Publicação compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, em 14
de abril e 2021
A maldade banal e seus crimes sem pena
Tortura e morte de Henry por Jairo Jr. são extremo cruel que
resulta da omissão geral. José Nêumanne via Estadão, mostrando em que que berço
maldito foi gerado o monstro que assassinou o menino Henry:
A simpatia e os bons modos sociais do vereador carioca Jairo
Júnior antes da tortura e morte de Henry Borel, de 4 anos, filho de sua
namorada, Monique Medeiros, assim como uma eventual “loucura de monstro”, em
nada atenuam as suspeitas do delegado Henrique Damasceno, da 16.ª DP. Seu
comportamento anterior à morte do menino ajusta-se ao do nazista julgado em
Israel em 1961, como relata Hannah Arendt em Eichmann em Jerusalém: ele é
“normal” e seu comportamento, socialmente “desejável”. Os ensaios da filósofa judia,
publicados em 1963 pela revista norte-americana The New Yorker, aplicam-se a
outro episódio protagonizado pelo ex-filiado ao Partido Solidariedade (terrível
ironia!).
Tal fato foi narrado pelo repórter fotográfico Nilton
Claudino em texto publicado pela revista Piauí, Minha dor não sai no jornal, em
2011, sob esta linha fina: “Eu era fotógrafo de O Dia, em 2008, quando fui
morar numa favela para fazer uma reportagem sobre as milícias. Fui descoberto,
torturado e humilhado. Perdi minha mulher, meus filhos, os amigos, a casa, o
Rio, o sol, a praia, o futebol, tudo”. Ele, a repórter e o motorista foram
delatados por “colegas” da redação do jornal, quando moravam na favela do
Batan, em Realengo, sob domínio da milícia à qual é acusado de pertencer o pai do
investigado no caso Henry, coronel PM Jairo Souza Santos. Atualmente em prisão
domiciliar por causa da covid e de generosa mercê da ministra do Supremo
Tribunal Federal Cármen Lúcia.
O jornalista registrou que “maconheiros” são justiçados em
julgamentos públicos diante da dita comunidade por milicianos. E também a
captura da equipe do jornal pelos verdadeiros donos da ordem e da “lei” na
periferia do Rio. “Durante a tortura, estávamos lado a lado, eu, a repórter e o
motorista. Num quarto escuro, só iluminado por telas de celulares, que usavam
para que pudéssemos assistir uns aos outros serem subjugados. O motorista pedia
para que eu afastasse escorpiões que subiam por suas costas. Não podia
ajudá-lo. Ouvíamos passos de muitos PMs. Tiraram nossos capuzes e substituíram
por sacos plásticos, parecidos com os de supermercados. Com eles, produziam
asfixiamentos temporários. Mas dava para ver as fardas quando olhava por baixo
do plástico.”
O que chamavam de coronel, ou zero-um, tipo de denominação
favorita do presidente Jair Bolsonaro para os próprios filhos, deu o veredicto
de misericórdia que livrou o trio de “intrusos” da morte. Mas não do opróbrio.
O fotógrafo viu-se forçado a separar-se da mulher e dos filhos e viver em
esconderijo incerto e não sabido até hoje, 13 anos depois do fato e a dez da
publicação de seu testemunho, que não emocionou nenhuma autoridade nem
organismos de defesa de direitos humanos. Segundo Claudino, a repórter, não
identificada, reconheceu a voz de um vereador que participava das sessões de
tortura. Desde então, este foi beneficiado pela anistia dada aos donos das
milícias e da política.
Onze anos depois do rapto e a oito da publicação da Piauí, o
castelo da impunidade foi reforçado pela reeleição para uma vaga na Câmara
Municipal do Rio. Jairo Jr. participou de uma live no Dia da Criança com o
então prefeito Marcelo Crivela, e nela declarou: “A gente tem que dar o exemplo
e aí isso daí vai levando para nossas gerações, para nossos filhos”,
pontificou. Esse discurso desmorona no episódio em que é investigado por
tortura e assassinato do indefeso enteado. É que agora encarou uma inesperada
muralha de decência contra sua ocultação. O suspeito não desistiu de usar seu
poder político. Mas os médicos que constataram o óbito no Hospital Barrador se
recusaram a liberar o corpo sem a necessária necropsia do Instituto Médico
Legal (IML). E a autoridade responsável por esse órgão público negou-se a
liberar o cadáver sem o laudo exigido por lei. O vereador telefonou na
madrugada do crime para o governador em exercício, Cláudio Castro, mas este não
interferiu. O Partido Solidariedade expulsou-o sumariamente. A Câmara Municipal
dá sinais de que poderá cassar-lhe o mandato. A ver.
Certo é que o aviso dado por Hannah Arendt continua valendo
para o episódio em si e para todas as manifestações do presidente Jair
Bolsonaro e de seu vice Hamilton Mourão a favor de torturas em geral e do
torturador Brilhante Ustra em particular. A tortura de qualquer ser humano
indefeso, em especial, mas não somente, se for uma criança, e leve ou não a
vítima à morte, é crime e covardia indefensáveis para cidadãos “de bem”, ou
não, e que professem quaisquer credos religioso ou ideológico. Elogiá-los é a
eles se acumpliciarem.
O livro de Hannah Arendt deve nos guiar no bom combate a que
se referiu o apóstolo Paulo. Ele ensina que a banalidade do mal é o fenômeno da
recusa do caráter humano do homem, alicerçado na negativa da reflexão e na
tendência a não assumir a iniciativa própria de seus atos. O ser humano está
limitado pela alienação e banalização do mal. No caso não há omissos inocentes.
Apenas cúmplices. E ninguém deverá ser poupado, tendo participado por ação,
inércia ou omissão.
Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi.blogspot.com
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