Bolsonarismo, conservadorismo e liberalismo.
Unidos na eleição de 2018, diferenciações e divergências vão
se tornando mais nítidas, aponta o professor Denis Rosenfield em artigo
publicado pelo Estadão:
Jair Bolsonaro, em sua eleição, conseguiu encarnar a força
do antilulopetismo, congregando em torno de si três correntes de ideias que,
naquele então, apareceram juntas na luta contra um inimigo comum: a extrema
direita, os conservadores e os liberais. Compareceram amalgamados, unidos,
mesmo indistintos, prometendo uma regeneração nacional, contra a corrupção e os
políticos que a ela tinham aderido.
A concepção propriamente de extrema direita, embora já
presente, foi progressivamente ganhando forma, exercendo forte influência
graças à família presidencial e à captura de ministérios importantes. Os conservadores,
bem delineados, surgiram na defesa de valores morais, tendo como representantes
principais os evangélicos. Os liberais apresentaram-se, principalmente, sob a
pauta do liberalismo econômico e menos sob a forma do liberalismo político.
No entanto, nestes mais de dois anos transcorridos, as
diferenciações e divergências internas foram se tornando mais nítidas, embora
algumas ainda não se tenham configurado completamente. Por exemplo, o
liberalismo econômico já foi praticamente deixado de lado, apesar de o ministro
da Economia continuar no poder como figurante de um governo de extrema direita,
afeito a intervenções em empresas públicas, abandono das reformas,
irresponsabilidade fiscal e ausência de privatizações. Sobra apenas um fiapo de
discurso e práticas liberais.
No que diz respeito ao conservadorismo, ele continua ainda
aderido à extrema direita, apesar de fissuras se fazerem cada vez mais
presentes. Os evangélicos prezam a solidariedade, a compaixão, os valores
morais, são reconhecidos como pessoas que reverenciam as virtudes e o trabalho,
logo, não podem compactuar com o tratamento que o bolsonarismo dispensa à
morte, à doença, o seu desprezo pela vida. Quando a morte e a doença batem à
porta, pelo descaso e pela inépcia governamentais, um limite está sendo
ultrapassado. Não há nenhuma gracinha na “gripezinha” e nos efeitos da vacina
criando caudas de jacaré. O que há, sim, é um completo menosprezo por valores
religiosos e morais.
Os traços principais da extrema direita no poder são: 1) A
concepção da política baseada na distinção entre amigos e inimigos. Todo aquele
que não segue as ordens do clã presidencial é considerado inimigo efetivo ou
potencial, seja ele real ou imaginário. Afirma-se, assim, o ódio ao próximo. 2)
A sociedade e o mundo em geral são vistos pelo prisma de uma teoria
conspiratória, com inimigos invisíveis urdindo um grande complô internacional,
sendo o atual governo o bastião de “valores”, evidentemente os seus. 3) O
presidente considera-se investido de uma missão de caráter absoluto, como se
tudo por ele proferido devesse ser simplesmente acatado, no estilo ele manda e
os outros obedecem. 4) Deduz-se daí um culto à personalidade, particularmente
presente em sua apresentação de si como se fosse um mito, uma espécie de messias,
numa deturpação dos valores religiosos. 5) A destruição e a morte tornam-se
traços principais dessa arte de (des)governar, com as instituições
representativas, liberais, sendo atacadas e dando livre circulação ao
coronavírus, com atrasos, incompetência e tergiversações sobre vacinas,
apregoando o contágio por aglomerações e ausência do uso de máscaras. A morte
pode circular livremente!
Ora, o conservadorismo no Brasil, fortemente ancorado em valores morais de cunho religioso, está baseado no amor ao próximo, e não em sua exclusão ou potencial eliminação. Sua expressão política na representação parlamentar se faz pelo diálogo e pela negociação, o outro não podendo ser tomado como inimigo. Mais precisamente, não haveria como aceitar o culto à personalidade, muito menos ordens a serem simplesmente acatadas, pois, nesse caso, o poder laico estaria adotando uma forma religiosa. E conforme assinalado, a vida é algo sagrado, não pode ser tratada com incúria e desprezo. Torna-se nítido que o conservadorismo começa a distanciar-se do bolsonarismo, embora sua imagem continue atrelada a ele.
Quanto ao liberalismo, se o seu componente econômico já está
sendo relegado a uma posição secundária, se não irrelevante, outro valor seu
começa a ser contaminado, a saber, a sua feição propriamente política. Vocações
autoritárias do bolsonarismo são inadmissíveis para um liberal. A política
enquanto distinção amigo/inimigo é o contraponto de tudo o que essa concepção
defendeu no transcurso de sua história. O culto à personalidade lembra tanto o
stalinismo quanto o nazismo e o fascismo, com a glorificação e a santificação
do líder máximo. A distinção dos Poderes, tão cara, está sendo cotidianamente
testada, como se as instituições representativas fosse um obstáculo ao
exercício do poder que devesse ser eliminado.
Eis alguns aspectos que serão centrais nas próximas eleições
e para o destino do País, cujas distinções aparecerão mais claramente numa
abertura para o futuro – isso se algumas dessas correntes não optarem por um
jogo de esconde-esconde, do qual o bolsonarismo sairá vencedor.
Mais vale prevenir do que remediar.
Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi.blogspot.com
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