O ex-presidente Lula é carregado por uma multidão no
Sindicato dos Metalúrgicos,
em São Bernardo do Campo, em 7 de abril de 2018. (Stringer/Reuters)
Publicado originalmente no site Brasil EL País, em 23/08/2018
O Brasil é hoje um laboratório político
Nem os mercados, nem os analistas políticos, ninguém é capaz
de apostar nem os sapatos em adivinhar o resultado das eleições mais
incrivelmente complexas da história brasileira
Por Juan Arias
Lula na prisão, impossibilitado de disputar as eleições e
com quase 40% das intenções de voto nas pesquisas? Nenhum outro candidato sem
chegar aos seus pés? E estamos a poucas semanas de ir às urnas. Nem os
mercados, nem os analistas políticos, ninguém é capaz de apostar nem os sapatos
em adivinhar o resultado das eleições mais incrivelmente complexas da história
brasileira.
Os políticos que disputam a eleição presidencial —certamente
sem Lula, que ganharia no primeiro turno— devem estar desconcertados com os
resultados insignificantes que apresentam. Não eram eles que apostavam num novo
Brasil uma vez libertos de Lula e do PT? Devem estar perguntando às pitonisas
que demônios se apoderaram deste país, onde parece que tudo pode acontecer.
A história deverá um dia analisar este incrível momento
histórico do Brasil, que do altar da glória parece estar escorregando para um
abismo que atemoriza. Não sou, entretanto, da tribo dos derrotistas. Continuo
acreditando que o Brasil, mais que uma crise irreversível, está vivendo é sua
condição de laboratório político, onde tudo está em discussão e em análise, sem
saber o que acabará saindo dessa proveta.
Os políticos logo poderão perceber que a crise que todos eles
atravessam deve-se ao fato de terem ignorado ou desprezado que, enquanto se
sentiam seguros de si mesmos, acreditando poder governar para gente que
aceitava tudo como antes, esse Brasil da rua já é outro, para bem ou para o
mal. Acordou. Perdeu a fé neles e lhes nega o voto.
Não o nega, entretanto, a Lula, apesar de estar condenado e
na prisão. Tampouco saiu à rua contra sua detenção, nem gritou em massa que é
inocente, mas é que não acredita na inocência de quem se esforça em ficar com
seus despojos. Considera-os tão ou mais responsáveis pela corrupção. O que
então esse Brasil vê em Lula para querer continuar votando nele com maior
afinco que em todos os outros candidatos? Talvez uma miragem, mas quem conhece
o deserto sabe a força até mesmo espiritual que traz a esperança de poder
encontrar um poço de água fresca.
Lula, com todos os seus defeitos e pecados, conhece talvez
como nenhum outro político o vazio de esperança neste país melhor que pulsa no
coração dos brasileiros, sobretudo dos mais pobres, dos que não conseguem nem
sonhar. A eles, da prisão, Lula continua prometendo, como Moisés no deserto aos
judeus, um Brasil de abundância para todos, de desejos que parecem perdidos, de
momentos de festa. Os faz voltar a sonhar.
Moisés não chegou à Terra Prometida e sofreu a dor de ver
que os resgatados por ele chegaram a se apaixonar pelos ídolos. Lula é possível
que tampouco consiga ver esse Brasil dos seus sonhos. Uma lei que ele mesmo
sancionou o impedirá até de ser candidato. Não importa. Há algo que os outros
candidatos não devem, entretanto, esquecer: os sonhos que Lula, da prisão,
continua oferecendo como um chamariz aos milhões de brasileiros que quereriam
ainda votar nele se a lei permitisse continuarão vivos no coração desse Brasil
laboratório, que abriu os olhos, que reflete mais do que ontem, que é mais
livre para processar os políticos, que já não os perdoa por tudo como antes.
Esse outro Brasil, que os velhos partidos, inclusive muitas vezes o PT,
resistem a reconhecer, é um Brasil possivelmente sem volta. E é esse Brasil
que, como ocorre às vezes com os filhos que se libertam do peso conservador de
seus pais, devemos nos esforçar por entender. É o Brasil que, em sua relutância
em se livrar de um passado que o asfixiava politicamente, pode parecer
contraditório e inesperado. Mas é um Brasil política e socialmente vivo. E são
os vivos, não os mortos, quem engendram ao mesmo tempo pesadelos e esperanças.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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