Publicado originalmente no site FAN F1, em 9 de novembro de 2019
Linda Brasil sonha em ser a primeira mulher trans na Câmara
Municipal de Aracaju
Por Diego Rios
Formada em Letras e atualmente cursando Mestrado em Educação
pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), Linda Brasil sentiu na pele desde
cedo o processo de exclusão social por ser mulher trans. Apesar disso, ela não
se deu por vencida e decidiu dar a volta por cima, lutando não apenas uma luta
em defesa própria, mas por diversas pessoas oprimidas e excluídas socialmente.
Candidata a vereadora por Aracaju, em 2016, Linda obteve 2.308 votos, mas,
devido à legenda, não pôde assumir o mandato. Já em 2018, a educadora concorreu
ao cargo de deputada estadual e conseguiu 10.107 votos, destes, 6.555 na
capital. Conheça um pouco de quem é e o que pensa Linda Brasil.
FAN F1 – Como se deu a sua chegada na política? Quais os
cargos que já se candidatou e quais os resultados?
LINDA BRASIL – Minha chegada na política se deu de forma
mais organizada, quando ingressei na UFS, em 2013. No primeiro dia de aula tive
problema por causa do uso do meu nome na instituição. Acabei dando entrada num
processo administrativo que criou a portaria que regulamenta o uso do nome
social das pessoas trans. A partir daí conheci mais profundamente o movimento
estudantil, LGBTQI+, feminista e sindical, motivando-me a participar de
protestos em defesa dos nossos direitos. Nesses movimentos conheci várias
pessoas que eram filiadas a partidos de esquerda, principalmente ao PSOL,
partido que já era uma referência para mim por causa das bandeiras que levanta
e por alguns parlamentares e pessoas exemplares na defesa dos direitos humanos,
como o ex-deputado federal Jean Wyllys. Assim, em 2015 acabei me filiando ao
PSOL e no ano seguinte, pela primeira vez, fui candidata a vereadora, obtendo
apoio de várias pessoas, mulheres, negras/os, estudantes e LGBTQI+. Nesta
primeira candidatura obtive um número expressivo de votos, totalizando 2.308.
Em 2018, minha candidatura foi à deputada estadual. Para minha surpresa tive
10.107 votos, um número muito expressivo, sendo votada em todos os municípios
sergipanos e com um total de 6.555 votos somente no município de Aracaju.
FAN F1 – O que te fez escolher o PSOL? Existe a
possibilidade de mudança de partido?
LB – Atualmente, o PSOL é o único partido pelo qual me sinto
representada. Não só pela sigla, mas sim pelas atuações de suas/seus militantes
e parlamentares em outros estados e no Congresso Nacional, bem como pelas
bandeiras que ele levanta, enfrenta e denuncia, principalmente na atual
conjuntura com esse atual governo que ataca os direitos da classe trabalhadora
e dos movimentos sociais. Foram as/os militantes e suas/seus parlamentares que
me fizeram pensar nessa possibilidade de entrar na política. A grande maioria,
comprometida com as/os que mais necessitam de direitos e oportunidades. Os
movimentos sociais têm uma importância muito grande nas diretrizes do partido.
As decisões, projetos e iniciativas não vêm de cima, de um ‘dono’ de partido
que estabelece o que deve ser feito ou votado. Antes de ingressar na UFS, eu
tinha uma grande aversão à política partidária, pois o que eu conhecia eram
políticos envolvidos com a velha política eleitoreira, aliados aos empresários
e a seus próprios negócios. Assim, não têm autonomia para votar e apresentar
projetos em que realmente acreditam. Por isso e vários outros motivos, como o
não recebimento de doação para campanha eleitoral de grandes empresários que
hoje o PSOL, para mim, é a única opção.
FAN F1 – Enfrentar uma eleição como a de deputado e obter
mais de 10 mil votos, sendo lembrada em todos os municípios sergipanos, a
credibiliza para chegar com tranquilidade ao pleito de 2020?
LB – Com esse resultado me senti vitoriosa,
independentemente de ter sido eleita ou não. Foi emocionante e motivador, senti
o apoio de várias pessoas, não somente da população LGBTQI+, da qual eu faço
parte, mas também das mulheres, da juventude, da população negra e tantos
outras pessoas que se sentem representadas na minha luta. A minha bandeira é a
luta de todas as pessoas que não se sentem representadas com essa atual
composição parlamentar, sem uma representação efetiva. Hoje, só como exemplo,
das 24 cadeiras da Câmara Municipal de Aracaju, somente uma é ocupada por
mulher.
FAN F1 – Quanto custou a sua campanha e de onde vieram os
recursos?
LB – Em 2016, para vereadora, o total de despesas pagas foi
de R$ 3.611,60, recursos vindos de doações de pessoas que acreditam em minha
luta. O restante da receita apresentada foi de doações de serviço por parte de
pessoas que construíram a campanha, pois o partido não teve direito a fundo
partidário. Em 2018, para deputada estadual, o total das despesas pagas foi de
R$ 10.915,65. Dessa vez, a maior parte do valor foi proveniente do fundo
partidário: R$ 5.761,05. O restante foi de doações através de depósito na conta
eleitoral e por financiamento coletivo. Outros valores apresentados na prestação
de contas foram também doações de serviços feitas por apoiadores da
candidatura.
FAN F1 – A defesa da classe LGTBQI+ não pode te vincular
como uma política de uma única bandeira?
LB – Se as pessoas tiverem coração para acolher as questões
desta minoria, elas já estão consequentemente apoiando políticas públicas de
inclusão, contribuindo para um cotidiano melhor. Se observarmos bem, não se
trata da bandeira LGBTQI+, mas sim do direito humano à vida, à dignidade, à
identidade. Trata-se do respeito e da
fraternidade que devemos ter para com todos. É uma forma de educar, sentir e
ver a vida de uma perspectiva humana. Mas, como já disse anteriormente, minha
luta não é limitada somente às pautas LGBTQI+. Faço um trabalho de luta e
resistência muito forte em todos os movimentos que envolvem direitos humanos.
Como educadora e pesquisadora faço um trabalho de conscientização e respeito em
escolas, faculdades, empresas e várias instituições, através de palestras, roda
de conversas e oficinas. Além disso, e dos projetos que desenvolvo no movimento
LGBTQI+ e transfeminista, estou muito ligada às discussões em relação ao
direito à cidade, como a luta por moradia digna, transporte de qualidade,
agroecologia, cultura, arte, lazer, esporte e todas as atividades que contribuem
para que possamos viver numa cidade com mais acesso aos espaços públicos,
oportunidades e menos violência, principalmente da população que vive em
situação de vulnerabilidade social.
FAN F1 – Existe algum arrependimento no pleito de 2016 por
não ter disputado por um partido com uma condição real de te fazer vereadora de
Aracaju, já que você obteve mais votos do que quatro dos eleitos?
LB – Jamais. O que me fez entrar na política foi o meu
ideal, a minha vontade de lutar pela dignidade das pessoas que sempre foram
marginalizadas, por menos desigualdade e injustiça social. O meu ingresso na
política partidária não foi necessariamente para ter um cargo político, mas sim
resistir contra tanta exploração e opressão que tantas pessoas, assim como eu,
passam no Brasil. A minha candidatura foi consequência dessa luta, das
manifestações, plenárias e reuniões que participei com várias outras pessoas
que estavam há anos lutando com o mesmo ideal e que me ensinam muito. Assim,
tive o convite inicialmente para me filiar ao PSOL e depois para me candidatar.
Só aceitei porque acredito e confio na luta dessas pessoas. As duas
candidaturas das quais participei sempre foram construídas de forma coletiva,
com participação de pessoas que acreditam e confiam em mim e com seus
conhecimentos e experiências me ajudam a tomar as melhores decisões. O mesmo
acontecerá com uma possível eleição. Quando isso acontecer, o mandato será
realizado também de forma coletiva, juntamente com pessoas que representam
todas as lutas que construo. Em 2020, a possibilidade de entrar será bem maior,
pois além do partido estar bem mais fortalecido no Brasil e em Sergipe, também
teremos outras candidaturas fortes. Também por causa da última reforma
eleitoral que acabou com as coligações partidárias para as candidaturas
proporcionais. Por isso, não tenho nenhum arrependimento, pois não irei para um
partido somente pensando em eleição. Nunca irei me vender para que isso
aconteça. Se tiver de ser eleita, será pela minha luta e por aquilo que
acredito. Tudo tem o seu momento e estou muito confiante e tranquila.
FAN F1 – Por último, qual o maior motivo para fazer Linda
Brasil entrar na política?
LB – Precisamos de mudança urgente em representação política
e eu sou uma pessoa que representa essa transformação. Vivo no cotidiano as
dificuldades que grande parte das pessoas do país vivem. Precisamos de pessoas
autênticas, que queiram iniciar um longo trabalho de mudanças profundas no
parlamento e na sociedade. Será muito significativo e de muita importância,
nesse momento de crise política que estamos atravessando, a eleição de uma
mulher trans que até pouco tempo atrás estava condenada a viver somente à
margem da sociedade. Minha vivência já é um ato político, minha eleição será um
ato revolucionário para a política sergipana.
Texto e imagem reproduzidos do site: fanf1.com.br
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