Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil, postada para ilustrar o presente artigo
Publicação compartilhada do blog Luiz Eduardo Costa
Nos anos cinquenta, Josué de Castro "descobriu" a fome.
Por Luiz Eduardo Costa
A fome, parte de uma miseria sempre ocultada.
A fome sempre foi um assunto tabú. Algo escondido, assunto incômodo, jamais abordado nas rodas de pessoas que se consideravam inteligentes. Aliás, a fome nem existia. De fome ninguém morria. Mas, podia morrer com preguiça de trabalhar. Enfim, fome era uma invenção de quem só pretendia ameaçar a harmonia social.
Nos anos cinquenta, um brasileiro, médico , pernambucano, começou a preocupar-se com a desnutrição, com os elevados índices de mortalidade infantil, com as doenças resultantes da escassez de proteínas. E foi aos poucos encontrando-se com a fome, a fome que assolava parcelas expressivas da população brasileira, a nordestina com maior intensidade. Especializou-se em fome, denunciou a fome encoberta pela hipocrisia , a mesma que alimentara a indiferença diante da escravatura, e atravessava o tempo, colocando aos olhos a venda da desfaçatez, que moldava uma sociedade omissa, incapaz ou covarde de enxergar a realidade incômoda.
Josué de Castro, o descobridor da fome, o estudioso da sua abrangência, da realidade social nas regiões onde ocorria mais intensamente, e começou a escrever livros, demonstrando conhecimento, conteúdo científico e coragem moral para denunciar.
Surgiram a Geografia da Fome, a Geopolítica da Fome, traduzidos para diversas línguas, e que despertaram a atenção do mundo, do primeiro mundo, do qual há muito tempo as epidemias da fome já haviam desaparecido. Mas a fome naqueles anos cinquenta, ainda devastava a China, a Índia, e existia sim, de forma quase oculta é verdade, em todo o Brasil.
As pessoas começaram a perder a vergonha quando se declaravam famintos.
E a Fome foi ganhando espaço nos jornais, nas revistas, passou a ser tema debatido entre intelectuais, e chegou até a classe politica, aos que decidiam os “ destinos da Pátria “. Mas tudo muito timidamente. E houve quem, na área dita conservadora, chamasse de comunista a todos os que insistiam em dizer que havia fome no Brasil.
Os programas sociais efetivamente voltados para o combate à fome somente começaram a aparecer consistentemente nos anos setenta, embora o regime de então olhasse com a desconfiança de sempre, os talvez “ subversivos”, descobrindo problemas para alimentar discursos políticos oportunistas.
Josué de Castro, apesar da admiração e do respeito que conquistou através do mundo, aqui foi punido com a cassação dos seus direitos políticos.
Mas a semente da resistência estava lançada, e foram surgindo lideranças abnegadas que ampliaram a consciência social em relação ao problema da fome.
Fernando Henrique iniciou um programa saído de uma ideia de Eduardo Suplicy, e com Lula surgiu a Bolsa Família, ou Bolsa Preguiça, como a depreciaria depois um deputado federal chamado Jair Bolsonaro, que, por sinal, prometia extinguir no seu governo, até enxergar no programa um imenso espaço eleitoral que começou a ocupar com o Auxílio Brasil.
Agora, a ONU reconhece o Brasil como um país que teve êxito na redução da fome. Já foram calculados cerca de quarenta milhões de brasileiros passando fome ou carências nutricionais graves.
Hoje, diz a última estatística, são menos de quinze milhões, mas ainda é muita gente, ainda é uma vergonha que persiste. Um gigantesco produtor de alimentos, como é o Brasil, sem conseguir botar comida na boca de todos os brasileiros três vezes ao dia.
Só não mais nos envergonharemos quando for garantida a todo o brasileiro a comida suficiente sobre a mesa.
O ideal seria que o problema da fome fosse concentrado nas ações de cada município, evidentemente, com o apoio dos governos federal e estaduais.
E fosse elaborada uma alentada pesquisa oferecendo o mapa real da fome em cada município.
Se cada Prefeito que será eleito este ano , seja na cidade grande ou em miúdos municípios, enfrentar de fato o problema da fome, colocando isso como meta de governo e elaborando relatórios anuais, haveria a possibilidade de erradicar de uma vez por todas a vergonhosa situação de conviver com a fome, a mais aviltante situação a que pode ser submetido um ser humano.
Texto reproduzido do site: www blogluizeduardocosta com br
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