Publicação compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 1 de
abril de 2021
Capitão Brancaleone
Se Bolsonaro imaginou um golpe, conseguiu apenas mostrar-se
incapaz, escreve William Waack no Estadão:
A história do Brasil já teve ex-militar que demonstrou
extraordinária incompetência para executar um golpe: Luís Carlos Prestes, em
1935. Jair Messias Bolsonaro está um patamar acima do lendário líder comunista,
que também chegou a capitão. Mostrou-se extraordinariamente incompetente até
para imaginar um golpe.
Um golpe é sempre uma ação que, no final das contas, depende
de correlação de forças políticas (em sentido amplo) e militares (em sentido
estrito) – e ambas de um momento apropriado, que é fluido por definição, embora
possa ser “criado”. Bolsonaro ignorou tudo, leu errado os fatos da realidade e
está sendo visto como palhaço que subiu ao trapézio no circo.
Ao contrário de outros candidatos a caudilho, Bolsonaro não
criou qualquer movimento político consistente, organizado e capilarizado que
pudesse minimamente seguir um comando. Para comparação, no seu auge o PT
dispunha de sindicatos, organizações comunitárias, setores da Igreja Católica e
substancial parte da intelectualidade prontos a atender ao que fossem as
diretrizes do comando partidário.
Bolsonaro não dispõe de nada remotamente parecido, talvez
por ter caído no fetichismo tecnológico de que a espuma criada por redes
sociais significa real capacidade de mobilização de forças políticas. No
sentido mais estrito da “política”, não dispõe no tão importante Legislativo
brasileiro de qualquer massa de manobra significativa que ele controle como
quiser. Ao contrário: Bolsonaro é massa de manobra do Centrão, ao qual acabou
de entregar a chave do cofre que o Planalto controlava.
Se em algum momento Bolsonaro acreditou que tinha um
Exército para chamar de “seu”, só um bom psiquiatra conseguiria explicar essa
visão de mundo, pois, a partir da realidade dos fatos, o presidente jamais
poderia ter feito essa afirmação. Bolsonaro ignorou completamente a evolução da
doutrina e do pensamento dos comandantes militares nos últimos 35 anos, que
pode ser resumida na ênfase que dão ao papel institucional e constitucional das
Forças Armadas, além do empenho em profissionalismo, hierarquia e disciplina.
No episódio da demissão do Ministro da Defesa e seus
comandantes militares, Bolsonaro acabou de destruir o pouquíssimo respeito que
os oficiais superiores ainda nutririam por ele. Alguns já se referiam ao
capitão como “ladrãozinho”, pois tiveram de sobreviver décadas apenas a partir
de seus soldos e olham com nojo o esquema de “rachadinhas” no qual a família
está envolvida. É fato que os oficiais superiores abominam a tentativa de
politização das Forças Armadas, mas o que mais criticam em Bolsonaro é o que
identificam como incapacidade de liderança e comando.
Não é à toa que circulam entre militares nos últimos dias
textos relembrando uma das grandes aventuras do século passado, a do navio
“Endurance”, cuja tripulação sobreviveu a partir de 1915 a 22 meses de indescritíveis
dificuldades no gelo da Antártica e acabou sendo salva pela capacidade de
liderança e decisão de seu comandante – um exemplo de chefe dedicado a seus
subordinados, exatamente o que os generais, almirantes e brigadeiros não
enxergam em Bolsonaro.
Por último, Bolsonaro ignorou também o “momento”, que lhe é desfavorável. A pandemia conduziu o País a um tipo de comoção plenamente justificada, a economia está sendo ainda mais abalada, as elites empresariais abandonaram o governo, o Centrão tomou conta do que lhe interessa e fez de Bolsonaro um ente subordinado. Tudo isso fora o STF. Talvez ele esteja sendo assessorado por conselheiros políticos e pessoais que mais parecem saídos da clássica comédia do cinema italiano L’armata Brancaleone (em Portugal o título ficou mais sugestivo: Capitão Brancaleone), de 1966.
É um bando de malucos e mercenários, na Idade Média, incapaz
de planejar e concluir qualquer ação. Pode ser que confiem num final igual ao
do filme, quando milagrosamente são salvos de serem empalados.
Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi.blogspot.com
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