domingo, 14 de outubro de 2018

7 pontos para entender a relação entre política e internet

MIGUEL SCHINCARIOL VIA GETTY IMAGES

7 pontos para entender a relação entre política e internet

‘É importante perceber que o que está no feed não é um retrato do Brasil’, alerta Francisco Cruz, do InternetLab

By Grasielle Castro, Ana Beatriz Rosa

Polarização, declínio do horário eleitoral gratuito, fake news, WhatsApp. Certamente, essas são algumas palavras e termos que a cada dia que se passa da campanha eleitoral ganham mais força. Com a definição do segundo turno se materializou o que todos já sabiam: um racha no País. Até a terceira via - voto nulo, branco ou a abstenção - passou a carregar um peso ainda maior.

O embate e os mecanismos com os quais Fernando Haddad, do PT, e especialmente Jair Bolsonaro, do PSL, protagonizam e apostam apontaram para um cenário especialmente novo para os estudiosos.

Em entrevista ao HuffPost, Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab, fez algumas reflexões que ajudam a interpretar a relação entre internet e política. Uma de suas avaliações é a de que as pessoas não estão polarizadas necessariamente por causa das redes sociais, "mas o jeito como elas percebem a política está mediado pelas redes sociais".

Ele alerta ainda que: "É importante que as pessoas percebam que o está no feed delas não é um retrato do panorama brasileiro. É um retrato de quem está perto, de quem ele resolveu seguir".

Aqui estão 7 dos principais pontos discutidos para entender a relação entre política e tecnologia hoje.

1. TV X internet nas campanhas

Esta eleição está, sim, mostrando que a TV não é tudo, mas nesse ambiente meio híbrido uma coisa influencia a outra.

"Quanto mais o brasileiro gasta tempo e sua atenção em rede social, é claro que elas vão ganhando maior relevância. Muitos cientistas políticos apostaram que a formação de um grande tempo de TV e arco de alianças iriam ajudar o candidato Geraldo Alckmin, mas aparentemente não ajudou o suficiente. A minha visão é que a TV não deixou de ser importante. Talvez a gente não esteja migrando para um ambiente em que a internet é tudo. É um ambiente meio híbrido, no qual a TV é muito importante, mas não é tudo. Um arco de aliança muito grande e dominar um tempo de TV pode não ser o suficiente. No caso do Alckmin, as pessoas já conheciam ele. A aparição dele na TV não serviu para apresentá-lo ao eleitorado, mas talvez para convencê-lo a votar nele e não convenceu.

Em outros momentos, a gente vê que a TV foi muito importante. A gente vê que os picos de interesse nas redes sociais, nas ferramentas de busca, ocorreram também por conta de eventos que foram na TV, como os debates e as entrevistas no Jornal Nacional. Por causa disso, não dá para dizer que a TV não teve importância. Esta eleição está, sim, mostrando que a TV não é tudo, mas nesse ambiente meio híbrido uma coisa influencia a outra."

2. Marketing digital

A campanha de Jair Bolsonaro é completamente um ponto fora da curva.

"A gente viu como regra que, na proporção, o gasto com anúncio na internet foi bem pouco. O gasto com produção de audiovisual em geral ocupa muito mais, cerca de 15 a 20 vezes a mais. Analisamos gastos com anúncio e estratégia digital, a gente viu que as campanhas que não tinham tempo de TV tenderam a gastar um pouco mais para sofisticar um pouco a campanha e também gastaram com anúncio. A campanha de Jair Bolsonaro é completamente um ponto fora da curva, não tinha declarado nenhum gasto até setembro. Em relação aos outros candidatos, cada um tentou de um jeito.

Quando eu falo em campanhas sofisticadas, estou falando naquela campanha que não gastou só com anúncio, mas que tentou qualificar esse anúncio. Fizemos uma pesquisa com base em um plug-in e a gente conseguia ter dados sobre o tipo de eleitor que a campanha tentava falar. A gente chama de mais sofisticadas as campanhas que tentaram segmentar, que tentaram segmentar uma audiência."

3. Trump X Brasil

Dá para gente arriscar como hipótese é que existe uma militância distribuída e voluntária na campanha de Jair Bolsonaro.

"Acho que existe uma grande distância entre o que aconteceu nos Estados Unidos com Donald Trump e a nossa realidade. A primeira grande eleição que a internet teve muita importância nos Estados Unidos que todo mundo falou não foi a do Trump, foi a do Obama. A ideia de que o Obama era uma espécie de gênio dos meios digitais, que conseguiu arrecadar muito dinheiro para sua campanha via internet, conseguiu fazer uma campanha muito viral.

E o tipo de campanha lá, mesmo a do Trump, foi muito cara. Ele investiu muito dinheiro nesse tipo de técnica de segmentação. E o que estamos vendo aqui no Brasil é uma campanha que não investiu muito dinheiro, pelo menos nesse tipo de técnica, que é a do Jair Bolsonaro. O que explica isso? Acho que vão pipocar muitas explicações por aí, mas o que dá para gente arriscar como hipótese é que existe uma militância distribuída e voluntária. Essa militância tem uma estrutura para disseminar o conteúdo."

4. Fenômeno Jair Bolsonaro

Não que seja algo escuso, mas é uma militância, um jeito de fazer campanha que, claro, pode ter seus abusos.

"Bolsonaro consegue manter um nível muito alto de interesse sobre ele ao mesmo tempo em que não está gastando com anúncio. Claro que ele tem redes que o apoiam, com páginas no Facebook, perfil no Twitter, que o apoiam de forma espontânea. São perfis que têm lealdade, talvez tenham algum tipo de relação com a campanha, mas que não fazem parte da estrutura oficial de campanha.

Todos os candidatos tiveram isso em alguma medida, mas as do Bolsonaro são bastante infladas e participam dessa campanha robusta dele nas redes. Essas redes não são de agora, ele começou a construir essa infraestrutura de conseguir falar com os brasileiros já há um tempo, desde a época do impeachment. A minha hipótese é que essa infraestrutura foi crescendo e está sendo usada na campanha. Não que seja algo escuso, mas é uma militância, um jeito de fazer campanha que, claro, pode ter seus abusos."

5. Polarização

É importante dizer que a polarização é um processo social e político enraizado no Brasil.

"É importante que as pessoas percebam que o está no feed delas não é um retrato do panorama brasileiro. É um retrato de quem está perto, de quem ele resolveu seguir. Isso de que aquilo ali representa a realidade do Brasil é cair na onda da bolha. Existem sim bolhas no sentido de agrupamento de redes.

É importante dizer sobre a polarização que ela é um processo social e político enraizado no Brasil, a gente não vem de eleições tranquilas em 2014, a gente vem de um processo gradual de polarização no qual tem vários ingredientes para as pessoas estarem super polarizadas. Tem a Operação Lava Jato, as eleições de 2014, o impeachment de Dilma Rousseff, a chegada do PT ao poder e sua queda, tudo faz parte de um processo social e político que mobilizou as mentes das pessoas.

Não acho que as pessoas estão polarizadas por causa das redes sociais, mas o jeito como elas percebem a política está mediado pelas redes sociais."

6. Redes sociais e polarização

A gente está calibrando o algoritmo para ficar polarizado e o algoritmo está calibrando a gente, é um processo bastante complexo.

"Não dá para jogar a polarização na conta das redes sociais. A gente vê a polarização acontecendo no mundo todo e o que tem em comum no mundo todo e a emergência dessa tecnologia. Claro que tem a ver com a forma como a gente percebe essa informação, como se comunica. A gente está calibrando o algoritmo para ficar polarizado e o algoritmo está calibrando a gente, é um processo bastante complexo. Mas tem países que não estão polarizados assim."

7. Notícias falsas no WhatsApp

Achar que vai vir um salvador da pátria e resolver o problema da polarização e das notícias falsas, eu acho que é enveredar por um caminho um pouco duvidoso.

"Hoje em dia deter as fake news no WhatsApp é deter as fake news na cabeça das pessoas. Não dá para a gente defender que o governo coloque um vigia em cada grupo de WhatsApp de família, isso é completamente inviável. Claro que existem ferramentas no design do WhatsApp, na Índia agora, no Brasil também, com um limite de encaminhamentos. Antes você podia fazer isso para muitas conversas, agora tem um número restrito.

Existem jeitos de mudar a ferramenta para ela ser mais amigável, do que esse espalhamento de informações. Mas não acredito que dê para controlar o WhatsApp de cima para baixo, a gente vai ter que controlar de baixo para cima. Vai ter que conversar com as pessoas que fizeram essa disseminação e ter um debate sério sobre porquê a pessoa está passando essa informação para frente, mas isso não vai ser de agora. É um processo que demora um tempo.

Não é uma rede social pública, você está ali falando com as pessoas que você mais conhece. Não é um caminho fácil, mas achar que vai vir um salvador da pátria e resolver o problema da polarização e das notícias falsas, eu acho que é enveredar por um caminho um pouco duvidoso, você pode mitigar direitos individuais, liberdade de expressão das pessoas. E não é isso que a gente quer, a gente quer fortalecer a democracia."

Texto e imagem reproduzidos do site: huffpostbrasil.com

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