Bolsonaro não sabe o que fazer com o país porque não foi eleito com base em um projeto,
diz FHC (Foto: FELIX LIMA/BBC NEWS BRASIL)
Publicado originalmente no site da revista Época Negócios, em 04/04/2019
FHC: Governo Bolsonaro é pior do que eu imaginava porque
'não vi nada' até agora
Por BBC News Brasil
No fim de 2018, quando perguntado sobre suas expectativas em
relação ao governo de Jair Bolsonaro, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
era cauteloso: dizia que era preciso esperar as ações do líder recém-eleito
para avaliar se seus "temores" se confirmariam.
Hoje, há três meses sob a nova administração, o tucano é
mais taxativo. Bolsonaro, diz, é pior do que ele esperava. Quase cem dias
depois da posse, o sociólogo de 87 anos afirma não ter visto "nada"
do governo.
"Por que ele foi eleito? Ele falou temas que
sensibilizaram: violência e corrupção, basicamente. Temas que pegaram a onda.
Mas ele não disse 'eu vou fazer um Brasil de tal a qual modo'. Tanto que agora
ele não sabe o que vai fazer. Vai mudar o quê?", diz, em entrevista à BBC
News Brasil na sede do Instituto FHC, no centro de São Paulo.
Para o ex-presidente, a nova gestão está sem rumo. As
falhas, na sua análise, são muitas: falta projeto para o país, falta aprender a
se relacionar com o Congresso, falta até se comunicar com a população para
explicar medidas consideradas fundamentais pelo governo, como a reforma da
Previdência.
Ele cita a experiência do Plano Real, quando, como ministro,
liderou a articulação em prol da aprovação da proposta. "Não tinha medo de
bicho papão. Fui falar do Plano Real até no programa Silvio Santos", diz.
"Na reforma da Previdência, o presidente tem que se meter. Ou algum
ministro que seja quase presidente."
Paulo Guedes sem sessão da CCJ, da Câmara; para FHC, ele age
como
professor com os parlamentares, não como político
(Foto: FABIO RODRIGUES
POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL, via BBC)
Mesmo o ministro da Economia, Paulo Guedes, que foi duas
vezes ao Congresso tratar da reforma da Previdência, esbarra no tom de
"professor" ao falar com os parlamentares, diz FHC.
"Fui ouvir o debate com o ministro da Economia no Senado.
Bom, ele dizia coisa com coisa, né? Abstratamente. Agora, quando chegava o
negócio da política, ele dizia 'mas não é meu terreno'. Como não é seu terreno?
Ou tem o terreno da política ou não existe a transformação do governo num
objetivo e num processo."
Distante das atividades do PSDB desde que deixou a
Presidência ("nem sei onde fica o diretório"), mantém contato com
alguns de seus pares na sigla. Os mais frequentes, diz, são o ex-governador
Geraldo Alckmin e os senadores Tasso Jereissati e José Serra. "E o
(governador João) Doria, mais raramente..."
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil - No seu último livro, o senhor fala
bastante sobre seu exílio durante a ditadura, período em que perdeu seu pai, e
foi até aposentado compulsoriamente da USP. Como viu a divulgação do vídeo em
defesa do golpe militar pelo Planalto?
Fernando Henrique Cardoso - É uma coisa historicamente
inconsequente, né? E era também uma vontade que corresponde a esse tipo de
coisa do [Donald] Trump, de idealizar o passado. Dizer "não foi assim, foi
diferente". Quem passou pela época sabe. Começa pela imprensa.
Olha, trabalhei num jornal chamado Opinião, da imprensa
nanica, como se chamava. Como é que se fazia? Você escrevia um artigo e às
vezes vinha o redator-chefe e dizia "olha, essa frase não passa".
Quantas vezes no jornal não saíam poesias, que era a maneira de dizer "fui
censurado"?
Então você dizer hoje que não houve ditadura, que não houve
um movimento de controle da liberdade é completamente desassisado. Por que se
diz? Porque a política não é feita por historiadores, é feita por personagens
ativos, incentivando o medo.
FHC diz que há militares, mas não uma força armada no
governo,
e a volta de um regime ditatorial (Foto: REUTERS/UESLEI MARCELINO, via
BBC)
BBC News Brasil - O senhor fica mais preocupado quando isso
vem institucionalizado, quando vem do Planalto?
FHC - Sim, claro que preocupa. Mas se você comparar com o
que aconteceu em 1964... Em 1964, havia Guerra Fria. Era uma realidade, não era
uma invenção. Havia um alinhamento político ora para um lado, ora para o outro.
Hoje não tem essa realidade. Mesmo que venha do Planalto, como você vai
assentar essas coisas que o Planalto quer colocar como verdade? No passado,
tinha [uma forma], porque de fato havia briga, havia União Soviética, hoje não
tem.
Você vai dizer o quê? O perigo vem da China? A China está
preocupada em vender o que produz.
BBC News Brasil - Ao falar sobre as novas versões históricas
a respeito do golpe de 1964, o senhor disse que elas são prejudiciais para o
futuro do país. Muito se discute hoje sobre ameaças à democracia brasileira. Vê
esse risco?
FHC - Sobre o Brasil, quando as pessoas dizem o que você
acabou de me perguntar, querem dizer o seguinte: há o perigo de um regime sem
liberdade. Sempre há, você tem que prestar atenção. Mas não acho que possamos
comparar com 64 porque em 64 havia um confronto real entre concepções do mundo
ancoradas em Estados, simbolicamente a União Soviética e os Estados Unidos.
Você tem diferenças no mundo hoje, mas não tem mais ideologias ancoradas só num
Estado. É mais difuso.
Por outro lado, no passado, os partidos de esquerda e de
direita tinham não só uma ideologia como se organizavam. Eles queriam
representar interesses de classe. Não há isso no Brasil de hoje. Estive
recentemente na Europa e era uma dificuldade, porque os jornalistas me
perguntavam na pressuposição de que isso existia. E não há.
Quem votou por A, B ou C no Brasil, não votou numa concepção
orgânica, votou numa pessoa que emitiu sinais que captaram o sentimento.
Presidente precisa "se meter" na reforma da
Previdência, diz FHC
(Foto: REUTERS/RONEN ZVULUN, via BBC)
BBC News Brasil - O senhor está falando de Bolsonaro?
FHC - É. Ou de outro qualquer. Quem votou no Bolsonaro, por
exemplo. Por que ele foi eleito? Ele falou de temas que sensibilizaram:
violência e corrupção, basicamente. Temas que pegaram a onda. Mas ele não disse
"eu vou fazer um Brasil de tal a qual modo". Tanto que agora ele não
sabe o que vai fazer. Vai mudar o quê?
BBC News Brasil - Logo depois que o presidente Bolsonaro foi
eleito, o senhor falou que as ações dele iriam desmentir ou confirmar os
temores despertados no senhor na época. E hoje?
FHC - Meu temor é o seguinte: não é só sobre o Brasil. Como
eu disse, está difícil a noção de representatividade e democracia. Aqui é meu
temor hoje é outro, é a falta de qualquer coerência.
BBC News Brasil - No governo?
FHC - No governo. Não estou com temor de que acabe a
liberdade de imprensa. Não tem força para isso. Claro que vai depender da
reação da sociedade, sempre. Não se pode fechar os olhos e dizer "deixa
então". Tem que se opor, porque se não se opuser, as coisas vão se
organizando.
Vamos falar em coisas concretas. Você tem uma enorme
quantidade de militares no governo, em geral da reserva. Mas não tem um
Exército, uma força armada no governo. Não houve uma tentativa de uma
corporação tomar conta e dar um certo rumo. Não é a mesma coisa. Em 1964, houve
uma ocupação com uma ideologia, tinha uma cabeça. O general Golbery [do Couto e
Silva, um dos principais articuladores da ditadura militar] não era nenhum
desinformado, ele tinha uma linha. Aqui não tem, é uma coisa mais precária.
Não acho que estejamos na ameaça concreta de uma força
organizada tomar conta do poder. O que não quer dizer que não seja um risco,
porque você precisa ter alguém para apontar um caminho. Com muita confusão, as
coisas ficam difíceis, porque o mundo está avançando.
Qual é a briga dos Estados Unidos com a China hoje? Não é só
comunismo e democracia. É quem domina melhor a tecnologia, o que faço com ela.
Ex-presidente diz que esperava "um caminho" do
governo Bolsonaro,
algo que não viu até agora (Foto: MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA
BRASIL, via BBC)
BBC News Brasil - Em seu último livro, o senhor fala que o
Brasil sempre teme perder oportunidades. Estamos perdendo?
FHC - Estamos perdendo oportunidades. Num mundo difícil,
confuso, você tem que ter algum objetivo e estratégia. Se nos perdermos no que
se chama de "curto-prazismo", não acontece nada. O que vai ser daqui
a dez anos? Daqui a 20? O que eu quero fazer? Quero mandar o homem para Lua? Eu
quero fazer o quê? [...] Alguma coisa mais concreta para que você possa
orientar o sentimento e o comportamento das pessoas em uma certa direção.
BBC News Brasil - Mas em relação aos temores que o senhor
mencionou, esses três meses foram melhores ou piores do que tinha imaginado?
FHC - Acho que piorou no seguinte sentido: não vi nada.
BBC News Brasil - É pior do que o senhor esperava?
FHC - É.
BBC News Brasil - O que o senhor esperava?
FHC - Um caminho. Vamos pegar uma coisa concreta. O setor
econômico do governo parece ter um caminho, posso concordar ou não, mas é um
caminho. Só que não vi esse caminho se transformar numa realidade congressual.
E vivemos numa democracia, não adianta eu saber. Tem que fazer com que os
outros estejam de acordo e votem do meu lado. Não vejo organização no Congresso
para isso.
Fui ouvir o debate com o ministro da Economia no Senado.
Bom, ele dizia coisa com coisa, né? Abstratamente. Agora, quando chegava o
negócio da política, ele dizia "mas não é meu terreno". Como não é
seu terreno? Ou tem o terreno da política ou não existe a transformação do
governo num objetivo e num processo. Só se transforma num processo quando você
atua sobre os outros e tem o consentimento, a adesão dos outros.
Nos outros setores, [fora o econômico] você não vê nada.
Você uma coisa idílica... Escola Sem Partido. Não tem que ter partido em escola
mesmo, não cabe, mas traduzem isso de uma maneira antiquada. Todo mundo tem
ideologia mesmo, de um jeito ou de outro. Você influencia o aluno queira ou não
queira, mas você não pode organizadamente inculcar uma ideia no aluno. Sou
contra isso aí. Mas a ideia do Escola Sem Partido é outro partido. Então, você
vai tirar o evolucionismo e botar o criacionismo... Tenha paciência.
BBC News Brasil - O senhor citou recentemente a
possibilidade de queda de um presidente que não entende como se articula o
Congresso. O senhor está falando de Bolsonaro? Vê risco de queda?
FHC - Sempre existe. Sempre fui, pessoalmente, muito
renitente à ideia de impeachment. Lembro-me do caso do presidente Lula, por
causa do mensalão. Quando o tema veio à baila, eu era contrário. Não porque
tivesse dúvida quanto ao mau procedimento e ao combate do mensalão, mas digo
"meu Deus, vamos colocar para fora da Presidência um homem que foi líder
sindical, ganhou as eleições, que tem enraizamento popular"? Isso deixa
uma marca na história.
Na minha cabeça, naquela época, eu comparava com Getúlio
Vargas. Eu era menino no tempo do Getúlio, quando derrubaram o Getúlio. Vocês
não imaginam a tensão que havia na política brasileira, na vida brasileira,
entre Getúlio e anti-Getúlio, nas famílias, era uma coisa insuportável. Eu
disse "bom, vamos repetir isso aqui?". Historicamente não é bom.
No caso da Dilma Rousseff, nunca fui fanático pelo
impeachment, embora houvesse elementos, como havia no caso do Lula. Porque você
tem que pensar que é uma coisa complicada. Depois da Constituição de 88,
eleitos pelo voto direto foram: o Collor, que sofreu impeachment. Eu, que
consegui (concluir dois mandatos). O Lula conseguiu, mas está na cadeia. A
Dilma sofreu impeachment. E agora o Bolsonaro.
É uma coisa complicada do ponto de vista nacional. Por que
alguns conseguiram? Eu fiquei oito anos, na verdade fiquei dez porque no tempo
do Itamar eu tinha muito controle. O Lula ficou mais que oito, porque no tempo
da Dilma ele tinha controle. Por quê? Porque, de maneiras diferentes, tanto eu
como o Lula conhecíamos as forças da sociedade. Se você não entender a
diversidade e necessidade de ter apoio, você perde a força. E quando é o
impeachment? Quando não tem apoio.
Congresso pode dar "pinote" em presidente que não
souber convencê-lo,
diz FHC (Foto: JOSÉ CRUZ/AGÊNCIA BRASIL, via BBC)
BBC News Brasil - Apoio que se consegue com articulação
política.
FHC - É, articulação. É uma questão em todos os governos,
não só no Brasil. Mesmo nas ditaduras você tem que ter apoio. Pega a ditadura
aqui no Brasil, não tinha apoio? Tinha. Pode não ser o apoio que você deseja,
não é voto, mas tem que ter apoio em alguns grupos da sociedade. Aqui temos um
regime democrático, que precisa de voto, e os parlamentares nesse regime têm
peso. E temos tremenda dificuldade hoje com uma fragmentação partidária sem
tamanho; quando você não tem essa fragmentação é mais fácil discutir o apoio.
Como você discute apoio? A pior maneira feita aqui foi
comprar, com dinheiro, que é insustentável e corrompe tudo, não só as pessoas
como as próprias instituições. Mas você tem que negociar; você está de acordo?
Quem está do meu lado? Se você estiver de acordo, você vai ser ministro. Mas no
Brasil se criou a ideia de que fazer acordo é crime, corrupção. Aí não tem como
governar, só com a ditadura. Como é que faz: quem ganhou manda?
Sempre disse isso: tem que ser com base em um programa.
Quando não tem programa, e esse programa não tem apoio da sociedade, o governo
fica muito frágil, e o Congresso derruba.
BBC News Brasil - O senhor vê esse risco para Bolsonaro, de
não terminar o mandato?
FHC - Espero que não, porque o Brasil precisa de
continuidade, precisa que as instituições se reforcem. Então não torço por esse
lado, nem estou vendo que isso possa ocorrer já. Não gostaria que isso
ocorresse, na verdade, por questões históricas. Mas acho que o governo tem que
andar depressa.
Costumo fazer uma comparação grosseira, do cavalo e o
cavaleiro. O Congresso e o Executivo é a mesma coisa. O Congresso fica te
olhando lá: "esse cara não sabe montar a cavalo, e se não sabe, vou dar um
pinote". E de repente dá um pinote e te tira. Então você tem que estar o
tempo todo tentando convencer o Congresso e o povo de um certo caminho.
Como é que você convence o Congresso? Tendo apoio popular
fica mais fácil, porque o Congresso pensa na própria eleição. Segunda parte:
você tem que compartilhar o poder e ter objetivos - o que estou propondo, o que
vou fazer. Pega uma coisa essencial para o Brasil, a reforma da Previdência.
Por que é essencial? Porque daqui a pouco o governo vai ter que emitir moeda,
volta a inflação.
Já no meu tempo tentamos fazer [a reforma da Previdência],
conseguimos um pouquinho. Cada um fez um pouquinho. Pouco a pouco, até no
momento atual, a população começa a entender isso.
Para fazer uma reforma você tem que gastar muita saliva, e
explicar muito para a população o porquê, para ganhar o apoio. Para o Congresso
também te apoiar. O caminho mais fácil é você cooptar o Congresso, seja com
cargos, seja com dinheiro. Mas não é o melhor. O melhor é você ter capacidade
política para ganhar a luta na agenda. O que eu fiz no tempo do Real? Eu falei.
FHC como ministro da Fazenda, durante implantação do plano
Real; ele diz que
governo precisa explicar reforma à população (Foto: VT FREEZE
FRAME/BBC)
BBC News Brasil - O senhor disse em entrevistas que, no
processo de aprovação do Plano Real, assumiu o papel de articulador como
ministro da Fazenda quando o presidente Itamar Franco preferiu ficar de fora.
Esse é um modelo que poderia funcionar para a reforma da Previdência? Guedes
poderia ser o "FHC" de Bolsonaro?
FHC - Não do jeito que ele está pensando. Ele tem que ser
político.
Eu era senador, então eu ia às bancadas todas do Congresso e
discutia inclusive com a oposição, não tinha medo de bicho papão, os
enfrentava. E eu falava na televisão. Vou dar um exemplo: eu fui convidado uma
vez para falar sobre o plano Real no programa Silvio Santos. Cheguei lá no
barracão na marginal do rio Tietê, onde era o estúdio. Silvio estava em uma
salinha fazendo maquiagem e me chamou lá. Ele me dizia: repete. Eu repetia. Ele
falava "ih, vai ser um desastre, não vão entender nada".
Ele acabou a maquiagem e entramos em um salão do auditório.
Ele me disse "olha, minha audiência tem uma idade mental de 12 anos. Em
média". Ele foi lá e deu um show. Explicou muito melhor e mais
apropriadamente do que eu seria capaz, para o auditório dele, o que era o Plano
Real, a URV. Mas fui lá falar com ele. A questão de obter apoio implica em
explicar.
Guedes não pode dizer que "política não é seu
terreno" ao conversar com o Congresso,
diz ex-presidente (Foto: EVARISTO
SA / AFP, via BBC)
BBC News Brasil - E no que o senhor vê falhas em Guedes? Ele
foi falar no Congresso…
FHC - Sim, foi lá responder, respondeu bem, como um
professor. Não falei como professor, falei como político. Se você falar como
professor é uma coisa: quem entende é quem está na aula. E quem não está em
aula? Não estou dizendo que Guedes não seja capaz, estou falando que, até
agora, não vi ninguém que explicasse dessa maneira.
Sendo líder, você tem que traduzir de maneira que as pessoas
sintam. Está faltando isso. Não é propaganda, é a crença de que o líder vai
fazer aquilo. Alguém vai ter que assumir esse papel. Vou dar um exemplo que eu
gosto muito, do Lula, no Palácio da Alvorada, falando sobre poluição.
"[Ele disse:] a poluição, vocês sabem, vem lá de cima.
A Terra é redonda e ela gira. Se ela fosse plana, a poluição seria um problema
deles, porque são eles que poluem. Mas como ela gira, cai na nossa cabeça;
então nós temos que proteger o meio ambiente". Ele explicou. Fundamento
científico zero, mas a maneira de dizer "atenção, porque isso pega em você
também" é assim.
BBC News Brasil - O governo está gastando saliva nos lugares
errados?
FHC - Sou prudente nessas coisas. Acho que tem que dar um
pouco de tempo ao tempo para ver como o governo vai atuar. O estilo de
comunicação que vejo no presidente é a internet. Não é minha área, não sei
dizer se está funcionando, se não está funcionando.
Mas quando sai da internet e vai falar, é um estilo mais
"o homem comum". Pode pegar? Pode. Mas precisa falar, repetir, de uma
maneira mais fácil, mais direta. Na reforma da Previdência, o presidente tem
que se meter. Ou algum ministro que seja quase presidente, que a gente saiba
que quando ele está falando, está falando pelo governo. Isso não é só aqui, é
no mundo todo onde há democracia.
BBC News Brasil - Mas o presidente tem declarado que ele já
fez sua parte ao entregar a proposta ao Congresso. Disse que, por ele, nem
seria favorável à reforma.
FHC - Acho que ele está errado. Isso está errado. É porque
ele vem de uma corporação e todas as corporações ficam com preocupação quando
muda a Previdência, eu entendo. Sou de uma família que tem muitos militares.
Você não imagina a dificuldade que eu tive com a reforma da Previdência, [com]
minha irmã, meus irmãos. [Eles diziam:] 'meu pai contribuía, tenho direito'. E
o que eu dizia? Eu lavo as mãos? Alguém vai ter que botar a mão na massa.
BBC News Brasil - Como os empresários e o mercado têm
percebido o governo nessa situação?
FHC - Não tenho tanta familiaridade, mas o que posso dizer
é: o mercado e o Congresso têm uma conversa de surdos. Um não entende o outro e
adivinha, aposta. Muitas vezes o mercado aposta que vai haver tal coisa que é
inviável, e o Congresso é absolutamente insensível ao nervosismo do mercado.
Então é por isso que precisa de alguém que faça pontes, explique.
FHC diz que teve "escolinha de presidente" por ter
sido líder do governo Sarney,
nos anos 1980 (Foto: ANTONIO CRUZ/ABR, via BBC)
BBC News Brasil - Na semana passada, a revista britânica The
Economist chamou Bolsonaro de "aprendiz de presidente", dizendo que
faltava a ele conhecimento sobre o próprio emprego. O senhor concorda?
FHC - Não estou lá próximo para saber como ele tem
desempenhado. O que vi foi em Davos, [quando] perdeu uma oportunidade. Agora
foi lá para Israel e prometeu que ia abrir uma embaixada, recuou para abrir um
escritório, provavelmente desagradou aos dois lados. Nos EUA, ele foi muito
pró, foi pró demais.
Acredito que tem que se dar tempo ao tempo. A verdade é que
ele esteve por muitos anos no Congresso. Eu tive escolinha de presidente:
porque eu fui líder [durante o governo] Sarney, depois veio Itamar que era meu
colega, vi [a política] mais de perto. Não é necessário isso, o Lula nunca foi
tão perto e aprendeu. A Dilma não aprendeu. Para você ver que tem alguma coisa
que depende do estilo da pessoa. Mas acho que é cedo para dizermos "é
assim". E temos um ministro do Exterior que quando fala, complica, né...
(risos).
BBC News Brasil - O senhor já declarou que não está vendo
oposição ao governo.
FHC - Só de dentro do próprio governo.
BBC News Brasil - Durante a eleição, o senhor disse que não
apoiaria nem Bolsonaro nem o PT, por tratarem-se de "dois extremos",
e foi criticado por não ter se posicionado. Só se disse oposição em janeiro.
FHC - Eu nunca apoiei o Bolsonaro, não era isso. Mas estou
em uma situação difícil. O PT deu com os burros n'água, levou o Brasil a um
desastre enorme. As ideias não mudaram, eu não quero.
Por outro lado, eu não acreditava também no voluntarismo do
Bolsonaro. Mas nunca apoiei. Não torço contra o Brasil, nunca. Não é que
necessariamente vai fazer bobagem, vamos ver. Tomara que não faça. Se fizer, eu
estou contra.
BBC News Brasil - Mas na sua análise dos primeiros três
meses…
FHC - É como eu disse, não vejo caminho.
BBC News Brasil - Nesta semana, Paulo Vieira de Souza,
acusado pelo MPF de ser operador de políticos do PSDB de São Paulo, assumiu ter
quatro contas na Suíça. O senhor acha que o PSDB pode voltar a se diferenciar
dos outros partidos em termos de ética?
FHC - Vamos ver, eu leio toda hora "o Paulo Preto é
operador do PSDB". Não é verdade. Quem é o tesoureiro do PSDB? Não sei,
não é uma figura importante, nem o Paulo Preto jamais foi ligado a um
tesoureiro do PSDB. Pode ter sido usado por pessoas do PSDB, o que é diferente
de constituir o elo entre a corrupção e o partido.
Agora, houve casos que comprometem o partido, a crítica
recai, todo o sistema foi alcançado por essas críticas. Qual vai ser o futuro
dos partidos? Ou se renovam efetivamente e têm lideranças que expressam essa
renovação ou vão continuar o que são: máquinas de fazer voto.
Sobre Lula, ex-presidente diz que não gosta de vê-lo na
cadeia, mas regras foram cumpridas
Foto: RICARDO STUCKERT FILHO/INSTITUTO
LULA/REUTERS, via BBC
BBC News Brasil - O senhor já disse que não gosta de ver o
presidente Lula preso.
FHC - Nem ele, nem nenhum.
BBC News Brasil - Agora vai fazer um ano da prisão dele.
Como vê esse processo?
FHC - Uma coisa é o sentimento pessoal: não gosto de ver
pessoas que eu conheço na cadeia. Mas, no Brasil, as regras existem. Está preso
porque foi condenado em segunda instância. Antigamente pela Constituição diziam
que você só poderia ser preso quando o processo transitasse em julgado.
O Supremo Tribunal voltou [com] uma interpretação que já
existia e diz o seguinte: [trânsito] em julgado quer dizer o quê? Quando você
vai em segunda instância e é a última na qual se apresentam provas sobre o
fato. A partir daí, a interpretação é jurídica.
Então pode prender, e depois apela da cadeia em questões
jurídicas. O Lula está preso de acordo com essas regras. Não posso ser contra
as regras, seria contra a democracia. Ele não está preso arbitrariamente.
Houve um arbítrio agora, houve. Quando prenderam o
presidente Temer, arbitrariamente, porque não havia, a meu ver, a necessidade
de daquele espetáculo.
BBC News Brasil - A bandeira Lula Livre, que a esquerda
defende, é uma arbitrariedade na opinião do senhor?
FHC - É uma bandeira, né, de luta política. Acho que a
partir de certa idade, digamos, de 70, 75 anos, fica preso em casa. Mas aí tem
que ser uma regra, não é para A, B ou C, não é porque foi presidente, é porque
tem a idade.
BBC News Brasil - Há uma crítica em relação à Lava Jato, da
espetacularização das prisões.
FHC - No caso do Lula, ele foi condenado. Vou dar um exemplo
de um que é do meu partido. Eduardo Azeredo, foi governador de Minas Gerais.
Foi condenado a 21 anos de cadeia. O que o Eduardo Azeredo fez? Houve um
alguém, um ex-ministro do Lula (Walfrido Mares Guia) e um presidente de uma
importante federação empresarial (Clésio Andrade) fizeram um contrato com o
governo dele para usar o dinheiro na campanha dele. Está errado. Preso está
ele, não estão os outros. Está injusto.
Mas ele está preso porque foi condenado, não posso sair por
aí [dizendo] "libere ele". É um momento triste do Brasil. Necessário,
porque a corrupção contaminou tudo, os partidos, as lideranças, a máquina
pública, as empresas. Necessário. Tem abuso? Pode ter, mas qualquer [abuso] tem
que ser coibido.
Texto e imagens reproduzidos do site: epocanegocios.globo.com
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