Pinker diz que a entropia é fundamental para a condição humana. “Tudo dá errado mesmo. Precisamos concentrar nossos esforços em como as coisas podem dar certo”
Foto: Jean-Christian Bourcart/Getty Images
Steven Pinker: “O que importa é a pobreza, não a
desigualdade”
O psicólogo e cientista cognitivo defende que os ricos
tenham menos influência na sociedade
JP O’MALLEY, DA NEW HUMANIST (TRADUÇÃO MARIA FERNANDA
CAVALLARI)
O canadense Steven Pinker publicou vários livros de sucesso,
principalmente sobre linguagem e a mente. O mais recente é Enlightenment now:
the case for reason, science, humanism, and progress (Iluminismo agora: em
defesa da razão, da ciência, do humanismo e do progresso, em tradução livre). A
seguir, suas reflexões sobre o tema.
Ansiedade é um preço pequeno a pagar pelo progresso? Sabemos
que, quando assumimos as responsabilidades da vida adulta, podemos ficar mais
ansiosos. Existem algumas evidências, por exemplo, mostrando ter havido um
aumento da ansiedade dos americanos dos anos 1950 aos 1990. Parte dessa
ansiedade, porém, vem de questões com as quais seus antepassados eram
complacentes, como poluição, guerra, desigualdade e pobreza. Quando começamos a
assumir o fardo da maturidade da espécie como um todo, não espanta que isso
venha com certa dose de ansiedade.
Por que você afirma que as pessoas dão ênfase demais à
desigualdade econômica na sociedade?
Apesar de toda a obsessão com desigualdade ao longo da última década,
ela não é uma dimensão fundamental do bem-estar humano. Se Bill Gates tem uma
casa 30 vezes maior que a minha, isso não afeta como eu vivo minha vida, a
menos que se suponha que exista um pote de dinheiro fixo e que, quanto mais
algumas pessoas têm, menos as outras terão. O que importa moralmente não é a
desigualdade, mas a pobreza: quanto as pessoas estão bem na camada de baixo. Se
a pessoa pode ver o filho sobreviver, se pode tirar férias ou experimentar a
cultura do mundo, se está adaptada adequadamente, esses são os bens primários
do mundo. Mas fazer isso no mesmo (nível) que outra pessoa, na verdade, é
secundário.
Certamente a desigualdade envolve outros problemas. Sim. A
pobreza é um. O outro é injustiça. Nas sociedades em que há desigualdade, a
riqueza tem muito poder político. Mas o problema é, na verdade, manter a
integridade do sistema democrático e evitar que os ricos tenham muita
influência.
Você sustenta que há mais recursos naturais disponíveis no
mundo hoje do que em 1960. Muito do pânico ambiental dos últimos 50 anos vem de
um modelo mental em que as pessoas acham que existe uma massa de recursos que
nós desenterramos em um ritmo constante e que, em algum momento, vamos arrancar
o último pedaço. Isso não aconteceu com o petróleo, o que mais provocou pânico.
Conforme os depósitos mais fáceis de um recurso vão sendo explorados, fica cada
vez mais caro explorar o resto. Economias se adaptam à disponibilidade e à
escassez de recursos. É por isso que os recursos não se esgotam.
Sociedades precisam de mais que recursos? As pessoas
precisam de ideias, não só de recursos básicos. E ideias são parte de um
universo infinito de possibilidades que nunca se esgota. As pessoas precisam de
modos de aquecer suas casas, circular, fazer coisas, manter-se alimentadas e
vestidas. O que elas usam depende de sua criatividade.
Por que você dá tanta ênfase ao Produto Interno Bruto (pib)
quando julga o progresso? O pib é uma medida rudimentar da prosperidade de uma
sociedade. Mas ainda é a melhor medida que temos. A questão não é por que o pib
é o melhor índice de prosperidade, mas por que prosperidade tem correlação com
tantas outras coisas boas da vida.
Bobby Kennedy disse, em 1968, que o pib media tudo, exceto
“o que fazia a vida valer a pena”. As tiradas de Kennedy são pueris. Coisas que
fazem a vida valer a pena — escolas, clínicas, medicina, saneamento,
fertilizantes que evitam a fome, tratores que libertam crianças do trabalho no
campo, eletrodomésticos que libertam a mulher da cozinha, energia limpa —
custam dinheiro. Pessoas de países ricos ignorarem as aspirações das pessoas de
países pobres a ficarem mais ricas é falta de sensibilidade. Sociedades ricas —
não importa por que medidas — são mais educadas, mais liberais, mais
preocupadas com o meio ambiente, mais democráticas e têm menos probabilidade de
entrar em guerra.
Como essa última observação se encaixa com o fato de que um
país rico como o Reino Unido tem soldados em combate praticamente todos os anos
desde 1914? Isso é como dizer: “Como a afirmação sobre aquecimento global se
encaixa com o fato de que nevou ontem?”. Generalizações sobre sociedades são
estatísticas e não se aplicam a todas as instâncias. Grandes potências como o
Reino Unido e os eua se envolvem em mais guerras externas do que outros países,
mas as sociedades ricas, em sua maioria, não são grandes potências.
No entanto, a prosperidade do Reino Unido depende em parte
da fabricação de armas que são usadas em conflitos. “Menos propenso a entrar em
guerra” significa “menos propenso a entrar em guerra”, não “não fabricar
armas”. Armas não começam guerras por si mesmas.
Você defende que a divisão direita-esquerda é reducionista.
Essas divisões constantes são uma tendência lamentável, apesar de isso
acontecer cada vez mais em nossa cultura. Experimentos mostram que pessoas
engajadas em uma ideologia de direita ou de esquerda são tão propensas a ler
informações que confirmem suas crenças que fazem erros matemáticos simples ao
analisar uma tabela de números em uma questão politizada — como, digamos,
controle de armas.
É possível ser livre de qualquer ideologia? Não tenho
certeza do que “livre de qualquer ideologia” significa. Claro que todas as
decisões precisam estar a serviço de valores específicos, como aumentar o
bem-estar humano, mas uma ideologia aceita crenças sobre o mundo derivadas de
uma teoria em vez de motivadas por evidências. Dessa forma existem perigos
graves em basear decisões em uma ideologia.
Você é otimista quanto ao futuro da humanidade? Mudança
climática e guerra nuclear são as duas maiores ameaças. Mas existem soluções.
Você vê a entropia como fundamental para nossa condição. Por
quê? Por existirem tantas formas de as coisas estarem em estado de desordem em
vez de ordem, pelas leis da probabilidade todos os sistemas vão tender à
desordem. Sem a intervenção da energia ou da inteligência humana, as coisas se
despedaçam. O que precisamos explicar não é por que as coisas dão errado. Tudo
dá errado mesmo. Precisamos concentrar nossos esforços em como as coisas podem
dar certo.
Texto e imagem reproduzidos do site: epoca.globo.com
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