Publicado originalmente no site Alô News, em 14/10/2018
FHC sobre apoio ao PT: 'Não estou vendendo a minha alma ao
diabo'
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) disse que
não aceita "coação moral" dos que agora buscam seu apoio
Alvo de ataques incessantes do PT por mais de duas décadas,
o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) disse, em entrevista ao
Estado, que não aceita "coação moral" dos que agora buscam seu apoio.
"Quando você vê o que foi dito a respeito do meu governo, nada é bom. Tudo
que fizeram é bom. Quem inventou o nós e eles foi o PT. Eu nunca entrei nessa
onda." Segundo ele, "agora o PT cobra... diz que tem de (apoiar
Haddad). Por que tem de apoiar automaticamente? Quando automaticamente o PT
apoiou alguém? Só na vice-versa. Com que autoridade moral o PT diz: ou me apoia
ou é de direita? Cresçam e apareçam. A história já está dada, a minha." E
desabafou: "Agora é o momento de coação moral... Ah, vá para o inferno.
Não preciso ser coagido moralmente por ninguém. Não estou vendendo a alma ao
diabo". Apesar disso, ele diz que "há uma porta" com Fernando Haddad
(PT), mas com o "outro (Jair Bolsonaro, PSL)", não.
Como sr. vê o futuro do PSDB e avalia essa onda
conservadora?
O PSDB, se quiser ter futuro, precisa se repensar. Depois de
um terremoto, precisa reconstruir a casa. A onda conservadora é mundial.
O PSDB tem mais identidade com quem neste segundo turno?
Pelo que eu vi das pesquisas, é quase meio a meio do ponto
de vista do eleitorado. Em seis Estados, o PSDB ainda disputa eleição para
governador. Os candidatos ficam olhando o eleitorado. Do meu ponto de vista
pessoal, o Bolsonaro representa tudo que não gosto. Só ouvi a voz do Bolsonaro
agora. Nunca tinha ouvido. Não creio que seja por influência do que ele diz ou
pensa que votam nele. O voto é anti-PT. O eleitorado parece estar contra o PT.
No olhar de uma boa parte dele, o PT é responsável pelo que aconteceu no
Brasil, na economia, cumplicidade com a corrupção e etc. É possível que a
maioria dos líderes do PSDB seja pró-Bolsonaro, mas não é o meu caso.
O sr. tem mais identidade com o Haddad?
Não posso dizer isso. Como pessoa é uma coisa, como partido
é outra. A proposta que o PT representa não mudou nada. Quando fala em
economia, é a nova matriz econômica. Incentivar o consumo? Tudo bem, mas como
se faz isso sem investimento? Como se faz sem enfrentar a questão fiscal? O PT
no poder sempre teve uma deterioração da visão do (Antonio) Gramsci da
hegemonia. Aqui não é cultural, é hegemonia do comando efetivo. Quando você vê
o que foi dito a respeito do meu governo, nada é bom. Tudo que fizeram é bom.
Quem inventou o nós e eles foi o PT. Eu nunca entrei nessa onda. Agora o PT
cobra... diz que tem de (apoiar). Por que tem de automaticamente apoiar? É
discutível. (O PT) Não faz autocrítica nenhuma. As coisas que eles dizem a
respeito do meu governo não correspondem às coisas que acho que fiz. Por que
tenho que, para evitar o mal maior, apoiar o PT? Acho que temos de evitar o mal
maior defendendo democracia, direitos humanos, liberdade, contra o racismo o
tempo todo.
Nas encruzilhadas históricas, PSDB e PT se uniram. No caso
de 2018 é diferente?
Não faço parte da direção do PSDB, que decidiu pela
neutralidade. Cada um pode fazer o que quiser. Política não é boa intenção. Uma
coisa é a minha apreciação como pessoa sobre outra pessoa. Isso não é política.
Se vamos estar juntos, tem que discutir completamente. Nunca houve isso.
O PT não está colaborando para essa aproximação?
De forma alguma. O PT tem uma visão hegemônica e prepotente.
Isso não é democracia. Democracia implica em abrir o jogo e aceitar a
diversidade.
Já houve algum diálogo do PT com o senhor?
Não. Tenho relações pessoais e cordiais com o candidato
Haddad, mas o que está em jogo é o que será feito com o Brasil. Minha
preocupação não é comigo ou o PSDB, mas com o Brasil. Qual é a linha? Estão
pensando que estamos nos anos 60 e 70 ou terá uma linha contemporânea? Aí não
dá...
Se o PT fizesse autocrítica, seria possível apoiar Haddad?
Seria bom, mas o PT está propondo coisas inviáveis.
O sr. vai declarar seu voto?
Quero ouvir primeiro. Não sei o que vão fazer com o Brasil.
O Bolsonaro pelas razões políticas está excluído. O outro eu quero ver o que
vai dizer.
Há porta aberta para Haddad?
Eu não diria aberta, mas há uma porta. O outro não tem
porta. Um tem um muro, o outro uma porta. Figura por figura, eu me dou com
Haddad. Nunca vi o Bolsonaro.
Haddad é diferente do PT?
Não adianta ser diferente. Haddad é a expressão do Lula. Ele
usou uma máscara do Lula. Agora tirou e colocou uma bandeira verde e amarela.
Marconi Perillo foi preso. Antes foi o Beto Richa. O PSDB
caiu na vala comum?
Você nunca ouviu de mim acusação contra o PT. O papel de
acusar é da polícia; de julgar é da Justiça. É importante que as investigações
prossigam. Você nunca ouviu uma palavra minha de defesa só porque é do PSDB.
Quero que tenha direito de defesa.
O sr. conversou com Luciano Huck, que desistiu de concorrer.
Se o PSDB tivesse lançado outro nome, talvez um outsider, a história seria
diferente?
É difícil avaliar o que aconteceria com um candidato
outsider. Sou amigo do Luciano Huck. É pessoa interessante, mas não sei o
quanto tem habilidade para manejar os problemas do Estado. Espero que não
desista. Nas circunstâncias atuais, dificilmente um candidato do PSDB, fosse
quem fosse, estaria isento de sofrer as consequências do terremoto. Estamos
assistindo a um terremoto. Não creio que seja o caso de culpar A, B ou C. Na
situação que vivemos, você vai precisar de liderança forte, o que não significa
autoritária. O governador de São Paulo tinha experiência e é uma pessoa
correta, mas não teve apoio. Tentei juntar o centro antes. Ninguém quis. Não
adianta ter ideia. Ideia é bom na universidade. Tem que ter capacidade de
convencer. Agora, estão me cobrando: tem que fazer isso, aquilo. Tem carta,
intelectual da Europa, dos EUA, amigos meus me pedem isso... Eles não conhecem
o processo histórico. Nessas horas, a palavra de alguém some no ar. Cobram de
mim para tomar posições. Mas eu digo: Por quê? Qual é a consequência?
Para a história, talvez?
Eu já fiz a minha história. Todo mundo sabe o que eu penso.
Não preciso provar que sou democrático. Eu sou! O PSDB sabe o que eu penso.
Todo mundo sabe. Alguém pode imaginar que eu vou sair por aí apoiando o
Bolsonaro? Nunca.
Mas isso não significa que o sr. apoia Haddad?
Quando automaticamente o PT apoiou alguém? Só na vice-versa.
Com que autoridade moral o PT diz: ou me apoia ou é de direita? Cresçam e
apareçam. A história já está dada, a minha. Não vou no embalo. Não me venham
pedir posição abstratamente moral. Política não é uma questão de boa vontade, é
uma questão de poder. E poder depende de instrumentos e compromissos efetivos.
Agora é o momento de coação moral... Ah, vá para o inferno. Não preciso ser
coagido moralmente por ninguém. Não estou vendendo a alma ao diabo.
A esquerda diz que o Bolsonaro representa o fascismo.
O autoritarismo, concordo, o fascismo, não, porque é um
movimento específico de apoio popular e com ideias específicas de Estado
corporativo, tinha uma filosofia por trás. Não sei se ele (Bolsonaro) tem
alguma filosofia por trás. Ele tem uma vontade de mandar. Não sei o que ele é.
O que propôs como parlamentar foi corporativismo. Agora vai ser liberal? Pode
ser. As pessoas mudam. Mas não mostrou nada.
O PSDB amargou o pior desempenho eleitoral de sua história.
O que houve com o partido?
Houve um terremoto. Nele, há escombros de muitos partidos. O
que ganhou na Câmara em maior número é o PSL. As pessoas não sabem o que
significa PSL. Elegeram 52 deputados, 11% da Câmara. É a fragmentação, um
problema estrutural. Como levar adiante isso? Querendo ou não, vai ser preciso
agrupar forças. Mas ao redor do quê? Qual a proposta para o Brasil? Os
candidatos não falam.
O senador Tasso Jereissati criticou a decisão do PSDB de
contestar o resultado da eleição de 2014 e de entrar no governo Temer. O que o
sr. acha?
Em geral, concordo. Mas o caso da entrada no governo Temer é
uma questão mais complicada. Fomos a favor do impeachment. Fui dos mais
reticentes - e a todos os impeachments, mesmo do Collor. É traumático. É um
processo que abala. Mas não acho que o PSDB tenha sido incoerente nisso. Quanto
ao resto, ele tem razão.
João Doria e Alckmin tiveram um momento tenso. Alckmin disse
não ser traidor, em referência a Doria. Como o sr. avalia?
Tenho certeza que Geraldo não é traidor. Não é do estilo
dele. A eleição não está resolvida. O Doria ainda tem de disputar para saber
qual será o grau de projeção dele. Não estou de acordo em apoiar o Bolsonaro.
Não corresponde à minha história e ao meu sentimento. Não são os militares
voltando ao poder, mas o povo abrindo espaço para a possibilidade de uma
presença militar mais ativa. Os militares entenderam a função deles na
Constituição. Neste momento é muito importante defender o que está na
Constituição. Não estamos mais na Guerra Fria. As pessoas olham para o que está
acontecendo no Brasil como se fosse 1964 e 1968. Havia Guerra Fria e
capitalismo contra comunismo. Não é essa a situação que vivemos. Temos de
resistir a qualquer tentativa de ferir os direitos fundamentais assegurados na
Constituição. O PSDB não deve abrir mão da defesa da democracia.
E sobre a guinada liberal no PSDB que Doria defende?
Essa é uma questão do século 18. Estamos no século 21. Hoje
você não tem mais a possibilidade de imaginar mercado sem regulamentação. Fake
news? Tem que regulamentar. Você não pode pensar que o Estado vai substituir a
iniciativa privada. Ninguém propõe controle social dos meios de produção. No
passado, era isso que definia esquerda e direita. Liberal quer dizer o quê? É
um falso problema.
O sr. disse quando era senador que a extinção do PSDB podia
ser parte da solução para mudar o sistema partidário.
O sistema partidário e eleitoral que montamos a partir da
Constituição de 1988 se exauriu. A prova é a fragmentação partidária. Nós temos
mais de 20 partidos no Congresso, mas não há 20 posições ideológicas. Os
partidos viraram quase corporações. São grupos de parlamentares que se
organizam e obtêm o Fundo Partidário e tempo de TV. Estamos assistindo à
explosão desse sistema. Portanto, acredito que sim, será preciso repensar essa
estrutura.
Pode-se deduzir que do PSDB poderá nascer um novo partido?
Eu não diria o PSDB, mas é preciso mudar as regras
partidárias. Você não faz partido porque gosta. Quais serão as ideia-força
capazes de reagrupar partidos? Não é questão puramente legal, mas de existirem
ideias e líderes que debatam essas ideias. Os partidos perderam o sentido
originário. Com informações do Estadão Conteúdo.
Texto e imagem reproduzidos do site: alonews.com.br
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