Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 18 de novembro de 2025
Bolsonaro merece tratamento especial
Como ex-presidente, Bolsonaro não pode ser tratado como um preso qualquer. O ideal, em razão de sua saúde precária, é que fosse condenado a cumprir pena em prisão domiciliar. Editorial do Estadão:
A publicação da ata de julgamento dos embargos de declaração interpostos por Jair Bolsonaro na Ação Penal (AP) 2.668 abre a etapa derradeira do processo que o condenou a 27 anos e 3 meses de prisão por tentativa de golpe de Estado, entre outros crimes conexos. Mantida a decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), como de resto era esperado, sobram poucas alternativas processuais para a defesa, e nenhuma delas com o condão de alterar o destino do ex-presidente.
Em poucos dias, portanto, será certificado o trânsito em julgado e expedido o mandado de prisão definitiva contra Bolsonaro. Caberá ao ministro Alexandre de Moraes, relator da AP 2.668, determinar o local onde a pena será cumprida. É uma hora grave. Prender um ex-presidente da República impõe ao juiz uma reflexão que transcende a dimensão individual do condenado. Moraes deve combinar senso de justiça, prudência institucional e respeito às prerrogativas inerentes ao cargo. Sobre sua decisão, seja ela qual for, não pode pairar dúvida de que se trata de uma justa reparação, não de vingança.
Têm-se discutido quatro destinos possíveis para Bolsonaro: o Complexo Penitenciário da Papuda, uma sala de Estado-Maior em instalação do Exército, uma cela especial na sede da Polícia Federal ou prisão domiciliar. Todos são juridicamente plausíveis, mas nem todos são igualmente adequados à condição do apenado. Este jornal entende que Bolsonaro não é um preso qualquer. O Estado sancionador pode – e deve – aplicar-lhe a lei com firmeza, mas sem ignorar as prerrogativas associadas à Presidência da República nem as circunstâncias excepcionalíssimas do ex-presidente.
A saúde de Bolsonaro, debilitada após múltiplas cirurgias decorrentes do atentado a faca, não pode ser tratada como mera questão lateral. Ainda que seus apoiadores a tenham explorado politicamente, a fragilidade de Bolsonaro é real e impõe cuidados médicos contínuos, difíceis de serem prestados num sistema penitenciário reconhecidamente falho. Prender um ex-chefe de Estado e de governo na Papuda, uma das prisões mais degradadas do País, seria imprudente, pois poderia precipitar uma crise de contornos imprevisíveis caso um agravamento do quadro clínico de Bolsonaro, sobretudo fatal, ocorresse sob custódia do Estado.
Jamais houve espaço para ingenuidade nesta página. É sabido que milhares de presos em situação vulnerável não recebem cuidado remotamente semelhante ao que será dispensado a Bolsonaro. Isso é grave e inaceitável. Mas a resposta a essa desigualdade não é replicar a negligência, e sim elevá-la ao debate público e exigir reformas estruturais. O Estado de Direito não será mais forte enquanto o País seguir cometendo, deliberadamente, os mesmos erros que reconhece como tais – o STF, afinal, já declarou que o sistema penitenciário brasileiro configura um “estado de coisas inconstitucional”.
Dito isso, é irônica, para dizer o mínimo, a súbita preocupação dos bolsonaristas com as condições da Papuda, após anos defendendo a deterioração das cadeias e o absoluto desprezo pela dignidade dos detentos. Agora, às vésperas da prisão de seu “mito”, os bolsonaristas descobrem, ora vejam, quão precário é o sistema que ajudaram a legitimar. Esse fato, contudo, não altera o dever do Supremo: aplicar a lei de forma isonômica, lembrando que isonomia não significa ignorar condições específicas, mas tratá-las com o rigor técnico adequado.
Há precedentes claros na história recente do País. Luiz Inácio Lula da Silva cumpriu 580 dias de prisão em cela especial na Superintendência da PF em Curitiba (PR). Fernando Collor de Mello, também condenado por corrupção, está em prisão domiciliar humanitária graças a uma concessão do mesmo ministro Alexandre de Moraes, à luz da comprovação das graves doenças de que padece, incompatíveis com a vida no cárcere. O caso de Bolsonaro se enquadra nessa situação. Ademais, a prisão domiciliar, além de adequada à sua condição clínica, não é indulgente – nenhuma privação de liberdade o é.
A democracia brasileira não será aprimorada com o martírio de ninguém. Ao contrário. Só tem a ganhar quando o Judiciário demonstra que sabe punir com firmeza, mas também com magnanimidade – pois é assim que uma República civilizada trata seus criminosos.
Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

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