Publicação compartilhada do blog A VARANDA, de 14 de março
de 2021
Aos biógrafos de Bolsonaro - RUY CASTRO
FOLHA DE SP - 13/03
O trabalho deveria começar por seus antepassados: Hitler,
Jack o Estripador, Drácula, Herodes e Belzebu
Sempre achei um risco biografar gente viva. Não por medo do
biografado ou de sofrer um processo, mas por motivo mais sério: como contar uma
história que ainda não terminou? Imagine se, no dia seguinte ao lançamento de
uma biografia, o biografado comete algo terrível, como estrangular seu papagaio
ou fugir com a mãe de sua mulher. Em um segundo lá se vai o trabalho de anos do
biógrafo —por que ele não previu que seu biografado seria capaz daquilo? Donde
o certo é esperar que o fulano abotoe naturalmente o paletó, para só então
mergulhar na investigação de sua vida.
Mas, com Jair Bolsonaro, não se pode mais esperar que ele vá
para o diabo que o carregue. É urgente começar a biografá-lo porque, pela
velocidade de sua trajetória —não passa um dia sem praticar um crime contra a
democracia, a saúde, a educação, a ciência, a cultura, a economia, a ecologia,
a diplomacia, a Justiça, os direitos humanos e a vida—, em breve ela não caberá
em um volume. E isso apenas desde que assumiu a Presidência.
Ai está. Uma biografia de Bolsonaro deveria recuar aos seus
antepassados, como Hitler, Jack o Estripador, Drácula, Herodes e Belzebu;
explorar suas origens em Glicério (SP), burgo de 2.000 habitantes em 1955, onde
depositaram o ovo do qual ele nasceu— e chegar à sua infame carreira militar e
ascensão política. Vai-se revelar o seu longo e meticuloso processo de
corrupção de colegas, servidores, generais, policiais e juízes, e, de passagem,
descobrir como construiu seu patrimônio imobiliário e transferiu esse know-how
para filhos e mulheres.
O importante é que, em alguma etapa, surja algo que explique
o seu grau de desumanidade estudada, demência, crueldade e ódio.
Pelo que sei, já há profissionais biografando Bolsonaro. Só
garanto que não sou um deles. Há um limite para a náusea, e basta-me ter ânsias
de vômito quando o vejo na televisão.
Texto reproduzido do blog: avaranda.blogspot.com
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