Publicado originalmente no site da revista ISTOÉ, em 31/05/19
Reação patriótica
Eles saíram dos mais variados setores da sociedade. Deixaram
projetos pessoais, engajaram-se em uma luta pela transformação do País e estão
dando exemplo de como não se lambuzar na manteiga rançosa dos acordos espúrios
para atingir seus objetivos
Por Antonio Carlos Prado e Vicente Vilardaga
São tantas e tão antigas as mazelas na política brasileira,
são tantas e tão antigas as razões para não se acreditar naqueles que
desempenham funções públicas, que muitas vezes torna-se difícil perceber que
ainda há pessoas na estrutura do Poder comprometidas com a sociedade e o
desenvolvimento da Nação. É como se essas pessoas estivessem imbuídas da
célebre fala do ex-presidente dos EUA John Kennedy, no dia de sua posse, em 1961:
“Não pergunte o que seu país pode fazer por você; pergunte o que você pode
fazer por seu país”. O grupo de brasileiros em questão tomou para si a segunda
parte dessa frase. Ministros, parlamentares, presidentes de instituições
financeiras, militares e magistrados, todos com sucesso em suas atividades
profissionais, poderiam estar em seus cantos tocando a vida particular — e na
maior calmaria. Eles preferiram, no entanto, cuidar do Brasil com foco nas mais
diversas áreas que competem à administração pública. Um dos mais visíveis
personagens desse enredo, por exemplo, é o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Formado na prestigiada Universidade de Chicago, que prima pela qualidade do
ensino do liberalismo, Guedes, se quisesse, permaneceria lecionando ou atuando
no mercado financeiro, no Brasil ou exterior. Mas trocou tudo isso (e altíssimo
salário) pela missão de matar um leão por dia, tentando dar a partida para o
País deslanchar.
Patriota sim, nacionalista não
Quem não lembra de Guedes, na Câmara dos Deputados, em sua
primeira defesa da imprescindível Reforma da Previdência? Sem que o Poder
Executivo tivesse construído uma base parlamentar para apoiá-lo, ele se virou
sozinho, foi ofendido pessoalmente em sua masculinidade pelo deputado Zeca Dirceu
e respondeu à altura – fala alta e dedo em riste. Falta de educação do
ministro? Não. Ele sabe que, se a Reforma da Previdência não passar, o Brasil
morre. A resposta forte decorre de sua convicção no patriotismo. Em outro
debate parlamentar sobre a Reforma Previdenciária, o presidente da Câmara,
Rodrigo Maia, que é o deputado federal que primeiro desembarca em Brasília
todas as segundas-feiras e o último que decola quando a semana acaba, passou na
comissão como quem não quer nada, mas sendo que, na verdade, queria tudo — tudo
que significasse respeito com Guedes. Já era madrugada e Maia saíra da última
das dezesseis reuniões que faz diariamente. Seus pares entenderam Maia, sem que
abrisse a boca. “Se Maia não estivesse pensando no Brasil, já teria chutado o
balde”, diz um deputado. Diante da paralisia do Executivo, Maia, defensor da
harmonia e independência republicana dos Poderes, e o presidente do Senado,
Davi Alcolumbre, tomaram as rédeas das reformas. Dentro do Poder, ninguém
conversa mais, um como o outro, do que Maia e Guedes. Já sobre Alcolumbre,
dizem a seu respeito: quando alguém o procura para intrigar outra pessoa, ele
olha o interlocutor com jeito de quem presta muita atenção, mas, na verdade,
está com o pensamento em outro lugar: nas reformas econômicas e em eventuais
pautas desestruturantes e descabidas, como a bomba que veio na semana passada e
que ele publicamente desativou. A Câmara aprovou a MP alterando o Código
Florestal e amenizando o dever de proprietários rurais em recuperarem áreas
ambientais desmatadas. Alcolumbre antecipou que o Senado derrubará a MP ou a
deixará caducar (o prazo vence nessa segunda-feira 3).
PAULO GUEDES Ao falar pela primeira vez da Reforma da
Previdência, na Câmara,
o ministro foi ofendido pessoalmente pelo deputado Zeca
Dirceu. A sua resposta indignada
provou que ele estava lá para o bem do País e
não para ser achincalhado
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
GENERAL SANTOS CRUZ À Frente do Ministério da Secretaria do
Governo e com
fina sensibilidade política, tornou-se interlocutor de todas as partes. Comandou
as tropas das missões de paz da ONU no Haiti e no Congo, coordenando
aproximadamente 36 mil militares de diversos países
fina sensibilidade política, tornou-se interlocutor de todas as partes. Comandou
as tropas das missões de paz da ONU no Haiti e no Congo, coordenando
aproximadamente 36 mil militares de diversos países
Foto: Divulgação
SERGIO MORO Deixou vinte e dois anos de magistratura, como
julgador, para ficar
na condição passível de ser julgado pela população brasileira. O Ministério
da Justiça e da Segurança Pública pode reforçar ou destruir
na condição passível de ser julgado pela população brasileira. O Ministério
da Justiça e da Segurança Pública pode reforçar ou destruir
prestígio conquistado como juiz da Operação Lava Jato. Pode dar-lhe
ou não um assento no Supremo Tribunal Federal
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
TABATA AMARAL Em quatro meses de mandato, a deputada federal
formada pela
Universidade de Harvard se destacou como um dos principais nomes
da atual legislatura,
sendo elogiada por aliados e adversários. Os elogios não
decorrem apenas do fato de ela ter emparedado Ricardo Vélez e Abraham
Weintraub. Dão-se também pela sua forma de trabalhar. “Tabata é uma devoradora
de informações da Câmara. Sem dúvida alguma,
uma verdadeira patriota”, diz o
deputado federal Felipe Rigoni
Foto: Divulgação
KIM KATAGUIRI Kim Kataguiri demonstra zelo pelo dinheiro
público. Abriu mão do apartamento funcional e paga do próprio bolso o aluguel
de R$ 2,5 mil, dividindo o espaço com assessores. Relatou um projeto de lei
importante, já sancionado, que diminui os repasses
do Banco Central ao Tesouro
Nacional, preservando assim
as reservas cambiais brasileiras, hoje em cerca de
US$ 380 bilhões
Foto: Mateus Bonomi/Agif/Folhapress
RODRIGO MAIA Uma forma de servir o País é valorizar as suas
instituições democráticas e a independência e harmonia entre os poderes
republicanos, como tem feito o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Ele vem
revelando tal posicionamento na busca da racionalidade no trabalho legislativo,
com constantes atitudes conciliadoras. É também respeitado por
jamais abrir mão
das prerrogativas constitucionais dos parlamentares
Foto: Fátima Meira/Futura Press/Folhapress
GENERAL VILLAS BÔAS Parece que a esclerose lateral
amiotrófica escolhe as almas
mais fortes e os cérebros mais lúcidos para
atacar. O assessor especial do
Gabinete de Segurança Institucional preocupa-se
bastante com o aumento da criminalidade
no Brasil, mas sempre se manifestou
contrário à presença das Forças Armadas
no combate à violência, explicando que
não é essa a função
constitucional dos militares. Discordou da intervenção no
Rio de Janeiro
Foto: ANDRE DUSEK
JOAQUIM LEVY O presidente do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). É assim que ele atua, priorizando o
tecnicismo.
Tem espírito público e capacidade de circular sem amarras
ideológicas
Foto: Ilan Pellenberg/FramePhoto/Folhapress
SALIM MATTAR O empresário, dono da Localiza, largou uma
confortável posição
na iniciativa privada e assumiu a Secretaria de
Privatizações:
“Vou dedicar toda a minha vida à causa pública”
Foto: Rodrigo Félix Leal
DIAS TOFFOLI Um ato recente do ministro e presidente do STF
merece destaque:
para não conturbar ainda mais a Torre de Babel em que se
transformou
a sociedade brasileira, com extremismos e polarizações crescentes,
ele retirou
de pauta e suspendeu o julgamento que trataria do início da
execução de pena
em segunda instância, uma vez que a Corte tem opinião dividida
sobre esse tema
O patriotismo do qual se fala nessa reportagem nada tem a
ver com o patriotismo que já desgastou o País no passado. Um exemplo de que as
coisas mudaram está na ala militar. O ministro que ocupa a Secretaria do
Governo, general da reserva Carlos Alberto Santos Cruz, é o “idealtipo”
weberiano da diferenciação entre o patriotismo atual e a anacrônica exaltação
do País por meio do nacionalismo. Vale, aqui, lembrar da saudável separação
clássica estabelecida pelo historiador inglês Lord Acton, para quem o ingênuo
nacionalista se liga às “questões naturais e raciais”, enquanto “o patriota
preocupa-se com os deveres para com a comunidade política”. Com sete
condecorações, Santos Cruz comandou as missões de paz da ONU no Haiti
(coordenou doze mil homens) e no Congo (à frente de 23,7 mil militares de 20
países). Uma de suas frases dá a dimensão de seu caráter e emoção: “a gente
nunca se acostuma com o sofrimento humano”. No governo atual, ele se tornou um
dos principais interlocutores com todas as partes, sobretudo após a sintonia
fina de estratégia política com que derrotou as investidas do filósofo de
internet Olavo de Carvalho. Não há mais contratações no segundo e terceiro escalões
do governo sem o seu aval no campo da “competência” — e podem lhe entregar as
chaves do Palácio do Planalto porque ele é o primeiro a chegar e o último a
sair. Ele valoriza a verdadeira meritocracia, não a satirizada em 1958 pelo
sociólogo inglês Michael Young (cunhou a expressão em “The rise of the
meritocracy”). Ainda na área do militarismo, há o general Eduardo Villas Bôas.
Parece que a doença paralisante dos neurônios motores chamada esclerose lateral
amiotrófica escolhe os mais fortes de alma e mais lúcidos de cérebro para
atacar. Villas Bôas diagnosticou a violência no Rio de Janeiro e avisou sobre
os riscos de se colocar as Forças Armadas para subir e descer morro atrás de
bandido, explicando não ser essa a sua função constitucional. Pena que poucas
autoridades lhe deram ouvidos. Hoje, Villas Bôas é assessor especial do
Gabinete de Segurança Institucional, ocupado pelo general Augusto Heleno.
Quando tem de criticar duramente alguns atos do presidente Jair Bolsonaro, o
general não se intimida se estiverem em jogo valores democráticos. Já foi
defendido de ataques ideológicos pelo senador Omar Aziz, presidente da Comissão
de Assuntos Econômicos do Senado.
Com a não ideologização e dando esperança aos brasileiros de
que o diálogo e o comprometimento com o País vencerão a burrice dos
extremismos, atuam o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro (sua
biografia na Lava-Jato, lutando contra a corrupção, diz tudo), e o presidente
do STF, Dias Toffoli. Aos maus analistas, eles parecem submissos ou, às vezes,
afoitos; para os que se preocupam mesmo com a temperatura no termômetro
político do Brasil, ambos são conhecidos em Brasília pela conduta de sempre
tentarem conciliar posições contrárias — além de trabalharem quinze horas por
dias. Toffoli retirou da pauta do STF a questão da execução da pena em segunda
instância para não conturbar ainda mais a Torre de Babel na qual se transformou
a sociedade brasileira. Ao assumir o ministério, Moro largou vinte e dois anos
como julgador para se tornar passível de julgamento pelos brasileiros. Posição
semelhante é a do ministro da Desestatização, Salim Mattar. Dono da Localiza,
empresa de locação de automóveis que fatura R$ 6 bilhões por ano, ele se
colocou na mira das facções ideológicas que defendem o atraso ao protestarem
contra as privatizações. “Vou dedicar a minha vida à causa pública”, diz
Mattar. O que o move é o trabalho, não as ideologias. E outro exemplo de que
batalhar sério não é idolatrar a direita nem idolatrar a esquerda vem do
tecnicismo do presidente do BNDES, Joaquim Levy. Com ele, o banco está
devolvendo diversos recursos ao Tesouro Nacional, já na casa dos R$ 30 bilhões.
Tabata, Kim e Joaquim Nabuco
Calejado com os “podres Poderes”, é mais que natural que o
chamado homem comum muitas vezes deixe de confiar no homem político. Ser
contrário à prática da política como um todo, sem separar o joio do trigo, é,
no entanto, abrir caminho para o autoritarismo. Dois jovens deputados federais
de primeira viagem, Tabata Amaral e Kim Kataguiri, trabalham praticamente em
parceria para que os brasileiros voltem a crer na política como a única saída
democrática para nossos problemas. Ela se define como centro-esquerda, ele se
diz de direita. Ela batalha pela educação e arrasou em debates com dois arremedos
de ministros, o defenestrado Ricardo Vélez e o atual, Abraham Weintraub. Kim
respira economia liberal e esse é o seu campo de atuação.
Tabata poderia ter seguido carreira acadêmica em Harvard (é
filha de empregada doméstica e cobrador de ônibus) e Kim, se quisesse,
lecionaria ciências políticas. Ao defenderem “o diálogo sempre”, eles estão
conseguindo recolocar a política no campo da confiança do cidadão. “A guerra
ideológica é mais perigosa para o Brasil do que ter um líder autoritário”, diz
Tabata. Seu livro de cabeceira, hoje, é “Como as democracias morrem” (de Steven
Levitsky), tal o medo que ela guarda de ver a nossa fenecer. “Estamos no
Parlamento. Se alguém de direita se nega a conversar com alguém de esquerda, e
vice-versa, então esse alguém está no lugar errado”, diz Kim, que paga o
aluguel (R$ 2.500,00) de seu apartamento (abriu mão do funcional),
compartilhado com assessores. É dele o projeto de lei que diminui repasses do
BC ao Tesouro Nacional, preservando as reservas cambiais de US$ 380 bilhões. Um
dos principais pensadores brasileiros, Joaquim Nabuco é autor do clássico
ensaio intitulado “Profissão de fé política” (1868). É como se Tabata, Kim e os
demais patriotas o seguissem no seguinte ponto: o diálogo e a responsável
prática política são as salvaguardas da democracia e a estrada para o
desenvolvimento econômico do Brasil.
Colaborou Wilson Lima
Texto e imagens reproduzidos do site: istoe.com.br
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