Publicado originalmente no site da Agência Brasil EBC, em 10/10/2018
"Sou resultado do movimento de luta", diz 1ª
indígena eleita deputada
Joênia Wapichana assume como deputada federal por Roraima em
2019
Por Alex Rodrigues –
Repórter da Agência Brasil Brasília
Os 8.491 eleitores que votaram na candidata a deputada
federal por Roraima Joênia Batista de Carvalho elegeram a primeira mulher
indígena para a Câmara dos Deputados, desde que esta foi criada, em 1824 – ano
em que a primeira Constituição brasileira foi promulgada, sem qualquer menção à
existência e aos direitos dos índios brasileiros. Há 31 anos, desde que o
cacique xavante Mário Juruna deixou o Congresso Nacional, em 1987, um índio não
era eleito deputado federal.
Aos 43 anos, Joênia Wapichana é pioneira da causa indígena e
milita desde 1997, quando se tornou a primeira mulher índia a se formar em
Direito, na Universidade Federal de Roraima. Em 2008, tornou-se a primeira
indígena a falar no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), defendendo a
legalidade da homologação dos limites contínuos da Terra Indígena Raposa Serra
do Sol, em Roraima. Após isso, viajou para os Estados Unidos, onde fez mestrado
na Universidade do Arizona.
“Sou o resultado de sonhos e de investimentos de outras
lideranças indígenas que planejaram ver a nós, indígenas, conquistar diversos
espaços. Do movimento indígena que luta para conquistar espaços”, disse Joênia
à Agência Brasil, nesta quarta-feira (11). “Nada para nós foi fácil. Nem
alcançar o reconhecimento de nossa terra; nem eu me formar na faculdade de
Direito; nem fazer uma defesa no STF e, muito menos, assumir este espaço tão
importante e necessário no Congresso. Se sou uma pioneira, é graças aos povos
indígenas, ao nosso movimento e aos esforços de cada povo e pessoa que acreditou
nisso.”
Ao lutar pela demarcação das terras indígenas e pelo
desenvolvimento sustentável destas reservas, Joênia decidiu disputar uma
cadeira na Câmara dos Deputados ao constatar a necessidade dos povos indígenas
se fazerem representados no Congresso. Filiou-se à Rede Sustentabilidade e fez
campanha com pouco mais de R$ 170 mil: do Fundo Partidário, recebeu R$ 150 mil;
os outros cerca de R$ 22 mil vieram de apoiadores “índios e, principalmente,
não-indígenas” que contribuíram por meio de um site de financiamento coletivo.
Ao conceder esta entrevista, por telefone, Joênia estava às voltas com a
burocracia da prestação de contas ao Tribunal Regional Eleitoral de Roraima
(TRE-RR).
Candidaturas indígenas
A vitória da advogada foi fruto de um movimento em prol do
lançamento de candidaturas indígenas comprometidas com propostas de políticas
públicas capazes de assegurar os direitos dos índios, como o direito à terra, à
gestão sustentável de seus territórios, à saúde, à diferença entre outros. A
proposta foi apresentada durante plenária do Acampamento Terra Livre 2018, no
fim de abril, em Brasília.
“As candidaturas não são pela busca do prestígio e sim para
conseguir igualdade de oportunidades, para decidir sobre as vidas indígenas,
para discutir e decidir o que é melhor para o povo”, disse, na ocasião, Sônia
Bone Guajajara, que foi candidata à vice-presidência da República pelo PSOL.
Após a eleição de Joênia, a Fundação Nacional do Índio (Funai) divulgou uma
reportagem em que afirma que o resultado representa uma conquista não só “para
os povos originários, mas para todas as mulheres do Brasil”. A representante
indígena é uma das 77 mulheres eleitas para a Câmara dos Deputados – número que
representa apenas 15% do total de 513 deputados federais com assento no
Congresso.
“Estou muito feliz e ciente da responsabilidade. Neste
cenário político, é necessário e importante os povos indígenas estarem
representados no Congresso Nacional”, afirmou a futura deputada, prometendo
atuar para além da defesa dos interesses indígenas. “Vou levantar a bandeira
dos povos indígenas, mas também a defesa dos direitos coletivos no sentido mais
amplo; dos direitos sociais, como educação, saúde, segurança, meio ambiente e
cultura”, acrescentou Joênia, destacando a importância de os parlamentares
fiscalizarem a aplicação dos recursos públicos pelo Poder Executivo como forma
de combate à corrupção e a má-utilização das verbas disponíveis.
Propostas
Entre os projetos que pretende encampar tão logo assuma, em
fevereiro de 2019, Joênia cita o Estatuto dos Povos Indígenas, “engavetado há
vários anos”, e propostas que tragam melhorias para as comunidades indígenas,
com ênfase em políticas públicas que promovam a autonomia feminina e a
sustentabilidade das atividades tradicionais. “Muitas mulheres são as únicas
responsáveis por suas famílias. É preciso empoderá-las por meio de políticas
públicas que as incluam em projetos de gestão do território indígena e dos
recursos naturais disponíveis. Hoje, por exemplo, há poucos programas de incentivo
à agricultura indígena, atividade da qual as mulheres indígenas participam
diretamente”
Ao afirmar que recebeu muitos votos de não-índios, a
advogada também cita a importância de uma solução que garanta o abastecimento
energético para Roraima – único estado não interligado ao sistema nacional e
que depende da energia fornecida pela Venezuela – e a reforma política.
“Não vai ser fácil nosso trabalho. Vivemos um momento
crítico, em que garantias constitucionais estão em risco. Não só para os povos
indígenas, cujo direito de terem suas terras demarcadas e protegidas é
descumprido, mas para os direitos sociais em geral. Há uma forte tentativa de
emplacar retrocessos e isso afeta a todos os cidadãos”, critica a advogada, ao
se posicionar contrariamente ao teto para os investimentos públicos por 20
anos, que condiciona o aumento das despesas do Governo Federal à inflação.
Para a deputada, o fim dos conflitos por terras entre índios
e não-índios só será alcançado com a demarcação das áreas reivindicadas cujos estudos
antropológicos comprovarem se tratar de terras tradicionais indígenas. “Tem que
concluir todos os levantamentos fundiários pendentes; fazer com que as partes
compreendam a importância disso; indenizar quem tiver direito a ser indenizado
e reafirmar os procedimentos legais demarcatórios, já que coloca-los em dúvida
só aumenta a insegurança jurídica, tanto para as comunidades indígenas, como
para as comunidades não-indígenas. A demora da conclusão destes processos é o
que gera violência”, concluiu Joênia.
Texto e imagem reproduzidos do site: agenciabrasil.ebc.com.br
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