quarta-feira, 28 de março de 2018

Entrevista com a Dra. Eliana Calmon


Publicado originalmente no site Conjur, em  28 de agosto de 2016

"Com poderes harmônicos, o Judiciário não precisa se imiscuir em questões políticas"

Em transição entre a toga de magistrada e a beca de advogada, a ex-ministra do Superior Tribunal de Justiça Eliana Calmon critica o corporativismo do Judiciário, dispara contra os que atacam a "lava jato" e classifica como preocupante a tentativa de "cortar as asas" do Ministério Público.

Agora como titular de um escritório de advocacia em Brasília, ela tornou-se juíza federal em 1979. Integrou o Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região e, em 1999, chegou ao Superior Tribunal de Justiça, quando se tornou a primeira mulher a ocupar uma cadeira na corte.

De 2010 a 2012, foi corregedora nacional de Justiça, quando ficou conhecida como a ‘Xerife do Judiciário’ em uma jornada sem tréguas pela defesa de investigações contra magistrados.

Nacionalmente conhecida à época de sua passagem pela Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, pela investida contra desvios atribuídos a juízes e como autora da famosa frase sobre a existência de "bandidos de toga", a jurista, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, criticou os ataques do ministro Gilmar Mendes aos integrantes da investigação.

"Nós temos um exemplo que não é muito antigo de que isso é um ponto que é forjado para fazer barrar a atuação da Justiça. Quando os órgãos incumbidos da investigação começam a se atacar mutuamente. Isto é algo que para um sociólogo não é para estranhar. É algo previsto no cardápio de ataque frontal ao bom resultado do poder Judiciário", afirma.

Leia a íntegra da entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo:

Como é trocar a toga de magistrada para vestir a beca dos advogados?
Eliane Calmon — Pelo meu temperamento e forma de agir é praticamente a mesma coisa. Estou na defesa dos interesses daqueles que precisam da Justiça. Seja como julgadora, na parte da imparcialidade absoluta, seja como advogada quando sou parcial pois escolho o lado que quero ficar. Recuso muitos clientes, até clientes que pagam muito bem, mas não aceito participar se entendo que a parte não tem direito.

Como magistrada ou advogada a sra. enfrentará uma Justiça que ano passado ganhou 28 milhões de novos processos. É possível funcionar um Judiciário assim?
Eliane Calmon — Não há condição de funcionar bem. Aí é que começamos a nos preocupar com sistema de correção nos julgamentos. Porque os processos são tão numerosos que os juízes não podem se dedicar a um exame mais detalhado dos processos. Um desembargador do TRF-1 me disse que 'são tantos agravos chegando para resolver problemas processuais que não consigo julgar em tempo real. Só julgo quando o advogado pede'. Por dia. chega uma média de 12 a 15 agravos de forma que ele recebeu um gabinete com 18 mil processos e não consegue dar conta. Quanto mais julga, mais chega processo.

A sra. percebe o Judiciário, além de inchado, atuando além de suas funções? Atuando em searas do Legislativo e do Executivo?
Eliane Calmon — Eu entendo que esse ativismo judicial é próprio do modelo constitucional. A Constituição de 1988 veio estabelecer um Judiciário com ativismo, no sentido de julgar de acordo com a Constituição e os princípios constitucionais. Muitas vezes não existe jurídica para o caso, mas o Judiciário está com um problema para resolver. Hoje, o juiz precisa estar antenado com a realidade social, ele tem que resolver os conflitos para terem eficácia nessa realidade e não dar uma decisão e descumprir-se porque a lei assim determina. Nós precisamos ter os poderes harmônicos para cada vez mais o Judiciário não precisar se imiscuir nessas questões políticas.

Quatro anos após sair da Corregedoria, acha que melhorou o combate a desvios no Judiciário?
Eliane Calmon — Não, continuou tudo no mesmo. Posso até dizer que houve um avanço do corporativismo dentro do Judiciário. Porque hoje o que se fala é que se quer fazer dentro do CNJ um órgão que seja um conselho estadual de Justiça, formado pelos presidentes dos tribunais. De tal forma que só chegue ao CNJ o que passar pelo crivo desse conselho. De forma que nessa questão de investigar juiz, isso piorou muito.

Vê na "lava jato" um bom exemplo de atuação do Judiciário?
Eliane Calmon — Acho que sim. Acho porque hoje o Judiciário tem meios suficientes para resolver isso. Mas não é a lei que faz essa atuação fantástica. Houve também por parte do Ministério Público um empenho muito grande, dos novos procuradores, de fazer valer estas leis e darem elementos suficientes para que houvesse a atuação da Justiça. De forma que temos hoje a combinação de elementos valiosos: a Polícia Federal, o Ministério Público e a Justiça com instrumentos muito modernos.

Há um clima beligerante entre integrantes do STF e a PGR/"lava jato" por causa de uma suposta citação a um ministro da corte. A sra. acha que a "lava jato" corre risco se tentar investigar o Judiciário?
Eliane Calmon — Muitas investigações são barradas quando chegam ao Judiciário, por esta proteção jurídica em relação aos magistrados e por uma proteção do próprio órgão: o corporativismo. Hoje, a magistratura está com um pouco de consciência em relação a necessidade de prosseguirmos uma investigação contra o magistrado. Haja vista a própria manifestação da AMB [Associação dos Magistrados Brasileiros]. Porque a magistratura foi colocada em um patamar de altivez pela atuação do juiz Sergio Moro. Nós magistrados estamos tão satisfeitos e tão felizes que a sociedade, hoje, admira. Não queremos que isso venha a desaparecer. O outro ponto é essa vigília cívica da população que não está perdoando e está de olho para fiscalizar tudo o que acontece no Judiciário.

Esse clima beligerante é correto?
Eliane Calmon — Nós temos um exemplo que não é muito antigo de que isso é um ponto que é forjado para fazer barrar a atuação da Justiça. Quando os órgãos incumbidos da investigação começam a se atacar mutuamente. Isto é algo que para um sociólogo não é para estranhar. É algo previsto no cardápio de ataque frontal ao bom resultado do poder Judiciário. Talvez por um descuido de quem faz as acusações, por não ver o problema como um todo. Mas sem dúvida alguma, faz parte de um cardápio de ataque. E eu vejo com preocupação, sim, sem dúvida alguma. A operação mãos limpas, na Itália, foi assim. Quando começaram a haver ataques, as instituições começaram a se digladiar e o Poder Legislativo começou a tomar posições contra a legislação que eles mesmos aprovaram. Hoje temos em tramitação projetos de lei que fazem flexibilizar algumas conquistas populares, como a Ficha Limpa e a de leniência para empresas. E tentam voltar com a Lei do Abuso de Autoridade. E aquela que está querendo diminuir os poderes do Ministério Público que foram dados na Constituição de 1988. Alguns parlamentares e magistrados também afirmam que é preciso cortar as asas do Ministério Público. Eu vejo com muita preocupação.

Texto e imagem reproduzidos do site: conjur.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário