Nascida no Brasil, Maria Dantas conseguiu se eleger em votação
na Espanha em abril passado. (Foto: Arte sobre reprodução)
Publicado originalmente no site da revista ÉPOCA, em 16/05/2019
A SERGIPANA QUE VIROU DEPUTADA NA ESPANHA
Brasileira fez campanha na Catalunha inspirada em Marielle
Franco
Maria Dantas em depoimento a Bruno Calixto
Sou sergipana, tenho 49 anos e moro há 25 anos em Barcelona,
onde milito em favor dos movimentos sociais. Formada em Direito pela
Universidade Federal de Sergipe (UFS), vendi um Fiat Uno branco em 1994 e
embarquei rumo à Espanha para cursar especialização em Direito Ambiental. Assim
que cheguei, me aliei às bandeiras contra a xenofobia, o racismo, o fascismo, a
LGTBIfobia e a favor da imigração e dos direitos humanos.
Primeira brasileira eleita deputada na Espanha, tomarei posse
no próximo dia 21 de maio, data em que completarei 50 anos. Meu carro-chefe é
acabar com os Centro de Internamentos de Estrangeiros ( CIEs ), que são
verdadeiras Guantánamos nas cidades europeias.
Sou divorciada do primeiro marido, meu único casamento na
igreja e no civil. Em dezembro completarei 20 anos de relação com o Alex, que é
catalão, um companheiro maravilhoso. Não vou morar em Madri. Ficarei entre lá e
cá.
Minha eleição pelo partido Esquerda Republicana teve muito a
ver com a vereadora Marielle Franco, assassinada um ano atrás no Rio de
Janeiro.
No dia 8 de março, fizemos um bloco só de brasileiras para
participar de uma manifestação feminista em Barcelona. Por volta das 22 horas,
a caminho de casa, voltando a pé, estava totalmente decidida a não me
candidatar. Até que uma das meninas mostrou um vídeo feito para homenagear
Marielle. Vendo e escutando Marielle falar, por uns seis ou sete minutos, sobre
suas lutas e de todo o trabalho feito na Maré, tive um insight. Em determinado
momento do vídeo ela diz: “Eu nunca quis entrar na política de partido, mas
chegou um momento de minha vida em que tomei a decisão. Mulher, sapatão, gay,
indígena, preto ou branco, enfim, todas as minorias, nós temos de entrar nas
instituições para termos representatividade. Temos de ser referenciadas para
ver se a gente consegue mudar um pouco esse paradigma”. Mudei o não pelo sim. O
que me fez mudar de ideia? O momento que estamos passando aqui na Catalunha, de
VOX e repressão, julgamentos terríveis, judicialização da política e
politização da Justiça. Ou seja, um momento favorável para que eu aceitasse
entrar na disputa.
Fui chamada para entrar na política pela primeira vez há uns
oito anos. Eu sempre disse não, porque meu lugar é nos movimentos sociais,
fazendo um trabalho de base na sociedade, empurrando as instituições e os
políticos. Mas é muito importante a representatividade da população nos postos
de comando. E não só na política institucional, mas em todos os segmentos, até
nos meios de comunicação. No Brasil, mesmo sendo um dos países mais racistas do
mundo, vê-se muito mais representatividade. A população vítima de racismo no
Brasil é maioria em número. Aqui, não. A Espanha não é como a Inglaterra, onde
tem racismo, mas há uma interculturalidade, uma transversalidade.
Já recebi três ameaças de morte do Brasil, de seguidores de
Jair Bolsonaro, que já estão devidamente denunciadas à polícia. Todas via
Facebook. Começou no fim do ano passado. Há algum tempo faço parte de uma
plataforma imensa chamada Unidade contra o Fascismo e os Fascistas. Por isso,
tem muita gente com a cara visível, que é o meu caso. Todo mundo sabe onde todo
mundo mora em Barcelona. No ano passado, quando começou essa história do VOX,
também começaram as ameaças. Uma delas veio nos seguintes termos: “Eu sei onde
você mora e sei que você tem filhas”. Aí vi que a coisa estava ficando séria.
Do Brasil, vieram coisas do tipo: “Você vai morrer” e “Cuidado com sua vida”.
Sou um perfil visado, porque tenho pautas bastante complicadas. Mas o
departamento de segurança do partido (Esquerda Republicana) deve falar sobre
isso ainda.
Bandeiras separatistas na Catalunha, em 2018. Para Dantas, há um
fortalecimento da extrema-direita e um recrudescimento
das leis para
imigrantes na Espanha. (Foto: Albert Gea/Reuters)
Uma de minhas principais bandeiras é eliminar a lei
anti-imigração na Espanha. Somos mais de 5 milhões de pessoas na Catalunha e um
quinto não conseguiu votar no dia 28 de abril, por não ter a nacionalidade.
Pela Constituição espanhola, as pessoas que não têm nacionalidade não podem
votar nas eleições gerais. Para as eleições municipais e do Parlamento da
Catalunha, algumas nacionalidades com residência podem votar, dependendo do
acordo com o país de origem.
Há 1 milhão de pessoas, sobretudo dos países subsaarianos ou
da Ásia, que moram aqui há 20 anos e não podem votar. Para os países da América
Latina é mais fácil, porque a Espanha tem um acordo com as ex-colônias. No caso
do Brasil, também.
Como nunca fui deputada, ainda não sei como funcionam muito
bem as coisas no Congresso. Já me ligaram para começarmos a dividir as
comissões. Recebi uma proposta, por exemplo, de estar na comissão anticorrupção,
e aceitei. É uma comissão bastante complicada, pois não é só no Brasil que
existe corrupção, embora muitos achem isso. Aqui temos o partido mais corrupto
da União Europeia, o PP ( Partido Popular ), além de vários casos de corrupção
sendo investigados via deputadas e deputados. Também me propuseram ser
porta-voz de temas de direitos humanos, e aceitei.
O VOX tem inspiração franquista e da era das Cruzadas. Ele
fala de reconquista, expulsar os mouros, acabar com a lei do feminicídio,
acabar com a lei do aborto, ter pena de morte, ou seja, um discurso bastante
violento, arcaico, fascista. Assim como ocorre na militância do ( partido )
Ciudadanos, em que muitos fazem parte de uma milícia com suástica, embora
escondam o taco de beisebol e usem gravata. Os do VOX não usam gravata. Andam
com suástica pela rua, batendo em negros, gays, trans, muçulmanos. Invadem
mesquitas, pintam carros da comunidade LGTBI.
Na semana passada riscaram o carro de um amigo meu. Por isso
tenho pautas não só a favor dos refugiados e da população imigrante, mas também
de outras minorias.
Sou a favor de que não exista qualquer lei de entrada ou
saída para regularizar os fluxos, até porque estamos sob um marco europeu, e a
Espanha é um Estado-membro superimportante, a entrada sul da Europa, aonde
chega todo mundo que vem da África. A comunidade europeia poderia jogar a
Espanha contra a parede exigindo uma lei mais humanizada, que olhasse mais para
o ser humano, como a Lei da Mobilidade Humana no Equador, uma das mais avançadas
nesse sentido em todo o contexto geopolítico. É questão de vontade política.
Mesmo sendo minoria, temos poder de barganha. Vou levantar não só a bandeira,
mas colocar pedras no sapato.
Uma outra questão é a eliminação, e levamos anos e anos
nesta luta nas ruas, dos Centros de Internamento de Estrangeiros, os CIEs,
desconhecidos de grande parte da população espanhola e por consequência do
mundo. Tem gente em Barcelona que mora a 1 quilômetro de um CIE e não sabe que
ali vivem centenas de pessoas que não cometeram crime e estão presas esperando
para ser deportadas. Tem gente morrendo lá dentro.
Aqui há um mutismo total sobre isso. Estamos nessa luta.
Texto e imagens reproduzidos do site: epoca.globo.com
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