Publicação compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 26
de março de 2021
O dono do Supremo
Do ponto de vista político, para todos os efeitos, a
principal Corte de Justiça do país passou a ser propriedade privada de Lula.
Que raio de 'ordem constitucional' é essa? J. R. Guzzo para a Oeste:
O Brasil está vivendo numa situação de desordem. De um lado,
por conta da pior epidemia de sua história, foi paralisado por governadores e
prefeitos que ganharam poderes de ditador — como acontecia na América Central
ou em algum fundão da África, onde os golpistas derrubam o governo, ocupam o
palácio e tomam a central de energia elétrica. De outro, e aí está o pior da
história, todo o sistema de leis entrou em colapso; parou de funcionar como um
conjunto organizado, lógico e previsível de direitos e obrigações, e foi
substituído por uma junta civil de onze juízes-advogados que aboliu a
Constituição, anulou as funções dos Poderes Executivo e Legislativo, e hoje
decide o que o cidadão brasileiro pode, não pode e é obrigado a fazer.
O desmanche da economia, das liberdades individuais e da
vida social do Brasil, comandado pelas “autoridades locais” e por seus comitês
de “cientistas”, deve durar enquanto durar a covid. A baderna instalada na
sociedade brasileira pelo Supremo Tribunal Federal já são outros 500. Os
ministros governam por default, como se diz. Perceberam que o Legislativo, de
um lado, se pôs de joelhos diante deles — mais de um terço dos seus integrantes
tem processos penais nas costas e estão no Congresso para se esconder da
polícia; só o STF pode lhes causar problemas, e ninguém ali quer problema. Já
sabem, de outro lado, que têm diante de si um Executivo frouxo, derrotado, sem
músculos, sem energia e sem cérebro — incapaz de reagir às agressões que recebe
o tempo todo dos ministros e incapaz, sobretudo, de defender as convicções dos
seus próprios eleitores. O STF, assim, não tem nenhum motivo para mandar menos.
É óbvio que só vai mandar mais.
O último surto dessa ditadura de Terceiro Mundo com pose de
“sociedade civil” e roupa de lorde inglês foi um insulto em duas fases aos
cidadãos que cumprem a lei e pagam os seus impostos, e mesmo aos que não pagam
nada. Num primeiro momento, o ministro Edson Fachin anulou de uma vez só todas
as quatro ações penais que envolvem o ex-presidente Lula, inclusive sua
condenação por corrupção e lavagem de dinheiro em terceira e última instância.
O ministro não deu um pio sobre provas, culpa, confissões ou qualquer outra
coisa que tenha a ver com um processo criminal; apenas disse que Lula tinha de
ser processado em outro lugar, e por isso as sentenças de condenação assinadas
por nove magistrados não valem mais nada. Mas o STF achou que só isso não
bastava: além de premiar o réu, decidiu que também tinha de condenar o juiz.
Num segundo momento, então, a ministra Cármen Lúcia acrescentou a avacalhação
ao desastre: declarou o juiz Sergio Moro “suspeito” — com base em informações
obtidas por meio de crime — de ter sido parcial na primeira das nove sentenças
de condenação. Não apenas Lula não tem culpa de nada; agora, o culpado é o juiz
que mandou o chefe supremo para o xadrez. Do ponto de vista político, para
todos os efeitos, a principal Corte de Justiça do país passou a ser sua
propriedade privada.
Que raio de “ordem constitucional” é essa? O STF, tudo de
uma vez só, endossa o “toque de recolher” imposto pelos governadores — medida
que poderia ser decretada unicamente em estado de sítio. Não existe estado de
sítio no Brasil, mesmo porque só o presidente da República, pela Constituição,
tem o direito de decretar uma providência assim; mas o STF não toma
conhecimento dessa deformidade. Os ministros prendem um deputado, sem ter
nenhum direito a isso; ao mesmo tempo, conduzem há mais de um ano um inquérito
perfeitamente ilegal contra seus inimigos, com censura à imprensa e prisão de
jornalistas. Anulam leis votadas de maneira legítima pelo Congresso. Declaram
nulos decretos do presidente da República. Proíbem a polícia de voar de
helicóptero sobre as favelas do Rio de Janeiro. Vetam a nomeação de funcionários
de primeiro escalão do Executivo. Anulam por motivos políticos, como fizeram
neste caso de dupla proteção a Lula, processos que correm legalmente na
Justiça. Atendem, de maneira quase automática, a petições de partidos políticos
de esquerda que perdem votações no plenário do Congresso.
O STF não está mais funcionando, nem por aproximação, como
uma Corte constitucional — o que poderia ter a ver com a Constituição, por
exemplo, a alteração de menos de 0,1% na área de um parque nacional, que a
Câmara aprovou e o STF anulou? Também não está funcionando como um tribunal de
Justiça comum. Está governando — e está governando em favor de uma orientação
política e partidária muito bem definida. As mentes civilizadas fazem de conta
que o STF é neutro. Como assim, “neutro”? Oito dos seus onze ministros foram
escolhidos justamente pelos dois governos mais corruptos da História do Brasil,
os de Lula e de Dilma Rousseff — são, ao mesmo tempo, os mais beneficiados pelo
“salva ladrão” geral que vem marcando sistematicamente as decisões penais do
tribunal. Como seria possível esperar imparcialidade de um órgão composto de
nomeações puramente políticas? Isso não sai nunca a preço de custo para o
público pagante. Basta ver as decisões de cada um dos onze. Quem está ganhando?
É curioso. O STF diz que Sergio Moro é “suspeito”. E ele
mesmo, o STF, não é suspeito de nada? Além de todas as suas outras aberrações,
o tribunal vem funcionando, há anos, como um escritório de advocacia para
ladrões milionários, sejam eles políticos ou não. E o beneficiado não é apenas
o PT, nem de longe — nesse mesmo bonde estão o alto almirantado do PSDB, o
centrão mais extremo e tudo aquilo que, de um jeito ou de outro, consegue
roubar alguma coisa de algum cofre do governo. A propósito, o ministro Gilmar
Mendes, o principal inimigo do juiz Sergio Moro e das investigações
antiladroagem da Operação Lava Jato, achou que deveria fazer, sem ninguém lhe
pedir, um elogio público aos advogados de defesa de Lula. Ou seja, não ficou
contente só em condenar o juiz que condenou Lula — também pisou em cima. Esse é
o “garantismo” que existe no STF real; o que se garante, mesmo, é o atendimento
dos desejos, ideias e interesses pessoais dos ministros, dos seus amigos e dos
amigos dos amigos.
Nesse último episódio, como se sabe, a ministra Cármen tomou
a espantosa decisão de mudar o voto que ela própria tinha dado tempos atrás
sobre o mesmíssimo assunto; decidira, então, que o juiz Sergio Moro não era
suspeito de coisa nenhuma. Mas agora, sem que tenha acontecido rigorosamente
nada de novo, e depois de ter “conversado muito com o ministro Gilmar Mendes”,
resolveu atender o atual chefe da facção pró-Lula do STF e voltou atrás; disse
que o seu primeiro voto não valia mais, e veio com um segundo exatamente ao
contrário, este a favor do ex-presidente e contra o juiz que o mandou para a
cadeia. Não há sustentação nenhuma para o que Cármen fez, nem do ponto de vista
jurídico, nem do ponto de vista lógico, nem do ponto de vista da honradez; na
verdade, como lembrou a advogada e deputada estadual Janaina Paschoal, poderia
ser enquadrada em crime de responsabilidade — se o STF, é claro, não mantivesse
as leis do país, o tempo todo, em estado de morte cerebral. A conduta de
Cármen, em todo caso, combina perfeitamente com a atmosfera de anestesia moral
permanente em que vivem hoje os ministros do tribunal.
O STF, pelas decisões que tomou nos últimos anos, transformou-se na maior ameaça à segurança jurídica no Brasil em que vivemos; como em qualquer país subdesenvolvido, aqui a mesma lei é diferente a cada vez que é aplicada pelo STF, e vai sempre na direção daquilo que os ministros estão querendo no momento. Tudo serve, nada é previsível. O cidadão, como resultado, está sempre inseguro: nunca sabe o que vão resolver, e nunca consegue se sentir protegido pela lei. A decisão de Cármen levou o STF a novos patamares de insegurança jurídica; é como se tivesse dobrado a aposta. Trata-se de insegurança jurídica direto na veia — o que pode haver de mais inquietante que um ministro do Supremo que muda uma decisão já tomada por ele mesmo? Se nem o próprio voto de um ministro vale mais nada, podendo ser trocado como um boné de praia, então o que está valendo? Se isso não é insegurança, então o que poderia ser?
O fato é que esse tipo de atitude não é novidade, levando-se
em conta a qualidade individual dos integrantes do STF. Só é compreensível
falar um pouco mais da ministra Cármen, aliás, porque foi ela a última a vir
para o noticiário por conta do que fez; normalmente, o mais prático é ignorar
que existe. Cármen Lúcia é uma pessoa pequena. Nunca se destacou em nada. Tem a
firmeza ética de uma gelatina de segunda linha. Sua contribuição à ciência
jurídica é igual a três vezes zero; como ocorre com seus colegas, nunca
produziu em sua atividade profissional mais do que uma turva aglomeração de
palavras repetidas, copiadas, mal pensadas e mal escritas. Até algum tempo
atrás, Cármen tinha posições contrárias a Lula e à corrupção porque tinha medo
do que poderiam fazer os militares; havia uns ruídos, aqui e ali, de que eles
estariam insatisfeitos com a impunidade dos ladrões. Mas o tempo passou, os
militares nunca saíram de onde estiveram e a estática sumiu; quando a ministra
perdeu o medo, trocou de voto e de lado. (Essas coisas não acontecem só com
ela: a coragem pessoal jamais trouxe algum problema para os atuais ministros do
STF.)
Se tudo isso já não fosse mais do que desastroso do ponto de
vista da estabilidade legal, ainda sobra uma pergunta: se o STF é tão
“garantista” que exige o cumprimento rigorosíssimo da lei nos mínimos detalhes
quando se trata dos direitos dos réus, por que esse mesmo STF admite como
válidas informações obtidas por meio da prática de crimes? Foi o que aconteceu
no processo em que Moro foi condenado. Que raio de “garantia” ao cumprimento da
lei existe numa coisa dessas? O tribunal não só admitiu como “provas” contra
Moro gravações criminosas de conversas telefônicas; baseou unicamente nelas a
sua decisão. E a lei? Não está escrito ali que qualquer elemento obtido de forma
ilegal não pode jamais servir de “prova” para coisa nenhuma? Está. Mas a lei,
hoje, não é o que está escrito; é apenas aquilo que os ministros querem neste
ou naquele momento.
A conduta atual do STF produz um Brasil cada vez mais
subdesenvolvido, mais pobre, mais desigual, com menos oportunidades para todos,
menos progresso, menos produção e menos esperança. É uma receita acabada de
falência.
Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi.blogspot.com
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