terça-feira, 26 de março de 2019

Aula de Fernando Henrique, para jovens de famílias empresárias

A respeito do governo atual, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se 
mostra preocupado com sua divisão (Foto: Marcos Alves/Agência O Globo)

Publicado originalmente no site da revista ÉPOCA, em 26/03/2019

'Criamos um horror à política, como se todos os acordos fossem espúrios’, diz FHC

Em aula para herdeiros, ex-presidente contou que, sem apoio da maioria do Congresso, já viu vários presidentes caírem

Por Aline Ribeiro

Fernando Henrique Cardoso chegou bem-humorado ao primeiro dia aula para jovens de famílias empresárias na tarde desta segunda-feira, dia 25, em São Paulo. Antes de entrar na sala, os herdeiros haviam perguntado à organização do programa Legado Para a Juventude Brasileira, criado em 2014 para formar novas lideranças empresariais, a forma mais adequada para se referir ao ex-presidente. Quando soube da dúvida, FHC brincou: "chamem de excelência!", disse ele, rindo. Embora o curso não tenha a política como eixo principal, nove das dez perguntas feitas pelos alunos ao ex-presidente tratavam exatamente da arte de governar. À vontade com a plateia, FHC não se esquivou de comentar a recente crise entre o governo e o Congresso em torno da aprovação da reforma da Previdência. "Vou fazer uma comparação grosseira: é o cavalo e o cavaleiro. No começo, o Congresso fica testando, para ver se o cavaleiro, o presidente, o governo, tem capacidade de andar a cavalo. Se não tiver, ele vai derrubar, ele dá um pinote", afirmou.

Na última semana, o presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), trocaram farpas públicas e deram início a uma crise que ameaça a aprovação da reforma da Previdência. Para o seleto grupo de jovens herdeiros, FHC ressaltou que, em momentos de indefinição econômica e estruturas partidárias frágeis como o atual, só uma liderança forte e moderadora é capaz de alinhar interesses e colocar o país de novo num rumo. Disse que a reforma é crucial para o governo se capitalizar e começar a governar. "Agora o Bolsonaro vai ter de fazer [a reforma]. Se não tiver maioria, não faz reforma. Se não fizer reforma da previdência, não tem dinheiro. E o mercado é o mercado. O mercado é cruel", disse FHC.

Como exemplo de bom negociador, FHC citou o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton. " Conversei sobre isso com o Clinton. Nos Estados Unidos, quando tinha uma votação importante, ele ficava o tempo inteiro pendurado ao telefone. Falando com cada deputado. E mais. Nos Estados Unidos tem um momento em que a votação para, a negociação para, e é ai que o presidente pressiona", lembrou. FHC enfatizou que, se o presidente Jair Bolsonaro quer fazer uma reforma da Previdência, precisa assumir o comando dela, mesmo que para isso seja necessário se desgastar. "Precisa ter capacidade de fazer coalizão, de ter apoio. Precisa de acordos. A política é isso. Aqui criamos um horror à política, como se todos os acordos fossem espúrios. Espúrios é se tem dinheiro no meio, quando não é para o bem do país. Tirando isso, tem de fazer acordo. Como governa sem maioria? Não governa, cai".

FHC enumerou os vários presidentes que já viu cair. O primeiro deles foi Jânio Quadros [1961], que perdeu sua base de apoio político e social ao adotar uma política econômica austera e uma política externa independente. Quadros ficou conhecido por falar a língua do povo. Costumava colocar pó nos ternos escuros para parecer caspa. Aos seus comícios, levava um rato numa jaula, símbolo da roubalheira, e uma vassoura, para varrer a corrupção. "Era uma pessoa talentosa, do ponto de vista de expressão política, mas sempre desprezou o Congresso. Ele achou que iria fazer uma manobra, que o Congresso iria recusar a renúncia dele porque o povo iria para a rua. Se ele perguntasse ao povo, o povo o mantinha. Mas não é por aí que um governante cai. Cai quando perde sustentação das forças organizadas".

O ex-presidente seguiu então sua lista de exemplos das consequências nefastas de uma relação conflituosa entre governo e Congresso com o ex-presidente Fernando Collor de Mello [1990-1992], a quem considera inteligente e pessoalmente atento. Disse que ele caiu "de bobo, porque é um bonecão". "Ele é soberbo, não se jogava na briga com o Congresso. Caiu sozinho". Então finalizou com a ex-presidente Dilma Rousseff [2011-2016], afastada do cargo por ser acusada do crime das "pedaladas fiscais", apelido para a manobra contábil feita pelo Poder Executivo para cumprir as metas fiscais, maquiando equilíbrio entre gastos e despesas nas contas públicas. "Como a Dilma perdeu? Claro que ela fez as pedaladas, mas não foi por isso. Ela perdeu porque não soube governar. Precisava de mais força para governar. Se o regime é parlamentarista, cai o gabinete. Se é presidencialista, é um problema. Tem impeachment". 

A respeito do governo atual, o ex-presidente se mostrou preocupado com sua divisão, que considera intimamente ligada com a falta de uma direção clara para o país. "Sou prudente, precisa dar tempo ao tempo. Mas o governo me parece…. Você tem o setor econômico com uma visão, que é abstrata. Você tem o setor atrasado, lutando contra diabos que não existem mais, contra o comunismo. Você tem os militares com sentido da realidade, conhecem o Brasil e são corporativos. Não se vê um comando que unifique tudo isso, por enquanto. Precisa convencer, precisa de gente capaz de liderar".

Abordado por ÉPOCA ao final da aula para comentar o cenário atual, FHC manteve o bom-humor.  "Você é jornalista? Estava aqui infiltrada?". Então ajustou o tom da fala sobre o temor de o governo não resistir à pressão do Congresso. "Precisa ter paciência, esperar um pouco. Não é fácil governar. Só não pode demorar, continuar como vai indo, senão complica". E o senhor acha que Bolsonaro corre risco de cair, como os presidentes que mencionou? "É difícil prever o que vai acontecer. Espero que não, porque cansa. O Brasil precisa de um pouco mais de constitucionalidade. Não votei no Bolsonaro, não tenho nada com isso. Mas ele ganhou a eleição. Tomara que faça alguma coisa".

Texto e imagem reproduzidos do site: epoca.globo.com

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