Publicação compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 28
de março de 2021
STF é isso: o culpado é o juiz e o condenado é um mártir.
Se vale o que está escrito, Cármen Lúcia deveria estar dando
alguma satisfação sobre o que fez. Mas ela não precisa. J. R. Guzzo para o
Estadão:
Está escrito na lei brasileira o seguinte: “São crimes de
responsabilidade dos ministros do Supremo Tribunal Federal: 1. Alterar por
qualquer forma, exceto por recurso, decisão ou voto já proferido em sessão do
tribunal”. O que poderia haver de mais claro que isso? A lei, por sinal, foi
aprovada em 1950, quando os deputados e seus redatores ainda sabiam escrever em
português. Se vale o que está escrito, então, e segundo requer a lógica mais
comum, a ministra Cármen Lúcia, que acaba de fazer exatamente o que a lei diz
que é crime, deveria estar dando alguma satisfação sobre o que fez; pelo menos
isso. Mas aí é que está: ela não precisa fazer absolutamente nada. No Brasil de
hoje, que é o Brasil como o STF quer que ele seja, é mais fácil o simpático
camelo da Bíblia passar pelo buraco de uma agulha do que a lei valer alguma
coisa quando os ministros supremos não querem que valha. A solução universal,
então, é dizer: “Nesse caso a lei não se aplica”. Pronto: tudo resolvido e vida
que segue, até a próxima.
A lei obviamente não se aplica à ministra, nem a qualquer
dos seus dez colegas, nem sobre qualquer decisão que o STF possa tomar –
afinal, entre outros portentos, os ministros tocam há mais de um ano um
inquérito policial que não têm nenhum direito de tocar, prendem deputados
federais, anulam leis aprovadas legitimamente no Congresso Nacional, decretam o
que é proibido fazer, decretam o que é obrigatório que se faça. Se fazem tudo
isso, por que iriam implicar com Cármen, ainda mais quando ela está fazendo
exatamente o que eles querem que seja feito?
Não existe rigorosamente nada de certo na decisão que a
ministra tomou para considerar o juiz Sérgio Moro “suspeito” de agir de maneira
parcial na condenação do ex-presidente Lula por corrupção e lavagem de dinheiro
– sentença que foi confirmada por outros oito magistrados superiores a ele.
Quando julgou a história da suspeição, na abertura do caso em 2018, Cármen
disse em seu voto que Moro não era suspeito de nada. Agora, três anos depois e
com a condenação de Lula já passada em terceira e última instância, ela dá um
voto exatamente ao contrário do primeiro. Não aconteceu nada de novo entre um
momento e o outro, a não ser a apresentação de “provas” obtidas através de
gravações ilegais – um crime. Tudo o que houve nesse período, segundo diz
Cármen, foram “conversas” com o “ministro Gilmar Mendes”.
Cármen não fez apenas um reparo ou ajuste técnico em seu
primeiro voto; fez um voto novinho em folha, decidindo simplesmente o oposto do
que já tinha decidido. A mudança também não foi feita “por recurso”, como pede
a lei; Cármen começou, dias atrás, a espalhar na imprensa que poderia dar um
“voto novo”, e assim que o caso foi reaberto para o julgamento final, com um
placar de 2 x 2, ela anulou sua própria decisão e deu a vitória a Lula. É
verdade que os votos, tanto o que era à brinca como o que foi à vera, não foram
dados em sessão plenária do STF, e sim na “Segunda Turma” d qual ela faz parte;
mas foi decisão oficial.
Mas e daí, não é mesmo? Nada disso tem a mais vaga
importância para o STF. O tribunal vive no seu próprio Brasil, um universo no
qual é proibida a entrada de fatos ou pontos de vista diferentes, e onde só
vale a vontade pessoal dos ministros. Eles têm a sua própria realidade. O
ministro Gilmar, por exemplo, diz que o que desmoraliza a Justiça brasileira
não é o Supremo, mas sim a Operação Lava Jato – uma “vergonha mundial”, nas
suas palavras.
O STF é isso: a mais bem-sucedida ação da Justiça contra a corrupção, em toda a história, é um erro, o culpado é o juiz e o condenado é um mártir.
Texto e imagem reproduzidos do site: otambosi.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário