Carlos Ayres Britto: respeito à constituição e às instituições da República
Publicado originalmente no site JLPOLÍTICA, em 10 de Jun de 2019
Carlos Ayres Britto: “Precisamos buscar um novo elo de
pertencimento ao Brasil”
Há quem não goste do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal
Carlos Ayres Brito. Não que ele seja um não-gostável homem de leis.
Mas é que, nesse tempo de afetação e de homens partidos,
divididos e segregados, há quem espere dele críticas contundentes, definitivas
e salvacionistas, mesmo que à queima-roupa.
Carlinhos, como os sergipanos o chamam, prefere caminhos
menos empedernidos e menos agressivos. Mas não se esconde, com essa sua opção,
atrás de algo blasé.
Pelo contrário: ele lê duramente as realidades que cercam o
país, como a desse tempo de ódio, de segmentação das pessoas entre de esquerda
e de direita, mas apresenta proposições de resolução mais suaves.
“Há uma notável frase de Bertolt Brecht que diz: “Triste de
um povo que precisa de herói”. Um povo, digo eu, precisa é de instituições
equilibradas e respeitadas. Mas o nosso Rui Barbosa, aqui vizinho da nossa
Bahia, um pouco antes dele, disse uma frase melhor ainda - se Rui fosse um
alemão essa frase correria o mundo: “Salvação, sim. Salvadores, não””, diz ele.
Para Carlos Ayres Britto, para todo esse tempo aziago que a
chegada do bolsonarismo e a queda do petismo puseram em prática só existe uma
salvação: o respeito à constituição e às instituições da República. “Fora das
suas instituições não há salvação”, diz ele.
“Nós precisamos buscar um novo elo de pertencimento ao
Brasil”, diz Carlinhos, para traduzir o divisionismo que cingiu o país. Mas seu
olhar é, calmamente, de tensão.
“Eu vejo tudo isso como muito preocupante, porque estamos
confundindo a virtude do pluralismo político e filosófico, estamos confundindo
a virtude da diversidade com o mal do divisionismo. O Brasil precisa é de
unidade”, diz ele.
Na noite do último domingo, 9, enquanto circulava à paisana
por um dos shoppings de Aracaju, o ex-presidente do STF conversou com a Coluna
Aparte. O resultado é o que vai a seguir.
Aparte - Como é que o senhor vê esse momento aparentemente
de intolerância que divide o Brasil num ódio entre direita e esquerda?
Carlos Ayres Britto - Eu vejo tudo isso como muito
preocupante, porque estamos confundindo a virtude do pluralismo político e
filosófico, estamos confundindo a virtude da diversidade com o mal do
divisionismo. O Brasil precisa é de unidade. Nós precisamos buscar um novo elo
de pertencimento ao Brasil. Mas isso por cima. Civilizadamente,
humanisticamente. Esse divisionismo está coincidindo com o pior dos
desequilíbrios factuais nas suas consequências. Qual? O alargamento das
distâncias sociais.
Aparte - E quando um país não se incomoda com esse alargamento
social, um bom itinerário espera por ele?
CAB – Não espera. É o que de pior pode acontecer a uma
nação. Está na hora de cada um de nós, com sinceridade, dizer nesse momento de
crise que se prolonga - lembrando Caetano Veloso, “tudo demorando em ser tão ruim”,
da sua canção “Desde que o samba é samba”: meu amigo número um não sou eu. Eu
sou meu amigo número dois. E o meu amigo número um é o Brasil. Vamos tentar
recolocar o Brasil nos trilhos da dialética.
Aparte - Mas o que fazer para repor o Brasil nos trilhos da
democracia e do desenvolvimento socioeconômico? Tem uma fórmula pronta?
CAB - Não há fórmula pronta. Mas há premissas de posturas.
Uma delas é a de se sentar à mesa de um debate objetivo. E que debate objetivo
é esse? É o da Constituição. E nela vamos buscar saída para esse momento de
crise que se prolonga e que tem como principal consequência danosa o
alargamento das distâncias sociais de que falei há pouco.
Aparte - O senhor acha que esse alargamento das distâncias
sociais e esse enervamento da política brasileira podem dar em um golpe
militar?
CAB - Não acho. A democracia brasileira já deu mostras de
que veio para ficar e vem implantando o que há de mais importante, também,
digamos estrategicamente, que é o entendimento generalizado, firme, de que fora
das suas instituições não há saída. De que fora das suas instituições não há
salvação.
Aparte - Qual é o papel do Judiciário nesse momento?
CAB - O Judiciário, para mim, não é um Poder moderador. Não
é um Poder conciliador. O Judiciário é um Poder julgador. E um julgador
imparcial. Isento. Equidistante. Absolutamente apartidário.
Aparte - Mas o Poder Judiciário não pode avalizar o Estado
Democrático de Direito neste momento?
CAB - O que cabe ao Judiciário? Dizer para os dois demais
Poderes e para si mesmo: cada qual no seu quadrado normativo. Se o Legislativo
se situa no seu espaço, e o faz bem; se o Executivo e o Judiciário fazem o
mesmo, a harmonia será uma resultante lógica. Não precisa se fazer um pacto
pela harmonia. Não se faz pacto para a harmonia de Poderes. Basta que cada qual
se sinta no seu quadrado normativo. Não se pode é abrir mão da independência.
Aparte - Aliás, a Constituição normatiza isso bem.
CAB - Sim. No seu artigo 2º ela já diz qual é a ordem lógica
das coisas: são poderes da União, independentes e harmônicos entre si. Que é
que vem primeiro aí? Olha que bonito: a independência. E quando você vai para
as cláusulas pétreas - artigo 60, parágrafo 4, inciso 3º -, qual é a cláusula
pétrea que ressalta? Não é a união dos poderes. É a separação dos poderes.
Então, tudo está na Constituição.
Aparte - Ela é chama normativa para governantes e
governados?
CAB - Isso. O chamamento de todo brasileiro hoje
comprometido com o seu país é o de cumprir a Constituição orgulhosamente,
reverentemente e até agradecidamente. Porque nós temos uma Constituição de
excelente qualidade, democrática, humanista, civilizada, que defende um meio
ambiente ecologicamente equilibrado. Então, o meu chamamento lógico, é o de
todos fazermos da Constituição a nossa mesa redonda. A nossa mesa de debate.
Aparte - O senhor acha que o presidente Jair Bolsonaro é um
bom leitor da Constituição e das realidades políticas?
CAB – Olha, o Bolsonaro fez, um pouco antes da posse, uma
proclamação pública de que cumpriria a Constituição, e passou a andar com a
Constituição debaixo do braço e a exibi-la. Eu recebi aquilo como um ótimo
sinal. Mas, na prática, parece que ele não tem lido devidamente a Constituição.
Espero que ele o faça. Porque reitero: fora da Constituição não há solução. E a
Constituição concita a todos para o diálogo em torno das instituições. Há uma
notável frase de Bertolt Brecht que diz: “Triste de um povo que precisa de
herói”. Um povo, digo eu, precisa é de instituições equilibradas e respeitadas.
Mas o nosso Rui Barbosa, aqui vizinho da nossa Bahia, um pouco antes dele,
disse uma frase melhor ainda - se Rui fosse um alemão essa frase correria o
mundo: “Salvação, sim. Salvadores, não”.
Aparte - As instituições são totêmicas, sagradas?
CAB – As instituições são o reino da impessoalidade. Da
transparência. Do preto no branco. Da objetividade. Nós precisamos de
instituições que funcionem. Quando numa democracia as instituições funcionam,
você consegue esse milagre: o governante autoritário não consegue implantar um
governo objetivamente autoritário.
Aparte - O senhor é um dos que imaginam que a salvação do
Brasil virá da reforma da Previdência?
CAB - Eu não gosto dessa reforma da Previdência, mas eu
teria que ter muito tempo para bem mais pesquisá-la. Mas eu acho que a
Constituição do Brasil já indica as políticas públicas mais legítimas. Mais
sustentáveis. Quando a Constituição diz assim, no seu artigo 3º, inciso 1º:
“São objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma
sociedade livre, justa e solidária”, esteja certo, uma das projeções desse
solidarismo é a seguridade social. Então isso obriga que as políticas públicas
sejam servientes de uma política de previdência solidária e não à base da
capitalização. Capitalização é para a Previdência complementar. Mas para a
Previdência básica, não.
Aparte - Qual é o conceito que o senhor tem da escola sem
partido e desse contingenciamento das verbas das universidades públicas
brasileiras?
CAB - Aqui eu volto à Constituição novamente: ela revela
especial apreço por determinados temas. Veja, no artigo 205 a educação entra
como o primeiro dos direitos sociais, dizendo que a educação é direito de todos
e dever do Estado, da sociedade e da família. Porque ela visa três coisas: o
pleno desenvolvimento da pessoa humana, o exercício da cidadania e o preparo
para o mercado de trabalho. Quando vai para a universidade, assegura a autonomia
das universidades. Eu acho que o contingenciamento coloca o presidente
caminhando filosoficamente na contramão da Constituição. É preciso que o poder
converse mais sobre esses temas. Que dê satisfação ao povo. Dar satisfação não
significa absolutamente cortejar o público, porque cortejar é jogar para a
plateia. O que se precisa é ser didático, ser explícito e ser reverente. E tudo
isso está na Constituição.
* É jornalista há 36 anos, tem formação pela Unit e é fundador do Portal JLPolítica. É poeta.
Texto e imagem reproduzidos do site: jlpolitica.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário