela justiça, segue como uma terra sem lei, também no plano político. Enquanto isso, Picciani e seus comparsas experimentam a hospedagem no presídio de tratamento especial, cujas celas mostram conforto acima da média e abrigam ainda outros detentos ilustres como Cabral, Garotinho e a mulher, Rosinha. Encarcerar o bando não é, decerto, garantia de solução definitiva. Até as pedras que margeiam o Rio sabem. Na contabilidade geral, não apenas na esfera fluminense como em todo o Brasil, existem perto de 55 mil autoridades – o número é esse mesmo! – com o chamado foro privilegiado, o que dá a essas figuras o direito à proteção incondicional em inúmeras circunstâncias. No STF a discussão sobre algumas restrições ao foro privilegiado finalmente entrou na pauta. A tendência é que prevaleça nos tribunais a tese de que esse direito ficará reservado para casos de desvios de conduta referentes exclusivamente ao cargo. Já seria um começo.

Texto e imagem reproduzidos do site: istoe.com.br

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