Publicado na edição impressa de VEJA e no Blog Fatos, em 16/12/2018
Quem ganhou
Por J.R. Guzzo
Está havendo muito espanto, e até bem mais do que isso, cada
vez que o novo presidente Jair Bolsonaro anuncia algum nome para o ministério
ou o primeiro escalão do seu governo. Alguns, para dizer a verdade, são aceitos
sem muita conversa — gente para o Banco Central, o Ministério da
Infraestrutura, a chefia do Tesouro Nacional etc., mesmo porque boa parte do público
nem sabe que existe um Tesouro Nacional. São coisas sérias, chatas e, fora os
próprios interessados nos cargos, quem vai discutir para valer por um negócio
desses? Não dá bem para ver, realmente, nenhuma briga de foice por causa do
novo secretário-geral adjunto da Fazenda, por exemplo, ou algo parecido —
também não se veem, nesses casos, amizades íntimas que explodem, rixas de morte
dentro das famílias ou bloqueios tempestuosos no Facebook, como se tornou praxe
na campanha eleitoral. Mas assim que aparece uma nomeação mais vistosa,
daquelas que mexem com os chamados “grandes temas nacionais”, o tempo fecha. Os
surtos de irritação, impaciência e nervosismo que têm acompanhado o anúncio dos
nomes se concentram, até agora, numa questão básica: como é que foram escolher
um sujeito desses? O novo ministro das Relações Exteriores, por exemplo, foi
descrito pelos cientistas políticos praticamente como um doente mental. O da
Educação se viu mais ou menos acusado de acreditar que a Terra é plana. A
ministra “da Mulher”, ou coisa que o valha, é outro objeto de assombro.
O que está acontecendo? A resposta é: não está acontecendo
nada. Ou melhor, está acontecendo exatamente aquilo que tinha de acontecer. No
último dia 28 de outubro, o deputado Jair Bolsonaro ganhou as eleições para
presidente da República e, dali por diante, passou a escolher para o governo o
tipo de pessoa que o seu eleitorado quer ver lá — ou, pelo menos, as pessoas
que ele imagina serem as mais capazes de fazer as coisas que prometeu aos 58
milhões de brasileiros que votaram nele. Forçosamente, se você não gosta do que
Bolsonaro propôs para o Brasil do começo ao fim de sua campanha eleitoral, e em
seus trinta anos de vida pública, também não pode gostar das figuras que ele
tem escolhido para ajudar no governo. Não há outro jeito. Como poderia haver?
Se o novo presidente estivesse colocando nos ministérios figuras aplaudidas,
aprovadas ou aceitáveis por quem votou contra ele, alguma coisa estaria
profundamente errada na história toda. Quem está contra Bolsonaro, e há muita
gente contra, tem mais é que não gostar mesmo das escolhas feitas por ele. Quem
tem de gostar são os que estão a favor do novo presidente — e há mais gente a
favor do que contra, razão, aliás, pela qual é Bolsonaro, e não Lula, quem está
nomeando os ministros. Fazer o quê, a esta altura? Esperar que o governo
comece, só isso. Aí, sim — se os escolhidos não fizerem o que foi combinado na
campanha, ou fizerem mal, haverá toda a razão para dizer que suas nomeações
foram um desastre.
O ministro nomeado para o Itamaraty, Ernesto Araújo, ilustra
bem esse curioso descompasso entre o resultado da eleição e a condenação do
ministério de Bolsonaro pela crítica. Araújo acha que o Brasil deve ter os
Estados Unidos como o principal aliado em suas relações exteriores. Não gosta
de Cuba, da Venezuela nem de ditaduras africanas, tampouco de que recebam
dinheiro de presente do BNDES. Desconfia de toda essa constelação internacional
de doutrinas que vê com alarme o agronegócio no Brasil, quer que os países
abram suas fronteiras à imigração ou imagina um mundo governado por comitês da
ONU e burocracias do mesmo gênero. Mas não é justamente tudo isso que o
eleitorado de Bolsonaro espera de um novo Itamaraty? Os brasileiros que
gastarão 20 bilhões de dólares em viagens ao exterior em 2018 vão para os
Estados Unidos e o mundo capitalista, não para a Guiné Equatorial ou a Faixa de
Gaza — quem gosta desses lugares é o ex-chanceler Celso Amorim, só que ele está
do lado que perdeu. A população, na verdade, nem sabe quem é esse Araújo; o que
sabe, isso sim, é que os Estados Unidos dão mais certo que a Palestina. Se o
novo ministro também acha isso, ótimo.
Da mesma forma, criou-se grande escândalo em torno da
ministra Damares Alves — ela é contra o aborto, acha que há meninos e meninas,
e não “meninxs”, e é a favor do ensino religioso, que existe no Brasil desde o
padre Anchieta. O novo ministro da Educação é considerado um homem da Idade da
Pedra por ser contra a escola “com partido” — e assim por diante. Queriam o
quê? Outro ministério, agora, só com outra eleição.
Texto e imagem reproduzidos do Facebook/J.R. Guzzo
Nenhum comentário:
Postar um comentário