O crime compensa!
Se o prestígio do Supremo Tribunal já não era grande, sai
agora diminuto. Artigo do professor Denis Rosenfield, publicado pelo Estadão:
Perplexidade talvez seja o melhor termo para caracterizar a
decisão do ministro do STF Edson Fachin de cancelar, por questões processuais,
a condenação do ex-presidente Lula. Perplexidade ainda mais acentuada pelo
segundo momento desse teatro do absurdo, quando a segunda turma põe em votação
a imparcialidade ou não do ex-juiz Sergio Moro. Os papéis abruptamente se
invertem, o decido torna-se inválido, o mocinho torna-se bandido. A continuar
nessa toada, o ex-juiz será considerado ficha-suja, enquanto o responsável pela
corrupção posará de vítima. Onde estão agora o “sujo”, o “lixo”, a “corrupção”,
o desvio de recursos públicos, a compra de parlamentares? Vai tudo para debaixo
do tapete?
Qual é a percepção do brasileiro, aquele que não compreende
as firulas jurídicas? A resposta mais imediata, sem dúvida, é a de que o
Judiciário condenou injustamente o ex-presidente da República. Pobre coitado,
foi preso arbitrariamente, numa tramoia urdida por juízes e promotores.
Evidentemente, não sabe a diferença entre anulação do “juiz natural” e anulação
de “provas”. Politicamente é a mesma coisa!
Aliás, mesmo se compreendesse, ficaria confuso, porque é
incompreensível que um ministro do Supremo, sete anos depois do começo da Lava
Jato, decida de súbito considerar que a vara correspondente de Curitiba não era
o lugar adequado de julgamento. E isso depois de ter ele mesmo, várias vezes,
considerado que era tal. De repente, a “jurisprudência” começa a valer. Talvez
um estagiário de Direito precisasse de 15 dias para chegar a essa conclusão.
Mais uma vez, conforme a já longa história jurídica e
política brasileira, a impunidade é consagrada! Não se fala mais dos bilhões
desviados da Petrobrás, da corrupção, dos recursos recuperados, mas do réu
“inocentado”. A conclusão parece evidente: o crime compensa! E o “inocentado”
pode ainda levar como recompensa a Presidência da República!
A elite brasileira, cansa-se de repetir, sempre escapa da
condenação. O PT sempre lutou, ou aparentava lutar, contra essa forma social de
impunidade. Ora, seu líder máximo, assim como seus dirigentes deveriam estar
nela enquadrados. Para se livrar de condenações e da cadeia basta ter dinheiro,
bons advogados e perseverança. O crime? Ora, o crime... Isso não importa! O
que, sim, conta é apagá-lo, de preferência por questões processuais, que
invalidem provas abundantes. A aposta dos advogados é simples – e
historicamente bem-sucedida: um dia encontrarão um ministro que lhes dará razão,
e o fará, de preferência, com uma linguagem jurídica pomposa e gótica para
disfarçar o feito.
Um pobre, uma pessoa de poucas posses, jamais poderá arcar
com esses custos e será abandonado à própria sorte. Pessoas assim serão
condenadas e provavelmente presas. Os ricos e as elites políticas e partidárias
sairão sorrindo, assobiando e declarando que foram injustiçados durante todos
estes anos. Os advogados de Lula, entre ações, sentenças e recursos, devem ter
tomado uma centena de iniciativas, se não mais, entupindo o Judiciário com suas
medidas. É como se a instituição cuja função consiste na garantia e aplicação
da lei devesse submeter-se a seus interesses e desígnios. Curioso um líder e um
partido dito dos “trabalhadores” se terem colocado nessa posição.
O Supremo mostrou-se pequeno! Se seu prestígio já não era grande, sai agora diminuto. Expõe suas fraturas, suas contradições e sua lerdeza, apresentando-se como impróprio para cumprir sua função constitucional. O Poder que deveria ser o do equilíbrio, da moderação e da ponderação torna-se fonte de insegurança jurídica. Nem o passado lhe resiste. Sua hermenêutica é a da arbitrariedade.
A decisão do ministro Fachin desautoriza não apenas a si
mesmo, o que já seria bastante grave do ponto de vista lógico e político, mas
todas as instâncias do Judiciário que já haviam julgado o ex-presidente. Sete
anos de trabalho foram simplesmente relegados por uma mera decisão monocrática,
como se juízes e desembargadores nada valessem. Tribunais como o TRF-4 foram
sumariamente desprestigiados. Ora, o trabalho desse tribunal foi primoroso,
imparcial e independente, tendo várias vezes julgado improcedente a questão
colocada pelos advogados de Lula a respeito do “juiz natural”. Subitamente,
tudo é explodido! Será que são tidos por pessoas despreparadas? Assim o dá a
entender a posição do Supremo, que se volta contra a sua própria instituição.
E o pior de tudo é que não pararemos por aí. A decisão
relativa a Lula terá certamente efeito cascata, podendo alcançar outras pessoas
condenadas na Lava Jato que se encontrem na mesma situação “natural. Os
diferentes advogados já estão afiando suas facas, procurando incluir-se no caso
em questão. Aproveitarão da nova “jurisprudência”, que seria uma “reafirmação”
da anterior. Imaginem uma situação esdrúxula, porém possível neste cenário de
valores invertidos: um delator, tendo sua delação anulada por um vício
processual ou pela suspeição do juiz, poderá pedir o ressarcimento dos valores
pagos! É isso a Justiça?
Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi.blogspot.com
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