Publicado na edição impressa de VEJA
Nem Átila
Por J.R. Guzzo
É realmente uma canseira, mas não tem outro jeito. A cada
vez que você vai escrever ou falar alguma coisa sobre a imprensa no Brasil, é
preciso explicar direitinho, se possível com desenho e quadro-negro, que o
autor não é ─ repetindo: não é, de jeito nenhum, nem pensem numa coisa dessas ─
contra a liberdade de imprensa. Não está pedindo a volta da censura, mesmo
porque seria legalmente impossível. Não quer a formação de uma polícia para
fazer o “controle social dos meios de comunicação”. Não está “a favor dos
militares e contra os jornalistas”. Não acha, pelo amor de Deus, que é preciso
fechar nenhum jornal, revista, rádio, televisão, folheto de grêmio estudantil
ou seja o que for. Não lhe passa pela cabeça sugerir aos donos de veículos e
aos jornalistas que publiquem isso ou deixem de publicar aquilo; escrevam em
grego, se quiserem, e tenham toda a sorte do mundo para encontrar quem leia.
Com tudo isso bem esclarecido, então, quem sabe se possa dizer que talvez haja
um ou outro probleminha com a imprensa brasileira de hoje. Um deles é que a
mídia está começando a revelar sintomas de Alzheimer ou de alguma outra forma
de demência ainda mal diagnosticada pela psiquiatria.
É chato lembrar esse tipo de coisa, mas também não adianta
fazer de conta que está tudo bem quando dizem para você dia e noite, 100 mil
vezes em seguida, que o novo governo brasileiro provou ser o pior que a
humanidade já teve desde Átila, o Huno. Não faz nexo. Até Átila precisaria de
mais de duas semanas de governo para mostrar toda a sua ruindade ─ e olhem que
ele foi acusado de comer carne humana e andava cercado de lobos, em vez de
cachorros, sendo que nenhum dos seus lobos era bobo o suficiente para chegar
perto do dono quando sentiam que o homem não estava de muito bom humor naquele
dia. Além disso, errar em tudo é tão difícil quanto acertar em tudo. Talvez
fosse mais racional, então, recuar para uma antiga regra da lógica: as ações devem
ser julgadas pelos resultados concretos que obtêm, e não por aquilo que você
acha delas. Um governo só pode ser avaliado depois de se constatar se as coisas
melhoraram ou pioraram em consequência das decisões que colocou em prática. O
número de homicídios, por exemplo ─ aumentou ou diminuiu depois de doze meses?
A inflação está em 2% ou em 20%? O desemprego caiu ou subiu? E por aí vamos.
Mas essa lógica não existe no Brasil de hoje. Está tudo
errado, 100% errado, porque é assim que decretam os estados de alma dos
proprietários dos veículos e dos jornalistas que empregam ─ e não porque
mediram algum resultado concreto. Ou seja: ainda não aconteceu, mas o governo
já errou. A condenação começou no dia da posse de Bolsonaro e dali até hoje não
parou mais. Os jornalistas, denunciou-se já nos primeiros minutos, não
receberam instalações à altura da sua importância para a sociedade. Donald
Trump não veio. O discurso de estreia foi ruim ─ embora não tivessem publicado
uma sílaba de algum discurso presidencial anterior, para que se pudesse fazer
uma comparação. Há generais em excesso no governo ─ e qual seria o número ideal
de generais no governo? As médias das administrações de Sarney para cá? A média
mundial? O que é pior: o general A, B ou C ou os ministros Geddel, Palocci ou
Erenice? Há poucos nordestinos. O ministro do Ambiente acha que esgotos, por
exemplo, ou coleta de lixo, são problemas ambientais sérios. Conclusão: ele vai
abandonar a Amazônia para os destruidores de florestas.
Como o doente que repete sem parar a mesma coisa, não
consegue descrever o que vê pela janela, e esquece tudo o que lhe foi
demonstrado 1 minuto atrás, a imprensa travou. A prisão do terrorista Cesare
Battisti foi uma “derrota” para Bolsonaro; imaginava-se que teria sido uma derrota
para Battisti, mas a mídia quer que você ache o contrário. O acesso à armas de
fogo para que um cidadão (só aquele que queira), tenha a chance de exercer o
direito de legítima defesa antes de ser assassinado, vai desencadear uma onda
de homicídios jamais vista na história. Como as armas de fogo são caras,
denuncia–se que a medida é “pró-elites”. E se vierem a baixar de preço?
Passarão a ser melhores? Quando alguém começa a escrever coisas assim, e faz
isso o tempo todo, é porque parou de pensar; o cérebro não está mais ligando Zé
com Zé. É um problema. Os leitores, cada vez mais, estão percebendo que a
imprensa é inútil. Não só eles. No dia em que o governo descobrir que não
precisa mais prestar atenção à mídia, vai ver que está perdendo uma montanha de
tempo à toa.
Texto e imagem reproduzidos do Facebook/J. R. Guzzo
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