Texto compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, 6 de
setembro de 2020
Moro: "Bolsonaro deveria honrar as promessas de
campanha".
O ex-ministro afirma que o desmonte da Lava-Jato prejudica o
combate à corrupção, compromisso do atual presidente para vencer as eleições de
2018. Diz que sua candidatura em 2022 é especulação e espera nomes fora da
disputa polarizada entre Lula e o candidato à reeleição. Entrevista ao Correio
Braziliense:
Sergio Moro não se surpreende com os ataques à Lava-Jato.
Considera uma reação esperada o sistema político se voltar contra operações de
enfrentamento à corrupção, a fim de restabelecer a lei da impunidade. Ele cita
como exemplo a Operação Mãos Limpas, na Itália, defendida e depois golpeada
pelo governo de Silvio Berlusconi, político populista que caiu em descrédito
após ser associado a ilícitos. Moro considera Lava-Jato a maior operação
anticorrupção efetuada no país, e por essa única razão, deveria ser mantida.
Representa um marco no Brasil porque mostrou que é possível modificar a
realidade política nacional. Ele já vê avanços éticos no setor privado, mas não
observa a mesma transformação no meio político. Nesse sentido, Moro afirma que
o governo Jair Bolsonaro abandonou a agenda anticorrupção, deixando de lado
questões importantes como a prisão de um condenado em segunda instância.
Alvo de frequentes ataques da classe política e de
integrantes do Judiciário, Moro diz estar acostumado a ouvir críticas. Lamenta
e repudia ataques pessoais, mas não pretende rebater no mesmo nível. “Não fiz e
não pretendo fazer críticas pessoais ao presidente ou aos seus filhos”. Ele
também demonstra altivez em relação às calúnias veiculadas nas redes sociais.
“Tenho conhecimento de muitas fake news distribuídas a meu respeito, o que é
lamentável. Não posso afirmar de onde vêm. Eu, particularmente, só trabalho com
a verdade e penso ser este o primeiro dever de qualquer pessoa pública.” Em
meio à polarização que insiste em se manter no país, Moro entende que o Brasil
é maior do que uma querela entre partidários de Bolsonaro ou de Lula. “O mundo
não se resume a esses dois grupos. O Brasil é grande, diversificado e conta com
muitas pessoas qualificadas.”
Por muito tempo considerado sério candidato a uma vaga no
Supremo Tribunal Federal (STF), Sergio Moro vê com bons olhos a atuação de Luiz
Fux como próximo presidente da mais alta Corte de Justiça. O rigor técnico e o
discernimento para preservar o tribunal de questões políticas constituem,
segundo o ex-ministro, importantes trunfos do magistrado que estará à frente do
STF a partir do dia 10. Para Moro, os integrantes da instância máxima da
Justiça — incluindo o substituto do ministro Celso de Mello — só podem ter
compromisso com a lei, e não com inclinações políticas e religiosas. E, mais
uma vez, cobra retidão do homem com quem trabalhou para levar adiante a causa
anticorrupção. “Se o presidente quiser ser coerente com o discurso de campanha,
deveria indicar um substituto com viés favorável à Lava Jato e linha-dura
contra o crime.”
Dedicado ao ensino de direito em Brasília e em Curitiba,
Sergio Moro se mantém reticente sobre projetos políticos. “Estou focado em
2020”, diz, atarefado em recompor a vida profissional após a passagem por
Brasília e o abandono da magistratura. Mas o ex-ministro e ex-juiz não se furta
a tomar posições contundentes, com recados a diversos atores na capital da
República. “Não existe lavajatismo”, esclarece, e sim servidores que prezam o
“respeito à lei e ao contribuinte”. Leia, a seguir, a entrevista de Sergio Moro
ao Correio.
A Lava-Jato chegou ao fim?
A Lava-Jato foi a maior operação contra a corrupção na
história no Brasil e, infelizmente, tem sofrido reveses neste momento. A
continuidade e as condições de trabalho das forças-tarefas do Ministério
Público estão ameaçadas. Reverter esse quadro depende muito da
Procuradoria-Geral da República.
Com a saída do procurador Deltan Dallagnol da coordenação da
Operação Lava-Jato em Curitiba, o trabalho será prejudicado?
O procurador Deltan Dallagnol fez um excelente trabalho na
Operação Lava-Jato. É um brasileiro que merece respeito e reconhecimento por
sua dedicação e comprometimento com a causa pública. O procurador Alessandro
Oliveira, que deve substituí-lo, é um profissional sério. Espera-se que dê
continuidade ao trabalho.
Dallagnol alegou um assunto de família, com a questão do
tratamento da filha. Acredita que, em outras circunstâncias, seria possível para
ele continuar na Lava-Jato?
A questão familiar deve ter sido central. Mas acredito que
as dificuldades de trabalho da força-tarefa e os vários procedimentos injustos
abertos contra ele no CNMP tornaram sua permanência cada vez mais penosa.
Está se repetindo no Brasil o que aconteceu com a Operação
Mãos Limpas, na Itália?
Estamos vivendo um processo semelhante. O sistema está
reagindo com o intuito de dificultar a investigação e a punição dos crimes de
corrupção e para tentar que tudo volte a ser como antes, tendo a impunidade
como regra. Mas acredito que a Lava-Jato mostrou aos brasileiros que as coisas
podem ser diferentes, a depender da pressão social. O setor privado brasileiro,
aliás, já mudou bastante.
Não é uma ironia que a Lava-Jato seja bombardeada justamente
no governo de um político eleito com a bandeira do combate à corrupção?
É bem peculiar, mas não é incomum. Na Itália, o governo de
Silvio Berlusconi foi eleito com essa bandeira e agiu contra a Operação Mãos
Limpas. Berlusconi é, hoje, um dos políticos com a imagem mais associada a
irregularidades. Aqui o atual governo também foi eleito com a bandeira de
defesa da Lava-Jato e do combate a alianças com políticos envolvidos em
irregularidades, mas tudo indica que tenha sido apenas uma promessa de
campanha.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, disse que é
hora de “corrigir rumos” para que o “lavajatismo não perdure”. O que achou
dessa declaração?
Não existe “lavajatismo”. O que existe são servidores
públicos que respeitam o salário pago com dinheiro público e tiveram o cuidado
de fazer bem seu trabalho, levando os responsáveis por graves crimes de
corrupção a serem punidos de acordo com o devido processo legal. O nome disso é
“respeito à lei e ao contribuinte”.
Como avalia a investigação da PF até o momento sobre suas
denúncias acerca da interferência de Bolsonaro na corporação?
Não cabe a mim avaliar o trabalho da PF. O Judiciário vai se
manifestar sobre isso. Cabe lembrar que essa apuração foi aberta a pedido do
Procurador-Geral da República e não por mim.
A decisão do STF de suspender a produção do dossiê
antifascista, sem a punição dos responsáveis pela investigação ilegal, foi
correta?
É preocupante que o Ministério da Justiça esteja associado à
produção de um levantamento com parâmetros que soaram político-ideológicos. Mas
não tenho detalhes e não acompanhei o caso a fundo para tecer comentário a
respeito.
Foi um erro fazer parte do governo Bolsonaro?
Minha participação no governo trouxe resultados efetivos e
concretos para a sociedade, como uma integração efetiva entre as diferentes
forças de segurança. Essa mudança resultou em um combate sem precedentes contra
o crime organizado e na diminuição da criminalidade em 2019. Políticas de minha
gestão, como o controle rigoroso das fronteiras pelo programa Vigia e o
fortalecimento do Banco Nacional de Perfis Genéticos, continuam a render frutos
depois de minha saída.
Arrepende-se de ter encerrado a carreira de juiz?
Minha escolha foi acertada e os bons resultados que consegui
no Ministério, apesar das dificuldades, reforçam isso. Nem tudo saiu como
planejado, mas a vida é assim. É preciso persistência. Tomei aquela decisão com
o objetivo de contribuir ainda mais para combater a corrupção, o crime
organizado e a criminalidade violenta. Essa causa ainda é minha.
Sua vida profissional mudou totalmente depois que decidiu
largar a magistratura. Tem algum arrependimento?
Não foi a primeira nem a última vez que encontrei obstáculos
em minha vida. Servi o Brasil de forma correta e sempre buscando um resultado
de excelência. Isso não me causa arrependimento. Pelo contrário, tenho orgulho
de ter me dedicado ao Ministério e ao ofício de distribuir justiça.
Bolsonaro foi uma decepção?
Ele deveria honrar as promessas de campanha, seria o correto
a ser feito. Para isso, ele deveria, por exemplo, retomar a agenda
anticorrupção. Isso demanda não só operações da Polícia Federal, mas também
reformas legais que melhorem a estrutura de prevenção e de repressão. É
fundamental, por exemplo, retomar o projeto da execução após condenação em
segunda instância. Não tenho visto o governo apoiar ou trabalhar por essas
medidas.
Quando o senhor realmente percebeu que sua permanência no
Ministério da Justiça e Segurança Pública seria insustentável e a relação com o
presidente estava ruim?
Foi um processo progressivo ao longo de 2019 e 2020, até que
chegou a um ponto insustentável.
Os filhos do presidente Bolsonaro fazem críticas públicas a
seu trabalho. Eles atrapalham o governo?
Não conheço essas críticas, mas é muito possível que sejam
passionais. Críticas são sempre possíveis e, quando construtivas, são
bem-vindas. Da minha parte não fiz e não pretendo fazer críticas pessoais ao
presidente ou aos seus filhos.
Mandetta e o senhor são alvos constantes de críticas diretas
do presidente. Ele mudou ou vocês não enxergavam quem é Bolsonaro?
O debate público tem se deteriorado de forma grave e
acelerada. Ao invés de se discutirem ideias ou políticas, não raramente se
parte para críticas pessoais. Não entro nesse jogo de ofensas. Quanto ao
ministro Mandetta, penso que ele fez um grande trabalho, sobretudo porque teve
que agir sob condições adversas, com o próprio governo adotando uma postura
negacionista em relação à pandemia.
Acredita que a PF trabalhou bem no inquérito sobre a facada
no presidente Jair Bolsonaro? Houve muita pressão para a conclusão do
inquérito?
A PF fez um trabalho técnico, com autonomia e independência.
No primeiro semestre de 2019, o delegado responsável pelo caso fez, inclusive,
uma apresentação para o presidente de toda a investigação e das conclusões
acerca do atentado e do possível envolvimento de terceiros. A investigação foi
exaustiva e não apontou provas de que haveria cúmplices. O fato de eu ter saído
do Ministério da Justiça e Segurança Pública nada mudou quanto a essas
conclusões até o momento. Também não vi o novo ministro que assumiu já há algum
tempo discordar das conclusões da PF.
Com a licença médica do ministro Celso de Mello, decisões da
Segunda Turma do STF têm beneficiado o réu em razão do empate na votação dos
ministros. Foi o que aconteceu na sua sentença sobre o caso Banestado. Como
avalia essa situação?
Apesar da anulação da decisão por empate, nada houve de
irregular na sentença. Apenas determinei antes da sentença a juntada de alguns
documentos, como a lei expressamente autoriza no artigo 234 do Código de
Processo Penal. Esse trecho do Código diz que “se o juiz tiver notícia da
existência de documento relativo a ponto relevante da acusação ou da defesa,
providenciará, independentemente de requerimento de qualquer das partes, para
sua juntada aos autos, se possível”. Eu havia também tomado o depoimento de um
colaborador na fase de investigação, isso a pedido da defesa dele mesmo e do
Ministério Público Federal, já que havia dúvidas, na época, sobre a validade de
diligências probatórias feitas diretamente pelo MPF. Isso tudo foi por volta de
2005, bem antes da Lei 12.850, de 2012, que mudou o procedimento da colaboração
premiada.
Acredita que o presidente Bolsonaro vai nomear um substituto
para o ministro Celso de Mello no STF com uma visão crítica à Lava-Jato?
Se o presidente quiser ser coerente com o discurso de
campanha, deveria indicar um substituto com viés favorável à Lava Jato e
linha-dura contra o crime.
O que pensa da tese do ministro Fachin, que propõe a adoção
do princípio in dubio pro reu somente para casos de habeas corpus?
Concordo totalmente com o ministro Fachin. Nesses casos,
penso que seria preciso esperar ter o quórum completo para terminar o
julgamento.
Ex-integrantes da magistratura devem passar por quarentena
antes de se lançar na política, como defende o ministro Toffoli?
Sim. Todo juiz deve passar por essa quarentena. Inclusive,
isso já acontece, já existe a quarentena para magistrados que querem ser
candidatos ou até para os que queiram se tornar advogados. A lei fixa que, por
seis meses após a saída do cargo público, o juiz não pode concorrer a qualquer
eleição. Não há razão para ampliar esse prazo e equiparar os juízes a
criminosos condenados, por exemplo, por improbidade e corrupção, que ficam
inelegíveis por diversos anos.
“Ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”, disse o
presidente Bolsonaro. Qual o limite entre a liberdade do cidadão e o direito
coletivo à saúde?
Esse assunto foi debatido à exaustão nas primeiras décadas
do século 20 e também depois disso. Hoje, a lei já estabelece que o governo
pode obrigar. Mas é desejável que o governo faça uma ampla campanha de
conscientização para demonstrar a necessidade da vacina aos cidadãos. Isso é
fundamental para preservar sua própria saúde, como para não se tornar um
transmissor da doença para terceiros.
O Brasil está em segundo lugar no ranking do número de
mortes por covid. O que estamos fazendo de errado?
Essa é uma pergunta mais apropriada para médicos e
infectologistas. Como leigo, vejo que falta coordenação das políticas
necessárias por parte do governo federal, com muita disparidade de mensagens
transmitidas à população quanto a medicamentos e medidas sanitárias.
Como será seu trabalho como professor no Uniceub? Qual a sua
expectativa?
Já sou professor também na Unicuritiba. O contato com os
alunos sempre é gratificante, é um aprendizado de mão dupla, então a
expectativa é muito boa. Fico feliz em voltar às salas de aula, mesmo que
virtualmente.
Seu nome aparece bem colocado nas pesquisas para a
Presidência da República. Pensa em concorrer?
Estou focado em 2020, principalmente no meu reposicionamento
profissional. Fui servidor público, com muito orgulho, por mais de duas
décadas, preciso agora continuar trabalhando para sustentar minha família. Essa
suposta candidatura é mera especulação.
O Brasil vai continuar dividido entre Lula e Bolsonaro, ou
vai aparecer um novo nome para as próximas eleições?
Pessoalmente, penso que a polarização política excessiva
fomenta ódio e raiva e não ajuda o debate concreto de programas e políticas
públicas, mais importante do que slogans, marketing ou ofensas. Acredito que
devem aparecer outros nomes fora dos extremos. Espero que apareçam nomes
melhores do que esses.
Como está a reação nas ruas ao senhor?
Muito tranquila. Sou bem tratado pelas pessoas.
O gabinete do ódio dentro e fora das cercanias do Palácio do
Planalto trabalha pra desconstruir a sua imagem?
Tenho conhecimento de muitas fake news distribuídas a meu
respeito, o que é lamentável. Não posso afirmar de onde vêm. Eu,
particularmente, só trabalho com a verdade e penso ser este o primeiro dever de
qualquer pessoa pública. Penso que temos sempre que fazer o que é certo.
Hoje o senhor atrai o ódio dos discípulos de Lula e de
Bolsonaro. O que sobrou?
O mundo não se resume a esses dois grupos. O Brasil é
grande, diversificado e conta com muitas pessoas qualificadas nas mais
diferentes ocupações e campos ideológicos.
O governador Wilson Witzel está pagando por se tornar
inimigo da família Bolsonaro?
Não conheço detalhes do caso concreto. A maioria da Corte
Especial do STJ manteve o afastamento do governador do Rio de Janeiro, e
acredito que a decisão tenha tido base nas provas apresentadas.
O Rio tem solução?
O Rio foi a capital do país. É destino de turistas de todo o
mundo que vêm visitar o Brasil. A cidade tem uma história rica e um povo
aguerrido, trabalhador. Políticas públicas consistentes podem reduzir a
violência e melhorar a urbanização e condições de bem-estar da população, que
merece um serviço público de melhor qualidade. Mas os eleitores têm que fazer
sua parte e escolher bem seus representantes, baseando-se no histórico de vida
deles e nos programas.
Qual a sua expectativa sobre a gestão do ministro Fux, que
toma posse na próxima semana na presidência do STF?
Tenho uma grande admiração pelo ministro Luiz Fux, que fez
carreira na magistratura. Acredito que ele fará uma gestão técnica, equilibrada
e discreta, e buscará afastar o Tribunal das questões políticas.
O Congresso está às voltas com a discussão sobre a reforma
administrativa, e parece que não vai priorizar a discussão sobre temas
defendidos pelo senhor, como a prisão em segunda instância. Como vê esse
movimento?
Acredito que deixar essa pauta de lado vai trazer um
prejuízo para a população, principalmente a mais vulnerável, já que é ela a
maior vítima dos crimes praticados por pessoas poderosas politicamente e
economicamente. Para citar um exemplo que tem acontecido durante a pandemia,
vejamos o caso das suspeitas de desvios na compra de respiradores. Vão
permanecer impunes sem a execução da condenação em segunda instância.
Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi.blogspot.com
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