segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Linda Brasil sonha em ser a primeira mulher trans na CMA


Publicado originalmente no site FAN F1, em 9 de novembro de 2019

Linda Brasil sonha em ser a primeira mulher trans na Câmara Municipal de Aracaju

Por Diego Rios

Formada em Letras e atualmente cursando Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), Linda Brasil sentiu na pele desde cedo o processo de exclusão social por ser mulher trans. Apesar disso, ela não se deu por vencida e decidiu dar a volta por cima, lutando não apenas uma luta em defesa própria, mas por diversas pessoas oprimidas e excluídas socialmente. Candidata a vereadora por Aracaju, em 2016, Linda obteve 2.308 votos, mas, devido à legenda, não pôde assumir o mandato. Já em 2018, a educadora concorreu ao cargo de deputada estadual e conseguiu 10.107 votos, destes, 6.555 na capital. Conheça um pouco de quem é e o que pensa Linda Brasil.

FAN F1 – Como se deu a sua chegada na política? Quais os cargos que já se candidatou e quais os resultados?

LINDA BRASIL – Minha chegada na política se deu de forma mais organizada, quando ingressei na UFS, em 2013. No primeiro dia de aula tive problema por causa do uso do meu nome na instituição. Acabei dando entrada num processo administrativo que criou a portaria que regulamenta o uso do nome social das pessoas trans. A partir daí conheci mais profundamente o movimento estudantil, LGBTQI+, feminista e sindical, motivando-me a participar de protestos em defesa dos nossos direitos. Nesses movimentos conheci várias pessoas que eram filiadas a partidos de esquerda, principalmente ao PSOL, partido que já era uma referência para mim por causa das bandeiras que levanta e por alguns parlamentares e pessoas exemplares na defesa dos direitos humanos, como o ex-deputado federal Jean Wyllys. Assim, em 2015 acabei me filiando ao PSOL e no ano seguinte, pela primeira vez, fui candidata a vereadora, obtendo apoio de várias pessoas, mulheres, negras/os, estudantes e LGBTQI+. Nesta primeira candidatura obtive um número expressivo de votos, totalizando 2.308. Em 2018, minha candidatura foi à deputada estadual. Para minha surpresa tive 10.107 votos, um número muito expressivo, sendo votada em todos os municípios sergipanos e com um total de 6.555 votos somente no município de Aracaju.

FAN F1 – O que te fez escolher o PSOL? Existe a possibilidade de mudança de partido?

LB – Atualmente, o PSOL é o único partido pelo qual me sinto representada. Não só pela sigla, mas sim pelas atuações de suas/seus militantes e parlamentares em outros estados e no Congresso Nacional, bem como pelas bandeiras que ele levanta, enfrenta e denuncia, principalmente na atual conjuntura com esse atual governo que ataca os direitos da classe trabalhadora e dos movimentos sociais. Foram as/os militantes e suas/seus parlamentares que me fizeram pensar nessa possibilidade de entrar na política. A grande maioria, comprometida com as/os que mais necessitam de direitos e oportunidades. Os movimentos sociais têm uma importância muito grande nas diretrizes do partido. As decisões, projetos e iniciativas não vêm de cima, de um ‘dono’ de partido que estabelece o que deve ser feito ou votado. Antes de ingressar na UFS, eu tinha uma grande aversão à política partidária, pois o que eu conhecia eram políticos envolvidos com a velha política eleitoreira, aliados aos empresários e a seus próprios negócios. Assim, não têm autonomia para votar e apresentar projetos em que realmente acreditam. Por isso e vários outros motivos, como o não recebimento de doação para campanha eleitoral de grandes empresários que hoje o PSOL, para mim, é a única opção.

FAN F1 – Enfrentar uma eleição como a de deputado e obter mais de 10 mil votos, sendo lembrada em todos os municípios sergipanos, a credibiliza para chegar com tranquilidade ao pleito de 2020?

LB – Com esse resultado me senti vitoriosa, independentemente de ter sido eleita ou não. Foi emocionante e motivador, senti o apoio de várias pessoas, não somente da população LGBTQI+, da qual eu faço parte, mas também das mulheres, da juventude, da população negra e tantos outras pessoas que se sentem representadas na minha luta. A minha bandeira é a luta de todas as pessoas que não se sentem representadas com essa atual composição parlamentar, sem uma representação efetiva. Hoje, só como exemplo, das 24 cadeiras da Câmara Municipal de Aracaju, somente uma é ocupada por mulher.

FAN F1 – Quanto custou a sua campanha e de onde vieram os recursos?

LB – Em 2016, para vereadora, o total de despesas pagas foi de R$ 3.611,60, recursos vindos de doações de pessoas que acreditam em minha luta. O restante da receita apresentada foi de doações de serviço por parte de pessoas que construíram a campanha, pois o partido não teve direito a fundo partidário. Em 2018, para deputada estadual, o total das despesas pagas foi de R$ 10.915,65. Dessa vez, a maior parte do valor foi proveniente do fundo partidário: R$ 5.761,05. O restante foi de doações através de depósito na conta eleitoral e por financiamento coletivo. Outros valores apresentados na prestação de contas foram também doações de serviços feitas por apoiadores da candidatura.

FAN F1 – A defesa da classe LGTBQI+ não pode te vincular como uma política de uma única bandeira?

LB – Se as pessoas tiverem coração para acolher as questões desta minoria, elas já estão consequentemente apoiando políticas públicas de inclusão, contribuindo para um cotidiano melhor. Se observarmos bem, não se trata da bandeira LGBTQI+, mas sim do direito humano à vida, à dignidade, à identidade.  Trata-se do respeito e da fraternidade que devemos ter para com todos. É uma forma de educar, sentir e ver a vida de uma perspectiva humana. Mas, como já disse anteriormente, minha luta não é limitada somente às pautas LGBTQI+. Faço um trabalho de luta e resistência muito forte em todos os movimentos que envolvem direitos humanos. Como educadora e pesquisadora faço um trabalho de conscientização e respeito em escolas, faculdades, empresas e várias instituições, através de palestras, roda de conversas e oficinas. Além disso, e dos projetos que desenvolvo no movimento LGBTQI+ e transfeminista, estou muito ligada às discussões em relação ao direito à cidade, como a luta por moradia digna, transporte de qualidade, agroecologia, cultura, arte, lazer, esporte e todas as atividades que contribuem para que possamos viver numa cidade com mais acesso aos espaços públicos, oportunidades e menos violência, principalmente da população que vive em situação de vulnerabilidade social.

FAN F1 – Existe algum arrependimento no pleito de 2016 por não ter disputado por um partido com uma condição real de te fazer vereadora de Aracaju, já que você obteve mais votos do que quatro dos eleitos?

LB – Jamais. O que me fez entrar na política foi o meu ideal, a minha vontade de lutar pela dignidade das pessoas que sempre foram marginalizadas, por menos desigualdade e injustiça social. O meu ingresso na política partidária não foi necessariamente para ter um cargo político, mas sim resistir contra tanta exploração e opressão que tantas pessoas, assim como eu, passam no Brasil. A minha candidatura foi consequência dessa luta, das manifestações, plenárias e reuniões que participei com várias outras pessoas que estavam há anos lutando com o mesmo ideal e que me ensinam muito. Assim, tive o convite inicialmente para me filiar ao PSOL e depois para me candidatar. Só aceitei porque acredito e confio na luta dessas pessoas. As duas candidaturas das quais participei sempre foram construídas de forma coletiva, com participação de pessoas que acreditam e confiam em mim e com seus conhecimentos e experiências me ajudam a tomar as melhores decisões. O mesmo acontecerá com uma possível eleição. Quando isso acontecer, o mandato será realizado também de forma coletiva, juntamente com pessoas que representam todas as lutas que construo. Em 2020, a possibilidade de entrar será bem maior, pois além do partido estar bem mais fortalecido no Brasil e em Sergipe, também teremos outras candidaturas fortes. Também por causa da última reforma eleitoral que acabou com as coligações partidárias para as candidaturas proporcionais. Por isso, não tenho nenhum arrependimento, pois não irei para um partido somente pensando em eleição. Nunca irei me vender para que isso aconteça. Se tiver de ser eleita, será pela minha luta e por aquilo que acredito. Tudo tem o seu momento e estou muito confiante e tranquila.

FAN F1 – Por último, qual o maior motivo para fazer Linda Brasil entrar na política?

LB – Precisamos de mudança urgente em representação política e eu sou uma pessoa que representa essa transformação. Vivo no cotidiano as dificuldades que grande parte das pessoas do país vivem. Precisamos de pessoas autênticas, que queiram iniciar um longo trabalho de mudanças profundas no parlamento e na sociedade. Será muito significativo e de muita importância, nesse momento de crise política que estamos atravessando, a eleição de uma mulher trans que até pouco tempo atrás estava condenada a viver somente à margem da sociedade. Minha vivência já é um ato político, minha eleição será um ato revolucionário para a política sergipana.

Texto e imagem reproduzidos do site: fanf1.com.br

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