quinta-feira, 16 de maio de 2019

Sergipana que virou deputada na Espanha

Nascida no Brasil, Maria Dantas conseguiu se eleger em votação 
na Espanha em abril passado. (Foto: Arte sobre reprodução)

Publicado originalmente no site da revista ÉPOCA, em 16/05/2019 

A SERGIPANA QUE VIROU DEPUTADA NA ESPANHA

Brasileira fez campanha na Catalunha inspirada em Marielle Franco

Maria Dantas em depoimento a Bruno Calixto

Sou sergipana, tenho 49 anos e moro há 25 anos em Barcelona, onde milito em favor dos movimentos sociais. Formada em Direito pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), vendi um Fiat Uno branco em 1994 e embarquei rumo à Espanha para cursar especialização em Direito Ambiental. Assim que cheguei, me aliei às bandeiras contra a xenofobia, o racismo, o fascismo, a LGTBIfobia e a favor da imigração e dos direitos humanos.

Primeira brasileira eleita deputada na Espanha, tomarei posse no próximo dia 21 de maio, data em que completarei 50 anos. Meu carro-chefe é acabar com os Centro de Internamentos de Estrangeiros ( CIEs ), que são verdadeiras Guantánamos nas cidades europeias.

Sou divorciada do primeiro marido, meu único casamento na igreja e no civil. Em dezembro completarei 20 anos de relação com o Alex, que é catalão, um companheiro maravilhoso. Não vou morar em Madri. Ficarei entre lá e cá.

Minha eleição pelo partido Esquerda Republicana teve muito a ver com a vereadora Marielle Franco, assassinada um ano atrás no Rio de Janeiro.

No dia 8 de março, fizemos um bloco só de brasileiras para participar de uma manifestação feminista em Barcelona. Por volta das 22 horas, a caminho de casa, voltando a pé, estava totalmente decidida a não me candidatar. Até que uma das meninas mostrou um vídeo feito para homenagear Marielle. Vendo e escutando Marielle falar, por uns seis ou sete minutos, sobre suas lutas e de todo o trabalho feito na Maré, tive um insight. Em determinado momento do vídeo ela diz: “Eu nunca quis entrar na política de partido, mas chegou um momento de minha vida em que tomei a decisão. Mulher, sapatão, gay, indígena, preto ou branco, enfim, todas as minorias, nós temos de entrar nas instituições para termos representatividade. Temos de ser referenciadas para ver se a gente consegue mudar um pouco esse paradigma”. Mudei o não pelo sim. O que me fez mudar de ideia? O momento que estamos passando aqui na Catalunha, de VOX e repressão, julgamentos terríveis, judicialização da política e politização da Justiça. Ou seja, um momento favorável para que eu aceitasse entrar na disputa.

Fui chamada para entrar na política pela primeira vez há uns oito anos. Eu sempre disse não, porque meu lugar é nos movimentos sociais, fazendo um trabalho de base na sociedade, empurrando as instituições e os políticos. Mas é muito importante a representatividade da população nos postos de comando. E não só na política institucional, mas em todos os segmentos, até nos meios de comunicação. No Brasil, mesmo sendo um dos países mais racistas do mundo, vê-se muito mais representatividade. A população vítima de racismo no Brasil é maioria em número. Aqui, não. A Espanha não é como a Inglaterra, onde tem racismo, mas há uma interculturalidade, uma transversalidade.

Já recebi três ameaças de morte do Brasil, de seguidores de Jair Bolsonaro, que já estão devidamente denunciadas à polícia. Todas via Facebook. Começou no fim do ano passado. Há algum tempo faço parte de uma plataforma imensa chamada Unidade contra o Fascismo e os Fascistas. Por isso, tem muita gente com a cara visível, que é o meu caso. Todo mundo sabe onde todo mundo mora em Barcelona. No ano passado, quando começou essa história do VOX, também começaram as ameaças. Uma delas veio nos seguintes termos: “Eu sei onde você mora e sei que você tem filhas”. Aí vi que a coisa estava ficando séria. Do Brasil, vieram coisas do tipo: “Você vai morrer” e “Cuidado com sua vida”. Sou um perfil visado, porque tenho pautas bastante complicadas. Mas o departamento de segurança do partido (Esquerda Republicana) deve falar sobre isso ainda.

Bandeiras separatistas na Catalunha, em 2018. Para Dantas, há um 
fortalecimento da extrema-direita e um recrudescimento
 das leis para imigrantes na Espanha. (Foto: Albert Gea/Reuters)

Uma de minhas principais bandeiras é eliminar a lei anti-imigração na Espanha. Somos mais de 5 milhões de pessoas na Catalunha e um quinto não conseguiu votar no dia 28 de abril, por não ter a nacionalidade. Pela Constituição espanhola, as pessoas que não têm nacionalidade não podem votar nas eleições gerais. Para as eleições municipais e do Parlamento da Catalunha, algumas nacionalidades com residência podem votar, dependendo do acordo com o país de origem.

Há 1 milhão de pessoas, sobretudo dos países subsaarianos ou da Ásia, que moram aqui há 20 anos e não podem votar. Para os países da América Latina é mais fácil, porque a Espanha tem um acordo com as ex-colônias. No caso do Brasil, também.

Como nunca fui deputada, ainda não sei como funcionam muito bem as coisas no Congresso. Já me ligaram para começarmos a dividir as comissões. Recebi uma proposta, por exemplo, de estar na comissão anticorrupção, e aceitei. É uma comissão bastante complicada, pois não é só no Brasil que existe corrupção, embora muitos achem isso. Aqui temos o partido mais corrupto da União Europeia, o PP ( Partido Popular ), além de vários casos de corrupção sendo investigados via deputadas e deputados. Também me propuseram ser porta-voz de temas de direitos humanos, e aceitei.

O VOX tem inspiração franquista e da era das Cruzadas. Ele fala de reconquista, expulsar os mouros, acabar com a lei do feminicídio, acabar com a lei do aborto, ter pena de morte, ou seja, um discurso bastante violento, arcaico, fascista. Assim como ocorre na militância do ( partido ) Ciudadanos, em que muitos fazem parte de uma milícia com suástica, embora escondam o taco de beisebol e usem gravata. Os do VOX não usam gravata. Andam com suástica pela rua, batendo em negros, gays, trans, muçulmanos. Invadem mesquitas, pintam carros da comunidade LGTBI.

Na semana passada riscaram o carro de um amigo meu. Por isso tenho pautas não só a favor dos refugiados e da população imigrante, mas também de outras minorias.

Sou a favor de que não exista qualquer lei de entrada ou saída para regularizar os fluxos, até porque estamos sob um marco europeu, e a Espanha é um Estado-membro superimportante, a entrada sul da Europa, aonde chega todo mundo que vem da África. A comunidade europeia poderia jogar a Espanha contra a parede exigindo uma lei mais humanizada, que olhasse mais para o ser humano, como a Lei da Mobilidade Humana no Equador, uma das mais avançadas nesse sentido em todo o contexto geopolítico. É questão de vontade política. Mesmo sendo minoria, temos poder de barganha. Vou levantar não só a bandeira, mas colocar pedras no sapato.

Uma outra questão é a eliminação, e levamos anos e anos nesta luta nas ruas, dos Centros de Internamento de Estrangeiros, os CIEs, desconhecidos de grande parte da população espanhola e por consequência do mundo. Tem gente em Barcelona que mora a 1 quilômetro de um CIE e não sabe que ali vivem centenas de pessoas que não cometeram crime e estão presas esperando para ser deportadas. Tem gente morrendo lá dentro.

Aqui há um mutismo total sobre isso. Estamos nessa luta.

Texto e imagens reproduzidos do site: epoca.globo.com

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