Ato em apoio ao governo de Jair Bolsonaro na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.
FABIO RODRIGUES POZZEBOM AGÊNCIA BRASIL
Publicado originalmente no site do jornal El País Brasil, em 28 de maio de 2019
Atos de domingo consolidam ‘bolsonarismo’ como um fenômeno,
assim como lulismo e chavismo
Manifestações demonstram que Bolsonaro conseguiu se
apropriar de um movimento anterior a ele e aglutinar sob seu nome uma base com
uma identidade política consolidada e alinhada à direita
Por Beatriz Jucá
Um mar de bandeiras e camisas verde-amarelas tomou conta das
principais avenidas do Brasil. De trilha sonora, o hino nacional. Em carros de
som, gritos contra o PT e os comunistas e o esclarecimento de que "nossa
bandeira jamais será vermelha". As cenas poderiam ter sido em qualquer
momento de 2015, quando atos pediam a saída de Dilma Rousseff do poder, mas
aconteceu no último domingo. Ao contrário de quatro anos atrás, quando não
tinham um líder definido, as de agora, entretanto, tinham nome e sobrenome:
Jair Bolsonaro. Mais do que lotar as ruas do país —os atos de domingo foram
menores que os pela educação na semana passada—, o grande trunfo do presidente
brasileiro no domingo foi conseguir com sucesso se converter em um fenômeno
sociopolítico, ao se apropriar de um movimento anterior a ele, e aglutinar sob
seu nome uma base com uma identidade política consolidada e alinhada à direita,
observam especialistas.
"É o fortalecimento de um projeto populista",
define o cientista político e professor da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), Paulo Baía. Segundo ele, o sucesso das manifestações em apoio
ao presidente mostram que ele tem uma forte base de apoio ligada diretamente à
sua personalidade. Baía analisa que o núcleo bolsonarista duro foi às ruas para
mostrar, em primeiro lugar, um "apoio integral" ao presidente e
abraçou de forma mais secundária pautas como a defesa à reforma da Previdência,
o apoio ao pacote anticrime do ministro Sérgio Moro e mesmo as críticas ao
Congresso Nacional e ao Judiciário.
O cientista político diz que o bolsonarismo tem semelhanças
ao lulismo, mas é mais similar a fenômenos como o chavismo na Venezuela e o
peronismo na Argentina. "São movimentos que dispensam organizações
clássicas da sociedade, falam diretamente com a população e utilizam de maneira
genérica a ideia de um nacionalismo", explica. Baía salienta que esse
nacionalismo não é reproduzido de forma conceitual, mas se configura sob uma
perspectiva mais ufanista, com o uso de símbolos como a bandeira nacional e o
hino, além do slogan Brasil acima de tudo. "É uma ideia de nação que eles
têm, centrada no combate à corrupção, que é o principal eixo deles, mas também
na ideia antissistema, que coloca o PT, o lulismo e o centrão como componentes
do sistema e corruptos. E eles se colocam como a antítese disso", afirma.
O movimento que ganha contornos mais definidos politicamente
em torno da figura de Jair Bolsonaro é anterior a ele. Nasce de simbologias e
temáticas levadas às ruas desde que pequenos movimentos como o Nas Ruas
começaram as campanhas contra o Partido dos Trabalhadores (PT), em 2011. O
antipetismo cresceu desde então, um tanto durante as manifestações de 2013 e
muito mais em 2015, quando foram realizados os atos pelo impeachment da
ex-presidente Dilma Rousseff. Os manifestantes intensificaram, nas ruas, o uso
de símbolos como a bandeira verde-amarela e o canto do hino nacional, além de
defenderem mais veementemente pautas anticorrupção e antissistema.
"Agora [o movimento] se dividiu em três alas: liberal,
conservadora e autoritária. A liberal apoia o Governo, mas não foi à rua neste
domingo. Isso mostra que o apoio a Bolsonaro é mais amplo do que o que ali
estava. De outro lado, os subcampos autoritário e conservador mostraram que têm
força própria", analisa a socióloga e presidente do Centro Brasileiro de
Análise e Planejamento (Cebrap), Angela Alonso, que estudou as manifestações
brasileiras ocorridas a partir de 2013. Segundo ela, esses grupos têm em comum
a adesão sólida a um conjunto de valores nacionalista e autoritário. "Isto
não é um produto do Bolsonaro, mas veio à tona com ele", pondera.
A base social bolsonarista evoluiu juntamente com a
comunicação interna desse mesmo grupo, em meio a uma crise de mediação que vem
crescendo nos últimos anos, aponta o jornalista Bruno Torturra. "Há uma
destruição de instituições e atores [tradicionalmente] responsáveis pela
construção do discurso político. As pessoas que foram para as ruas derrubar a
Dilma agora estão indo para cima dos mesmos poderes que afastaram a presidenta.
Junto há um desprezo crescente pela imprensa, que é outra instituição
responsável por mediar o discurso político", afirma. Os atos pró-Governo
do último domingo, diz Torturra, revelam a consolidação de Bolsonaro como um
fenômeno político relevante, que emergiu distante da estética política
observada no Brasil nos últimos 30 anos. Para o jornalista, o bolsonarismo não
está ainda na versão final, mas evolui a olhos nus. "Esse movimento
começou sem o Bolsonaro. O presidente não o provocou, mas o representou. Foi a
pessoa certa pra que esse movimento achasse um eixo", afirma.
As manifestações do último domingo demonstraram que se antes
os grupos que passaram a se aglutinar em torno de Bolsonaro não tinham
identidade política clara, agora passam a apresentar um viés ideológico mais
consolidado. Uma pesquisa realizada pelo Monitor do Debate Político no Meio
Digital, do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para Acesso à Informação da
Universidade de São Paulo, identificou forte identificação política no perfil
dos manifestantes. Das 436 pessoas entrevistadas no ato da Avenida Paulista
para o estudo, 76% se disseram de direita, 72% muito conservadores, 68% nada
feministas e 88% muito antipetistas. Uma posição diferente daquela observada
pelo mesmo grupo de pesquisa durante as eleições do ano passado.
"O fenômeno bolsonarista não é mais só antipetista nem
eleitoral, mas de um campo com uma identidade política muito forte. Antes [nos
atos pró-Bolsonaro durante as eleições], as pessoas não se definiam como de
direita nem conservadoras, mas agora sim", diz Pablo Ortellado, que
coordenou o estudo juntamente com os pesquisadores Ana Luiza Aguiar e Marcio
Moretto. Ortellado ainda acrescenta que o bolsonarismo está conseguindo se
consolidar para além dos movimentos tradicionais, como por exemplo o Movimento
Brasil Livre (MBL) e o Vem Pra Rua, que chegaram a apoiar o presidente, mas não
aderiram aos protestos. O estudo mostra ainda a baixa confiança dos
manifestantes em relação ao MBL (66%) e à grande imprensa (mais de 90% disseram
não confiar em veículos como a Folha de São Paulo e Rede Globo).
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário