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quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Últimas palavras: cartas de Alexei Navalny mostram o poder da convicção

Publicação compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 21 de fevereiro de 2024

Últimas palavras: cartas de Alexei Navalny mostram o poder da convicção.

“O ‘vírus da liberdade’ não foi erradicado”, escreveu o dissidente numa das cartas escritas antes do terrível isolamento da prisão onde morreu. Vilma Gryzinski:

O “cidadão”, como foi chamado todo mundo sabe por quem numa das mais desastrosas entrevistas de todos os tempos, tinha topete. E capacidade de rir da própria situação, impossivelmente difícil, muitas vezes trancado na cela de castigo da prisão no Ártico para onde foi transferido, talvez já com o desfecho trágico planejado.

As cartas derradeiras de Alexei Navalny foram reveladas pelo New York Times e o site Free Press. Escrever era praticamente tudo o que ele tinha a fazer, fora as eventuais aparições em vídeos para julgamentos com resultados pré-definidos. Apesar do jogo de cartas marcadas, ele gostava desses eventos. “Distraem e ajudam a passar o tempo mais depressa”, escreveu. “Também proporcionam um senso de propósito e de luta”.

Em lugar de palavras grandiloquentes, disse na última correspondência com o fotógrafo exilado Evgeny Feldman, ele encontrava nas cartas do amigo “tudo o que eu gosto de discutir: comida, política, eleições, escândalos e temas étnicos”.

A última referência era à guerra em Gaza e ao antissemitismo.

Comida é um tema universal de todos os que são privados da liberdade e do acesso a refeições decentes e Navalny usou uma analogia gastronômica para descrever a opressão dominante no sistema penal russo: “Se eles receberem ordens de servir caviar, no dia seguinte servirão caviar. Se receberem ordens de estrangular você na cela, você será estrangulado”.

As palavras, obviamente, são arrepiantes à luz do que aconteceu com Navalny.

CELA DE CASTIGO

Uma parte da história russa, com todas as suas convulsões, foi escrita de dentro de celas de um sistema prisional que remonta a séculos e sobre o qual Navalny disse: “Eu sei que não sou o primeiro, mas gostaria de ser o último, ou pelo menos um dos últimos, a ser forçado a suportar isso”.

“Depois de ler sobre seus 400 dias na ‘cela de castigo’, com rações cada vez menores, dá para entender que existem pessoas que pagaram muito mais por suas convicções”, escreveu ele a um dos mais conhecidos dissidentes do fim da era soviética, Natan Sharansky.

Navalny escreveu a Sharansky depois de ler seu livro de memórias, em abril do ano passado, Não Temerei o Mal. Contou que ele próprio estava na solitária, na qual era constantemente colocado e da qual saía com a incrível força dos dissidentes russos.

Sharansky passou nove anos preso por tentar emigrar para Israel, entre outros “crimes”. Foi um dos últimos protagonistas das famosas trocas de prisioneiros na Alemanha Oriental. Em Israel, ele entrou para a política, foi integrante de vários governos de direita e acabou renunciando a um ministério, por incrível ironia, como gesto de protesto contra a saída das forças israelenses da Faixa de Gaza.

“Seu livro me ajudou muito e continua a ajudar”, agradeceu Navalny. Sharansky respondeu que escreveu o livro quando muitos amigos ainda continuavam presos e que pretendeu produzir, mais do que um relato de seus tempos no cárcere, “um manual de como se comportar no confronto com a KGB”.

“Espero que, por mais difícil que seja fisicamente, você continue a manter sua liberdade interior”.

“CONCLUSÕES CORRETAS”

Navalny não só a manteve como se permitiu arroubos como prever o fim do regime putinista.

“A coisa mais importante é chegar às conclusões corretas de forma a que esse estado de mentiras e hipocrisias não entre em um novo ciclo”.

“O vírus da liberdade está longe de ter sido erradicado. Não são mais dezenas ou centenas como antes, mas dezenas e centenas de milhares que não têm medo de falar pela liberdade e contra a guerra, apesar das ameaças. Centenas estão nas prisões, mas confio que não estejam alquebrados e que não desistam”.

Pode ser uma conclusão incorreta, mas quem diria que a União Soviética desmoronaria apenas seis anos depois de Natan Sharansky ter cruzado a infame “ponte dos espiões” em Berlim?

O corpo de Navalny continua retido.

Vai demorar duas semanas para “saber como o cidadão morreu”. E, obviamente, todo mundo vai acreditar no resultado.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Alexei Navalny: os tiranos matam porque podem, não porque precisam

Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOS, de 19 de fevereiro de 2024

Alexei Navalny: os tiranos matam porque podem, não porque precisam.

Qual o motivo para Putin se preocupar com um adversário derrotado, isolado numa prisão no Círculo Ártico? A lógica do poder absoluto funciona assim. Vilma Gryzinski:

Simpatizantes secretos, ou não tão ocultos assim, começaram a argumentar, logo depois do anúncio da morte de Alexei Navalny, numa prisão no fim do mundo, aos 47 anos, que Vladimir Putin não teria motivos para eliminar o único líder oposicionista que conseguiu algum apoio popular significativo, num passado já quase esquecido.

Numa coisa estão certos: Putin está por cima. Conseguiu interromper e até, em alguns pontos, reverter a contraofensiva ucraniana; na mais recente prova, a bandeira russa foi hasteada na cidade de Avdiviika depois de quatro meses de combates. Ele tem o apoio de mais de 80% da população russa, o que garante uma reeleição de níveis soviéticos daqui a um mês. O preço das sanções econômicas e políticas parece ter sido absorvido sem grandes dramas e tudo que não for tão bem será colocado na conta dos americanos maus, não da insanidade expansionista.

O controle é tão absoluto que apenas pouco mais de 400 pessoas foram presas por ter levado flores e procurado se ajoelhar em homenagens póstumas a Navalny diante de memoriais que lembram as vítimas das grandes repressões da era soviética, na casa das dezenas de milhões.

ESTADO DE TERROR

Diante desse horror absoluto do passado, é preciso reconhecer: Putin não é nenhum Stálin. Nem de longe tem um aparelho repressivo como o da época dos grandes expurgos, capaz de prender, torturar, fuzilar ou enviar para os gulags incontáveis ondas de vítimas, inclusive, ou principalmente, comunistas convictos que morriam dando vivas a Stálin.

Mas a lógica do poder absoluto é a mesma. Stálin não precisava ter mandado matar dezenas de milhões de pessoas para se manter no controle, mas fez isso mesmo assim. Fez porque podia, tinha o prazer dos grandes psicopatas em inflingir sofrimento e ver o estado de terror em que todos viviam à sua volta.

Mas certamente os “feitos” de Putin também têm o efeito exemplaridade. Explodir o avião de Ievgueni Prigojin ou envenenar com plutônio o chá o ex-espião Alexander Litivinenko em Londres são exibições de poder. Além de mostrar o que acontece com quem sai da linha justa.

“VIGARISTAS E LADRÕES”

Alexei Navalny era um adversário – ou inimigo – insuportável pelos padrões dos detentores do poder total. Um homem alto, eloquente, com estampa de galã e até furinho no queixo, com senso de humor ferino, como tantos russos. No auge de seu apelo, chegou a colocar 200 mil pessoas nas ruas, clamando por um regime mais civilizado. Isso já tinha ficado no passado.

Mas Navalny continuava rindo e zombando dos “vigaristas e ladrões”, o nome com que chamava o partido de Putin. Depois de ter sido envenenado, numa tentativa de assassinato com Novichok, a substância secreta dos arsenais russos, ele não só teve o mau gosto de sobreviver como tripudiou sobre os algozes.

Em maio de 2020, ligou para um agente da FSB, a sucessora da KGB, passando-se por um assessor de Nikolai Patruchev, que continua a comandar a polícia política. Convenceu-o a comentar a tentativa de assassinato.

O infeliz lamentou a sequência de acontecimentos que haviam “dado errado”: o piloto do avião em que Navalny viajava quando entrou em choque com o envenenamento foi rápido demais em fazer um pouso de emergência e a equipe médica em terra eficiente demais. O agente também contou detalhes de como o “pó” maligno foi espalhado pela parte de dentro da roupa íntima que Navalny usava.

“Você se lembra da cor da cueca?”, provocou Navalny.

“Azul, acho”, respondeu o agente, sem se dar conta da zombaria.

SENSO DE HUMOR

A capacidade de rir das situações mais absurdas continuou mesmo quando, além de absurdas, as situações eram insuportáveis. Navalny comparou-se a Papai Noel quando foi mandado para a prisão no Círculo Ártico, onde “nunca fez menos do que 32 negativos”. Lembrou o filme O Regresso, em que Leonardo DiCaprio tira as entranhas de um cavalo morto para sobreviver a uma nevasca: “Não ia funcionar aqui, o cavalo congelaria em quinze minutos”.

Além da terapia intensiva na Alemanha, onde sua vida foi salva e recuperada, contra todas as expectativas, ele jogava Call of Duty para retreinar o sistema nervoso devastado. Contra todas as expectativas, também voltou para a Rússia. Um dissidente exilado, como tantas vezes a história russa mostrou, torna-se rapidamente irrelevante.

Ficaram, infelizmente, conhecidas as cenas do julgamento por vídeo, um dia antes de sua morte, em que Navalny, emagrecido mas não derrubado, brinca com o juiz e pede uma parte dos “enormes” de seus rendimentos para pagar as multas na prisão – os funcionários do judiciário russo vivem reclamando dos salários. Todo mundo dá risada.

O tipo de senso de humor cínico que Putin e seus capangas gostam apareceu na declaração sobre a causa da morte de Navalny: síndrome de morte súbita.

Tentar tirar a dignidade até de quem teve a vida tirada é típico de um regime de rufiões.

MENSAGEM DE ESPERANÇA

É triste ver a Rússia, com sua história de grandezas e de tragédias, com suas prodigiosas obras de literatura e música, não seguir um caminho menos obscuro e agressivo. Alexei Navalny era um nacionalista sem nada do “padrão CIA” de liderança que chegou a apoiar, num primeiro momento, a anexação da Crimeia.

Deixou num documentário de 2022 uma mensagem de esperança para o caso de ser assassinado.

“Se eles decidirem me matar, isso significa que somos incrivelmente fortes. Temos que usar esse poder”, disse.

Na verdade, a oposição a Putin é incrivelmente fraca e a morte de Navalny a desidrata mais ainda.

Mas quantas improbabilidades a história russa já mostrou ao mundo?

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Mortes suspeitas: uma rotina na Rússia de Putin


Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 18 de fevereiro de 2024

Mortes suspeitas: uma rotina na Rússia de Putin.

Pelo menos dez empresários e oligarcas russos morreram em condições nebulosas. Caíram de janelas, de escadas ou teriam cometido suicídio após assassinarem suas famílias —dois desses casos ocorreram em menos de 48 horas. Lygia Maria para a FSP:

O Muro de Berlim caiu em 1989 e a URSS esfacelou-se em 1991, mas a infração de direitos humanos e das liberdades de imprensa e de expressão, marca do regime totalitário socialista, ainda vigora na região.

Em 2021, Dmitri Muratov, então chefe do jornal russo Novaya Gazeta, foi laureado com o prêmio Nobel da Paz. Desde a sua fundação, em 1993, seis jornalistas do veículo haviam sido assassinados.

No mesmo ano, relatório do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) mostrou que, desde 1992, 58 profissionais de imprensa foram mortos por realizar seu trabalho na Rússia, que figurava em 11º lugar no ranking do CPJ de nações em que mais homicídios de jornalistas ficaram impunes, com seis óbitos.

Mortes suspeitas e não solucionadas são uma tradição no país governado pelo autocrata Vladimir Putin. A guerra contra a Ucrânia agravou o problema. Desde o início do conflito, ao menos dez empresários e oligarcas russos morreram em condições no mínimo nebulosas. Caíram de janelas, de escadas ou teriam cometido suicídio após assassinarem suas famílias —dois desses casos ocorreram em menos de 48 horas.

A morte de Alexei Navalni, ativista crítico a Putin, em uma colônia penal no Círculo Polar Ártico que nos anos 1960 havia sido um Gulag soviético, tem chances de entrar na lista. Contudo, dado o caráter autoritário do regime, o mais provável é que nunca seja esclarecida.

Centenas de pessoas já foram presas apenas por fazerem vigília por Navalni e a repressão à atividade jornalística piorou nos últimos anos.

Segundo a organização Repórteres sem Fronteiras, "a guerra na Ucrânia permitiu ao Kremlin iniciar em 2022 a operação final de ‘limpeza’ do panorama midiático russo". No Índice de Liberdade de Imprensa de 2023 da entidade, a Rússia ocupa o 164º lugar entre 180 países, 14 posições abaixo da colocação em 2021.

Democracia não se resume a eleições. Sem uma imprensa livre, não há holofotes sobre os atos do Estado, que fica livre para agir nas sombras.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com