Publicado por João Marcos em 27 de março de 2018
Partidos brasileiros são mais do mesmo e poderiam ser
reduzidos a 2, aponta pesquisa de Oxford
Publicado na BBC
Uma explicação comum para justificar o grande número de
partidos políticos no Brasil é o fato de o país ser grande e heterogêneo.
Portanto, várias legendas seriam necessárias para representar os diferentes
grupos que fazem parte da sociedade.
Mas não é isso o que mostra uma pesquisa inédita da
Universidade de Oxford, no Reino Unido, e da Fundação Getulio Vargas (FGV),
segundo a qual apenas dois partidos já seriam suficientes para representar a
sociedade brasileira no Congresso Nacional.
“Tem muitos partidos desnecessários no Brasil, em termos de
representação ideológica. Quando um partido é criado, normalmente é para
atender a um grupo ideológico pouco representado, dar voz a grupos. Mas não é o
que esta acontecendo. Os partidos no Brasil estão sendo criados por outras
razões, não para defender bandeiras”, afirmou à BBC Brasil o professor Timothy
J. Power, diretor do Programa de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford.
Entre abril e setembro do ano passado, Power e César Zucco,
professor da FGV, distribuíram a deputados e senadores um questionário com
perguntas sobre diferentes temas – de economia e controle fiscal a reforma
política e aborto. O levantamento, chamado de Brazilian Legislative Survey
(BSL), é feito a cada quatro anos e tem o objetivo de captar a evolução do
pensamento do Congresso Nacional desde a redemocratização.
A partir da resposta dos legisladores, os pesquisadores
descobriram que as 25 legendas com representação na Câmara têm posições muito
semelhantes.
Seria possível dividir esses partidos em dois grupos, um de
centro-direita, composto pelo chamado “centrão”, além de PP, PSDB e MDB, e
outro de centro-esquerda, formado por partidos como PT, PC do B e PDT. O bloco
de centro-direita têm hoje 60% das cadeiras na Câmara dos Deputados, e o de
esquerda, 40%.
“No campo das ideias, pelos 20 assuntos que a gente mediu,
dois partidos são suficientes e representariam razoavelmente e de forma
coerente a sociedade. Um seria estaria mais à esquerda e outro mais à direita”,
disse o professor César Zucco à BBC Brasil.
Power traça um paralelo da distribuição atual de cadeiras no
Congresso entre centro-direita e centro-esquerda com o cenário partidário do
Brasil em 1979, ainda no regime militar, quando havia apenas dois partidos com
representação no Congresso.
“Se você pensar, é parecido com o Brasil em 1979. Tinha dois
partidos na época. O Arena (partido governista), com 60% das cadeiras, e o MDB
(que fazia oposição ao governo militar), com 40%. Nós vemos a mesma coisa hoje:
existem dois grupos, sendo que o de centro-direita tem maior representação no
Legislativo”, afirma.
A conclusão de que duas legendas já seriam suficientes para
representar as posições da sociedade mostraria que a acelerada criação de
partidos políticos no país não é estimulada pela demanda de grupos por
representação, mas sim por estratégias políticas e interesses eleitorais.
“Isso confirma a ideia de que, claramente, esses partidos
não existem para representar ideologias e ideias que precisam ser
representadas. Eles representam ideias parecidas e existem por questões
estratégicas dos deputados e senadores”, afirma Zucco.
“Atendem a interesses locais, porque os políticos precisam
de legendas diferentes para competir em eleições; a interesses em termos de
financiamento, por causa do acesso a recursos partidários; e ao interesse de
acesso a recursos dentro do Congresso Nacional, como pessoal, verba,
participação em comissões”, completa o professor da FGV.
O efeito impeachment: PT mais à esquerda e PSDB, à direita
Além de mapear a posição dos partidos quanto aos principais
temas econômicos e sociais, Power e Zucco também mediram a percepção que
parlamentares e senadores têm da ideologia das legendas com representação no
Congresso.
Os dois pesquisadores perguntaram aos parlamentares onde
eles classificariam cada partido político, numa escala de 1 a 10, sendo 1 “de
esquerda” e 10, de “direita”.
A análise histórica das respostas, captadas desde 1990,
demonstra que partidos de centro e centro-esquerda, quando assumem a
Presidência, tendem a dar uma guinada à direita, porque precisam fazer
concessões a grupos conservadores para governar. Foi o caso de PSDB e PT nos
governos dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da
Silva.
Setas mostram trajetória dos partidos, para esquersa ou para a direita no espectro ideológico. PT andou para a “direita” quando esteve na presidência, mas após o impeachment de Dilma deu uma guinada à esquerda | Fonte: BLS
Por causa da enorme fragmentação no Congresso e do excesso
de partidos políticos, dificilmente o presidente terá, sozinho, maioria para
governar. Por isso, forma coligações com outras legendas, ainda que elas não
tenham semelhança ideológica com o partido vencedor da eleição.
No governo Lula, por exemplo, o PT se aliou a partidos de
centro-direita e direita, como PMDB, PTB e PP. Nos dois mandatos, o Brazilian
Legislative Survey captou um “salto” forte do partido para a “direita” em
termos de ideologia.
“Se voltamos aos anos 1990, havia uma polarização no governo
FHC por causa das políticas neoliberais adotadas. O PT fazia uma oposição forte
a elas. Lula ganhou em 2002 e trouxe o PT e partidos mais de esquerda para o
centro”, disse Power à BBC Brasil.
Desde o governo Lula, a polarização vinha diminuindo no
país. Os levantamentos com parlamentares entre 2002 e 2014 mostram a construção
de consensos entre partidos em questões econômicas e sociais, como
interferência moderada do Estado na economia, necessidade de responsabilidade
fiscal e adoção de programas sociais baseados em transferência de renda – Bolsa
Família, por exemplo.
Mas, segundo Power, o impeachment de Dilma Rousseff
interrompeu o ciclo de aproximação entre partidos de esquerda e centro-direita.
“Durante o governo FHC, os partidos de esquerda eram mais
isolados. Nos anos 2000, eles se aliaram a partidos de centro e centro-direita
para permitir a governabilidade de Lula. O impeachment cortou essa aliança.”
Com o rompimento dos laços com siglas como o MDB, o PT e
demais partidos tradicionalmente vistos como de esquerda, como PC do B e PDT,
tendem a voltar às raízes, adotando posições mais “esquerdistas”, como maior
presença estatal na economia.
“Agora que romperam com a direita, nada os impede de adotar
uma ideologia de esquerda mais radical”, avalia o professor de Oxford.
Enquanto isso, o PSDB deu um passo largo para a “direita”,
na percepção dos parlamentares, em comparação com o resultado dos levantamentos
de 2014. “O PSDB vem andando para a direita desde que iniciamos o levantamento,
em 1990. Mas agora o movimento foi bastante forte”, diz Zucco.
“A percepção dos políticos de ‘esquerdização’ do PT e de
‘direitização’ do PSDB tem a ver com o impeachment”, destaca.
Em que espectro estão os partidos
De acordo com a pesquisa de Power e Zucco, o partido hoje
visto entre os parlamentares como mais “de esquerda” é o PSOL, seguido por PC
do B, PT e Rede.
O levantamento também captou a ascensão do chamado Centrão,
partidos de médio porte que tiveram papel chave no impeachment de Dilma.
Juntos, eles formam uma das maiores bancadas da Câmara e são essenciais à
sobrevivência do governo Michel Temer.
Fazem parte desse grupo, visto como “de centro” pelos
parlamentares, PSC, Pros, PTB e Podemos (visto na tabela acima com a sigla
Pode). Classificados como centro-direita, estão MDB, PSDB, PSD e PR.
O partido visto como mais “de direita” é o Democratas,
seguido por PP e PSL. O DEM é também a sigla que de forma mais consistente se
manteve “à direita” na percepção dos legisladores desde que o BLS começou a ser
feito, em 1990.
Com base nas respostas diretas dos parlamentares às
perguntas que medem a posição ideológica, é possível dividir o Congresso em
dois grandes grupos, segundo o estudo: um de centro-esquerda, composto por
PSOL, PC do B, PT, Rede, PDT, PSB, PPS e PV, e outro de centro-direita, com os
demais partidos.
O que esses achados dizem sobre o cenário pós-2018?
Em resumo, o Brazilian Legislative Survey captou um
Congresso Nacional polarizado. E, embora existam 25 partidos com deputados
eleitos, o legislativo poderia ter apenas dois se levada em conta a semelhança
entre eles em questões ideológicas.
Embora haja movimentos na sociedade por uma renovação na
política, os pesquisadores avaliam que a fotografia atual do Congresso tende a
ser reeditada após a eleição de outubro. Com a restrição ao financiamento
empresarial de campanha, candidatos dependerão do Fundo Partidário. E quem
recebe mais dinheiro são os partidos tradicionais, que elegeram mais deputados
em 2014.
O presidente que se eleger precisará, segundo Zucco e Power,
captar o apoio de parte do bloco de “centro-direita” – que tem 60% das cadeiras
–, principalmente dos partidos que hoje integram o chamado Centrão.
“Vai ter menos renovação do que o espírito das ruas
sugeririam. Quem tem acesso ao dinheiro são os políticos que já estão no poder.
O próximo presidente vai ter que fazer mais do mesmo. O grupo majoritário
(Centrão) é o que dá apoio ao Temer e ele vai ter que ser cooptado pelo próximo
governo. Não dá para esperar muita diferença”, diz Zucco.
“O presidente que se eleger vai ter minoria no Congresso
(por causa do grande número de partidos que devem eleger deputados),
dificulmente terá 12% das cadeiras. Para governar, ele vai ter que formar
alianças com, pelo menos, seis ou sete partidos”, completa Power.
Texto e imagens reproduzidos do blog: pavablog.com
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