Mostrando postagens com marcador DEMOCRACIA. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador DEMOCRACIA. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

O que é democracia?

Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 15 de setembro de 2025

O que é democracia?

Democracia não é um sentimento, uma figura de linguagem ou uma peça de oratória. Democracia não é uma desculpa para que pilantras e canalhas façam as piores coisas. Roberto Motta para a Gazeta do Povo:

Se você parar pessoas na rua e perguntar se elas são a favor da democracia, é provável que 100% digam que sim. Democracia parece ser o grande consenso da modernidade. Mas se você perguntar a elas o que significa democracia, é provável que você receba uma variedade enorme de respostas. Frequentemente, a resposta será o silêncio.

Para muitas pessoas democracia é uma coisa boa, mas indefinida. É quase um sentimento; não sabemos o que é democracia, mas ela faz bem. Para alguns, significa que o povo elege seus representantes. Para outros, é a proteção dos direitos individuais. Há quem defenda que democracia é o sistema em que as minorias são protegidas ou aquele no qual se combate a “desigualdade”.

Muitos, influenciados pela mídia, levantam a bandeira de um certo “estado democrático de direito”, uma construção intelectual e jurídica criada na Alemanha do pós-guerra e depois introduzida nas constituições de Portugal e da Espanha. Estado de direito é fácil de definir: ele existe quando vigora o princípio da legalidade, aquele que diz que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer coisa alguma a não ser em virtude de lei. Mas e democracia?

Minha definição preferida é a de Abraham Lincoln: democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo. É uma definição eloquente, mas que, na prática, não define nada. A definição mais útil parece ser aquela que foi dada por Robert Dahl no seu livro “Polyarchy: Participation and Opposition” (New Haven, 1971, Yale University Press). Para ele, a democracia é um sistema político caracterizado pelos seguintes pontos:

(1) direito de votar

(2) direito de ser eleito

(3) direito dos líderes políticos de competir por votos

(4) eleições livres e justas

(5) liberdade de associação

(6) liberdade de expressão

(7) acesso a fontes alternativas de informação

(8) instituições baseadas em votos.

Democracia não é um sentimento, uma figura de linguagem ou uma peça de oratória. Democracia não é uma desculpa para que pilantras e canalhas façam as piores coisas. Não significa a ocupação do poder por uma elite que usa a própria democracia como desculpa para fazer o que quiser. Isso é democratismo, como foi definido por Emily Finley no seu livro A Ideologia do Democratismo.

Democracia é um sistema político inventado nas cidades-estado da Grécia clássica, que foi primeiro adaptado para o mundo moderno pela Inglaterra e depois pela república norte-americana, e que usa um conjunto de instituições – principalmente a lei – para garantir a um povo o direito de governar a si próprio. Democracia é o governo por consentimento.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Democracia no Brasil está ou não ameaçada? Professor responde


Democracia no Brasil está ou não ameaçada? Professor responde

Jovem Pan News - 15 de set. de 2024  JornalDaManhã

O programa Jornal da Manhã recebeu o professor de direito constitucional Gustavo Sampaio para falar sobre o Dia Mundial da Democracia, comemorado neste domingo, dia 15 de setembro. O especialista repercutiu a importância dos valores deste sistema, respondendo se a democracia brasileira está ameaçada. 

sexta-feira, 5 de julho de 2024

Resistência civil: como conter o autoritarismo dos "salvadores da democracia".


Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 5 de julho de 2024

Resistência civil: como conter o autoritarismo dos "salvadores da democracia".

No Brasil, a sociedade civil foi capaz de prosperar apesar de um governo forte e pesado, mas que na maioria das vezes se mostrou ineficiente e caro. Após as enchentes no Rio Grande do Sul, ficou claro a capacidade organizativa da sociedade, que preferiu não esperar pela ajuda estatal. Duda Teixeira para a revista Crusoé:

Os últimos dias não têm sido fáceis para as instituições democráticas brasileiras. Lula tem atacado sem cessar o Banco Central, exigindo uma redução na taxa de juros com total desprezo pela autonomia da instituição. Também começou a fazer campanha para candidatos municipais, antes do prazo eleitoral, e chamou jornalistas de “cretinos” porque o culparam pela subida do dólar. No Judiciário, ministros do Supremo Tribunal Federal, STF, assumiram as funções do Legislativo e definiram a quantidade de droga que cada pessoa pode possuir para consumo próprio. Em seguida, seis ministros da Corte viajaram para participar em Lisboa de um evento organizado pela faculdade de Gilmar Mendes, o IDP, em que se encontraram com empresários cujas companhias têm ações no tribunal.

Ao final, nenhuma dessas iniciativas foi bem-sucedida. Elas foram duramente criticadas ou caíram no vazio. Em comum, todas foram protagonizadas por pessoas que se colocam como os paladinos da democracia e consideravam o ex-presidente Jair Bolsonaro como um autoritário, justamente pelo seu desrespeito às instituições. “Lula, na verdade, resgatou a democracia no Brasil”, disse Gilmar, no início do ano passado. Contudo, são esses pretensos salvadores da democracia os que mais a maltratam atualmente. Felizmente para os brasileiros, a democracia, com todos os seus defeitos e virtudes, tem se mostrado resiliente. Se foi capaz de resistir a Bolsonaro, é capaz de aguentar Lula e o ativismo do STF.

“Todo populista, seja de esquerda ou de direita, tem uma dificuldade muito grande de lidar com restrições. Então, eles ficam sempre tentando meios de driblar as regras do jogo”, diz o cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getúlio Vargas, coautor do livro Por que a democracia brasileira não morreu?. “Em seus primeiros dois mandatos, Lula teve seguidos problemas com as agências reguladoras. Agora, ele entra em conflito com o Banco Central”, afirma Pereira. Seu livro, lançado este ano em parceria com o cientista político Marcus André Melo, analisa as características da democracia brasileira que permitem suportar tentativas autoritárias, seja da esquerda ou da direita.

O que garante a resiliência da democracia brasileira não é a ação de alguns que se consideram iluminados, mas principalmente o vigor da sociedade civil organizada brasileira, o que engloba a imprensa independente, as organizações não governamentais e entidades formadas pelas empresas privadas. Outra explicação é o controle que os três poderes, Executivo, Judiciário e Legislativo, exercem entre si, sob vigilância constante da opinião pública.

Um exemplo recente de regulação democrática ocorreu dentro do Banco Central. Desde o ano passado, Lula tem mirado o presidente da instituição, Roberto Campos Neto. Já o chamou de “infiltrado de Bolsonaro” e sabotador. “Definitivamente, acho que ele tem viés político”, disse o presidente esta semana. Lula sonha com uma redução da taxa Selic para aquecer a economia e ajudar o PT nas eleições municipais. Até o momento, o presidente já nomeou quatro dos nove diretores do BC. A diretoria de política monetária foi colocada a cargo de Gabriel Galípolo, que tinha sido recomendado por Fernando Haddad e já foi considerado como “menino de ouro”, por Lula. Na última reunião do Copom, no mês passado, tudo indicava que o presidente conseguiria a redução nas taxas de juros que ele tanto deseja.

Não funcionou. O Copom manteve a taxa de juros no patamar de 10,50% ao ano, em uma decisão tomada por unanimidade. Ou seja, todos os nove diretores votaram juntos. A ata divulgada pelo Copom trouxe as explicações técnicas para a decisão, mas o mais interessante nesta história é que as questões individuais não interferiram. Os diretores nomeados por Lula não buscaram agradar ao chefe. Apoiar uma decisão claramente equivocada de queda de juros poderia ser prejudicial quando se considera que presidentes em uma democracia são provisórios, enquanto a carreira de cada um deles, não.

“Há muitos incentivos para os diretores do Banco Central indicados por Lula não sucumbirem às pressões do presidente. Todos eles sabem que a crise econômica de 2015 começou quando a presidente Dilma Rousseff forçou uma redução da taxa Selic. Repetir o erro teria um impacto negativo na reputação deles, que não seriam mais convidados para eventos acadêmicos ou para ocupar a presidência de um banco“, diz o economista Maílson da Nóbrega, da Tendências Consultoria. “Além disso, a população brasileira se familiarizou com as discussões do Copom, e os erros não passam mais despercebidos como no passado.”

Lula não tardou a reclamar da decisão do Copom: “Quem quer o Banco Central autônomo é o mercado”. Mas aquilo que o presidente entende como mercado na realidade é a força da sociedade brasileira organizada, que não quer ser jogada novamente em uma crise sem qualquer motivo.

No Supremo Tribunal Federal, a reação ao ativismo da Corte de descriminalizar a posse de maconha veio de todos os lados, até mesmo de dentro do STF. O Senado reagiu aprovando uma lei que proíbe a posse de qualquer quantidade de entorpecente. O presidente Lula deu declarações dizendo que o “STF não pode se meter em tudo”. E o mais surpreendente: três ministros da Corte deram declarações contundentes contra o ativismo judicial. André Mendonça afirmou que descriminalizar a posse de drogas seria “passar por cima do legislador”, no caso, o Congresso. Luiz Fux disse que, em referência aos demais ministros: “Nós não somos juízes eleitos, o Brasil não tem governo de juízes”. Edson Fachin pediu “parcimônia, comedimento e compostura” do Judiciário. Segundo ele, “abdicar dos limites é um convite para pular no abismo institucional”.

O cenário já era nebuloso quando o evento apelidado de Gilmarpalooza aconteceu em Lisboa. Doze empresas que participaram do evento tinham processos em andamento no Supremo. Ao entrar no evento de Gilmar Mendes, o objetivo delas é influenciar as decisões da principal Corte do país. Para acomodar dezenas de políticos, o Fórum de Lisboa precisou até mudar de nome e tirou a palavra “Jurídico” do seu título. Três ministros do STF recusaram o convite: Kassio Nunes Marques, Cármen Lúcia e Luiz Fux. Uma notícia no portal UOL publicada na terça, 2, dizia que “alguns ministros” estariam criticando internamente o encontro, incluindo André Mendonça e Edson Fachin. A reação tem ocorrido todos os anos, mas nunca foi tão forte. Nas pesquisas de opinião, cerca de metade dos brasileiros diz não confiar no STF e em seus ministros. A indignação é tão grande que um evento desse tipo seria impensável no Brasil, como admitiu o ministro do STF Flávio Dino: “Por que fazer esse fórum em Lisboa? Porque talvez no Brasil fosse impossível, infelizmente”.

Essa pressão da sociedade civil, que influencia os votos no Copom e impede a realização de eventos como o Gilmarpalooza no Brasil, é difícil de ser mensurada e não impede retrocessos no futuro. Mas a existência dessa força é inegável. Só nas últimas semanas, a sociedade civil organizada brasileira barrou o desastroso leilão do arroz estatal e o PL do Aborto no Congresso. Assim que o governo anunciou a vontade de importar grãos após as enchentes no Rio Grande do Sul, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, CNA, veio a público para dizer que, além de desnecessária, a medida prejudicaria os produtores nacionais. A ideia foi engavetada, com o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, anunciando o cancelamento “desses leilões” pois “os preços do arroz caíram”. No Congresso, a Frente Parlamentar Evangélica conseguiu a proeza de, em um país majoritariamente contra o aborto, obter a oposição de 66% da população em um projeto de lei, segundo o Datafolha. A rejeição se deu porque a punição para a mulher estuprada seria superior à do seu estuprador. Acabou sendo mais uma iniciativa abortada.

A força da sociedade civil foi muito bem documentada pelo aristocrata francês Alexis de Tocqueville, após uma viagem de quase um ano pelos Estados Unidos. Em seu livro Democracia na América, de 1835, Tocqueville declarou-se impressionado com a capacidade de organização do povo. “Os americanos de todas as idades, de todas as condições, de todos os espíritos, unem-se sem parar. Não apenas têm associações comerciais e industriais, das quais todos tomam parte, como também têm milhares de tipos: religiosas, morais, sérias, fúteis, muito gerais e extremamente específicas, imensas e pequenas”, escreveu Tocqueville. O hábito de se unir pelo bem comum foi herdado pelos americanos da Inglaterra, que já tinha realizado a maior campanha de mobilização da opinião pública para abolir a escravidão e o tráfico negreiro, no final do século 18.

O movimento iniciado na Inglaterra ainda daria frutos em solo americano, repercutindo nas posições abolicionistas do presidente Abraham Lincoln. Na década de 1960, foi também por pressão da opinião pública que o presidente Lyndon Johnson assinou a Lei dos Direitos Civis, proibindo a discriminação com base em raça, cor, religião, sexo e nacionalidade, e a lei para garantir o voto dos negros. “Essas ideias não partiram da Casa Branca. Elas foram o resultado de um movimento extremamente organizado, que teve ampla participação de líderes religiosos”, diz Lucas de Souza Martins, professor de História dos Estados Unidos na Temple University, na Filadélfia. “Essa e outras transformações da sociedade não ocorreriam sem pressão da sociedade civil.”

No Brasil, a sociedade civil foi capaz de prosperar apesar de um governo forte e pesado, mas que na maioria das vezes se mostrou ineficiente e caro. Após as enchentes no Rio Grande do Sul, ficou claro a capacidade organizativa da sociedade, que preferiu não esperar pela ajuda estatal. Fenômeno parecido ocorreu nos Estados Unidos, quando a rede logística do hipermercado Walmart foi a que mais conseguiu distribuir alimentos e roupas após o furacão Katrina, que arrasou a cidade de New Orleans, em 2005.

“É uma boa notícia que o brasileiro esteja se enxergando cada vez mais como o ator principal da preservação da democracia do país”, diz Souza Martins. “Um povo maduro não pode terceirizar a preservação da democracia para o Supremo, para a Presidência ou para o Congresso. A manutenção da democracia passa, acima de tudo, pelo eleitor. É esse o caminho.”

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

segunda-feira, 3 de abril de 2023

A distorção da ideia de democracia

Publicação compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 2 de abril de 2023

A distorção da ideia de democracia

Tornou-se comum qualificar como ‘antidemocrática’ qualquer medida da qual se discorda, mesmo se democraticamente aprovada; defender a democracia é defender a institucionalidade. Editorial do Estadão:

Tem sido frequente o uso da noção de democracia para fins bem pouco democráticos. Trata-se de manipulação perigosa, que distorce noções fundamentais do Estado Democrático de Direito. A democracia não é uma ideia vaga, disponível para a utilização nas mais diversas finalidades, como cada um bem entender. O regime democrático tem uma configuração concreta, estabelecida na Constituição e na legislação vigente, que vai muito além dos desejos e interesses particulares de quem quer que seja. Defender a democracia é respeitar, acima das idiossincrasias pessoais e políticas, esse conjunto de normas e instituições que integram o regime democrático.

Recentemente, por exemplo, o presidente da Câmara acusou de antidemocráticas as comissões mistas para análise das medidas provisórias (MPs). Previstas na Constituição, elas asseguram o trabalho conjunto da Câmara e do Senado sobre esses atos do Executivo. São perfeitamente democráticas. Foram o modo concreto que o legislador constituinte estabeleceu para que as MPs sejam apreciadas, sem nenhuma distinção de precedência, pelas duas Casas legislativas.

No entanto, ao determinar que as emendas às MPs devem ser apresentadas na comissão mista, esse rito constitucional contraria os interesses do presidente da Câmara, que resiste à sua implementação. A história é escandalosa. Além de desobedecer à Constituição, Arthur Lira utiliza sua discordância pessoal como motivo para chamar tais comissões de antidemocráticas. Há um problema grave quando o presidente da Câmara recorre a esse tipo de confusão.

Mas Arthur Lira não está sozinho. O PT também costuma fazer uso distorcido do conceito de democracia. Quando a legenda não concorda com a solução aprovada democraticamente pelo Congresso, é comum que a desqualifique, tachando-a de antidemocrática. Esse uso manipulador do termo foi visto recentemente nas discussões sobre a independência do Banco Central, o novo marco do saneamento básico e a reforma trabalhista de 2017.

O regime democrático tem como parte essencial a existência de diversas opções legítimas. O papel dos representantes eleitos pelo voto da população é justamente decidir qual solução política escolher. Se houvesse somente um único caminho democrático entre as propostas possíveis, a rigor não haveria necessidade de Congresso. Por isso, é preciso advertir com veemência: não há nada de democrático em manifestar oposição à opção vencedora chamando-a de antidemocrática, simplesmente porque a votação contrariou seus interesses.

Esse erro foi muito visto no governo passado. Tome-se, como exemplo, o modo como o bolsonarismo lidou com a derrota no Congresso da PEC do Voto Impresso. Em vez de aceitarem o resultado do voto dos parlamentares, que rejeitaram a proposta, Jair Bolsonaro e seus seguidores tomaram caminho inverso, numa defesa cada vez mais explícita de que democracia seria exclusivamente a implementação de suas ideias. Se não fosse feito da forma como eles queriam, o sistema não seria democrático.

Mostrando que nada tem de inofensiva, tal atitude desembocou diretamente nas manifestações bolsonaristas em frente aos quartéis depois das eleições e nos atos do 8 de Janeiro. As mensagens e publicações dessa turma eram explícitas: democracia seria apenas a realização do que eles pensam e desejam.

Democracia é coisa séria. É pretensioso e perigoso usar a noção de democracia como forma de dar respaldo às ideias políticas próprias. Uma abordagem assim estaria mais próxima do autoritarismo – da imposição de determinada concepção política – do que do regime democrático. Não existe uma única solução democrática. A solução democrática será aquela escolhida pelos representantes da população, por meio das vias institucionais.

Para que se fortaleça, a democracia precisa estar alicerçada não em ideias fluidas, mas no respeito aos caminhos institucionais. Nesses tempos confusos, um pouco mais de respeito à República – efetivo respeito à lei, em todos os âmbitos – é o meio de defesa e proteção da democracia mais seguro e eficaz.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi.blogspot.com

sábado, 8 de fevereiro de 2020

Enquanto houver..., corrupção/desigualdade... não haverá democracia plena


Publicado originalmente no site SÓ SERGIPE, em 13 de janeiro de 2020

Enquanto houver privilégios, corrupção e desigualdade social não haverá democracia plena

Valtênio Paes (*)

Na origem das palavras, privilégio vem do latim privilegium.ii. Vantagem atribuída a uma pessoa e/ou grupo de pessoas em detrimento dos demais;). Já corrupção vem do latim corrumpere, “destruir, estragar”, quebrar, arrebentar”. Parecem diferentes, mas têm semelhanças. A prática da primeira tem base legal. A segunda esconde-se na ilegalidade, porém ambas têm sentidos danosos e corroem o aperfeiçoamento da democracia.

Desde Clístenes (Atenas, 565 a.C. – 492 a.C.), político grego considerado um dos pais da democracia, até o século XXI se busca seu aperfeiçoamento. Nos dias atuais esta forma de governo merece coragem radical para sua adequação à contemporaneidade sob pena de sê-la equiparada a qualquer outra forma de governo. Segundo pesquisa publicada pelo Data- Folha de 05/10/2018, “69% dos brasileiros acreditam que a democracia é sempre melhor do que qualquer outra forma de governo, contra 12% que acham que a ditadura é melhor em certas circunstâncias. Para 13%, tanto faz se o governo é uma democracia ou uma ditadura”. Eis um alerta!

Clístenes, o pai de democracia

Os países no século XXI passam por crises em seus modelos tidos como democráticos. O povo cada vez reage se manifestando pela insatisfação com os estilos atuais de gestão tida como democrática. Tal reação popular resulta em retrocessos ou avanços momentâneos. Veja em 2019 a Bolívia, França, EUA, Inglaterra, Argélia, Irã, Hong Kong, Chile, Haiti, Equador, Venezuela, Argélia, Sudão, Hong Kong, Zimbábue, República Tcheca, Porto Rico, Espanha, França, Iraque, Irã, Líbano, África do Sul, Índia com manifestações populares eclodindo nas ruas, assustando democráticos à moda antiga. O que está acontecendo? Foi de repente? Quais as causas?

Como consequência do uso de privilégios, da prática da corrupção e de modelos econômicos conservadores, a desigualdade social cresce assustadoramente no Brasil e no planeta. Em alguns países como Abdelaziz Bouteflika na Argélia, Omar al-Bashir, no Iraque, Porto Rico e no Líbano renunciaram a planos de se manter no poder.

Importante analisar outro ingrediente, a crescente desigualdade socioeconômica. O número de milionários no mundo quase dobrou de 2010 para 2019″. As desigualdades persistem”, diz o secretário-geral da ONU. A década termina com uma persistência da concentração de riqueza no mundo”. Má gestão levou a maior desigualdade”, diz presidente do Insper”

A população frustrada, face à desigualdade social, corrupção e privilégios aumenta a desconfiança nas ações dos gestores públicos. Governantes surdos diante dos apelos da sociedade não se propõem a uma ressignificação da gestão abolindo privilégios, extirpando a corrupção e reduzindo a desigualdade.

Aventureiros se elegem com sentimento nacionalista-conservador numa época cada vez mais globalizada nas comunicações e na economia. Em outros países como no Chile, o governo submeteu-se à reformulação da própria constituição. O que era um “modelo” para a América Latina ruiu ante a distância entre ricos e miseráveis. Surge o voto de protesto porque os candidatos não aperfeiçoaram ideias democráticas. O velho estilo da democracia ruiu. Para romper com o voto de protesto o candidato precisa propor novos caminhos contra a corrupção, desigualdade social e privilégios. Senão a ira de muitos eleitores será sempre protestar.

Setenta por cento da população mundial vive em países onde a desigualdade social aumenta. Conforme as Nações Unidas “a desigualdade de renda está em alta, já que os 10% mais ricos da população mundial ganham quase 40% da renda total”. Da mesma fonte, 82% de toda a riqueza criada em 2017 foi para a parcela de 1% mais privilegiada. Para o secretário-geral da ONU, Antônio Guterrez, “as desigualdades persistem”.  262 milhões de crianças não vão ainda para a escola e 10 mil pessoas morrem por dia por falta de acesso à saúde. Nos países ricos, 87% da população tem acesso à internet. Mas nos países mais pobres, a taxa é de apenas 19%.

Elite econômica

Conforme   Jamil Chade, colunista do UOL em 31/12/2019 “em 2018, 26 pessoas controlavam o mesmo volume de riqueza que 3,8 bilhões de pessoas que formam a parcela mais pobre do mundo. Metade da população mundial vive com menos de US$ 5,5 ao dia. Até a elite econômica mundial em Davos passou a admitir nesta década que a desigualdade é uma ameaça. Desde 2017 colocara a desigualdade como os maiores riscos para a economia global e alertava que tal concentração levaria à vitória de Donald Trump e a votação do Brexit”. No Brasil temos muitos seguidores. Na Europa, “somente Bélgica, Noruega, Polônia e Suécia conseguiram reduzir a desigualdade”.

A fronteira entre a miséria e luxo é tênue como condomínio particular no Lago Michelle e da favela de Masiphumelele, na Cidade do Cabo (África do Sul) Favela do Jardim Colombo, no bairro do Morumbi, em São Paulo. Em Sergipe tem 42,8% da população em situação de pobreza segundo a Síntese de Indicadores Sociais (SIS), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No Brasil, a proporção de pessoas pobres era de 25,7% da população em 2016 e subiu para 26,5%, em 2017, acentuando-se em 2019. Relatório da Desigualdade Global, da Escola de Economia de Paris afirma que a concentração de renda no Brasil é ainda maior: o 1% mais rico se apropria de 28,3% dos rendimentos brutos totais. Somos o país democrático mais desigual do mundo. É muita miséria para poucos ricos. Urge sensibilidade moral e social dos governantes.

A maioria dos milionários e bilionários não pensa nem age para combater a desigualdade e possivelmente arma guerras para forçar nova correlação de forças enquanto o povo “inocente” esperneia na miséria. O planeta é o maior condomínio que começa ficar pequeno para seus condôminos. Se não houver compartilhamento as ilhas luxo serão cada vez pressionadas.

 Alguns com cargos de 10,20, 30, 40 mil reais mensais e ainda tem o privilégio de carro, motorista, assessor, diárias, auxílio moradia, etc. pagos dos impostos arrancados do povão que vai ao trabalho numa “lata de sardinha” chamada de ônibus recebendo apenas mil reais por mês. É assim nas estatais, no legislativo, executivo e judiciário. Para existir nos dias atuais democracia plena é necessário transparência, fim dos privilégios e rigor imediato na derrota constante da corrupção. Improvável que a população aceite gestor ganhando “oficialmente” milhares de reais por mês. A ira que durava anos para ensejar uma revolta se potencializa hoje em poucos dias. Entre 2013 e 2020 os exemplos confirmam.

Turbilhão de mudanças

O recado da população está acontecendo no Brasil desde 2013. A democracia precisa ser ressignificada. O planeta vive turbilhões de mudanças. A prática da democracia precisa avançar no aperfeiçoamento de seus ideais. Reduzir a desigualdade, abolir privilégios e combater a corrupção com participação direta da comunidade é um bom caminho antes que seja tarde. Antigas fórmulas, antigos discursos, contradições argumentativas, não sobreviverão ante a velocidade da informação e o aumento da miséria.

A história serve de exemplo para se construir o presente. O presente está urgentemente instantâneo. Gestão séria, transparente, compartilhada e sem privilégios das autoridades no exercício da função pública são necessidades históricas para sobrevivência da democracia contemporânea.

(*) Valtênio Paes de Oliveira é professor, advogado, especialista em educação, doutor em Ciências Jurídicas, autor de A LDBEN Comentada -Redes Editora, Derecho Educacional en el Mercosur- Editorial Dunken e Diálogos em 1970- J Andrade.

Texto e imagem reproduzidos do site: sosergipe.com.br

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

A democracia morreu, viva a democracia!

Imagens e informações dos santinhos são meramente ilustrativas (Foto: Dulla)

Publicado originalmente no site da revista Galileu, em 28/09/2018

A democracia morreu, viva a democracia!

Você está de saco cheio da política e de quem está nela? Pois não está sozinho. Em crise no mundo todo, a democracia representativa aos poucos vê surgirem alternativas que reaproximam os eleitores — sem cair no autoritarismo

Por Ronaldo Bressane  

Um espectro ronda nosso planeta: é o espectro da democracia moribunda. A crise de legitimidade na democracia representativa, expressão frequente na boca de sociólogos e filósofos, pode ser traduzida por cidadãos de saco cheio do sistema político: sempre os mesmos partidos, as mesmas eleições. E esses cidadãos — nós — querem descobrir novas maneiras de chegar ao poder.

A crise da democracia se revela em fenômenos massivos e em estudos e observações de cientistas e historiadores políticos de diferentes vertentes. O que ainda não se vê muito claro no horizonte — e parece que a miopia da maioria da classe política contribui para essa neblina — é o que fazer para que o cidadão insatisfeito volte a se interessar ativamente pela política, antes que a democracia seja substituída por algo muito pior do que os totalitarismos do século 20.

“A democracia está em estado de choque”, anotou Marcos Nobre em Choque de Democracia (Companhia das Letras), escrito a quente depois do junho de 2013. “As reivindicações e passeatas se multiplicam, levantando problemas de bairro e de rua, problemas locais, regionais, nacionais, mundiais, tudo ao mesmo tempo. As demandas vêm de todos os lugares, colocam-se em diferentes alcances e não têm unidade nem organização unitária. Mas hoje a fragmentação é ainda maior: desapareceu a unidade forçada do progressismo como pano de fundo das formulações, incluindo forças políticas conservadoras”, diagnosticou o professor de filosofia da Unicamp.

Em Ruptura (Zahar), lançado há poucos meses, o sociólogo espanhol Manuel Castells detalha esse raio-X. “Existe uma crise mais profunda: a ruptura da relação entre governantes e governados. A desconfiança nas instituições, em quase todo o mundo, deslegitima a representação política e, portanto, nos deixa órfãos de um abrigo que nos proteja em nome do interesse comum”, escreve. Segundo Castells, não é uma questão de opções políticas, de direita ou de esquerda. A ruptura é profunda, tanto em nível emocional quanto cognitivo.

Diante desse vazio, a ascensão do populismo surge como o centro do debate político. Em um dos livros de ciência política mais comentados dos últimos tempos, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt tentam compreender como a eleição de Donald Trump está corroendo o sistema político norte-americano e pode levá-lo à autodestruição. Para eles, o atalho para a autodestruição é a eleição de demagogos, que se transformam em políticos autoritários. “Demagogos extremistas surgem de tempos em tempos em todas as sociedades, mesmo em democracias saudáveis”, escrevem em Como as Democracias Morrem (Zahar).

Polarizações

“O enfraquecimento das normas democráticas está enraizado na polarização sectária extrema — uma polarização que se estende além das diferenças políticas e adentra conflitos de raça e cultura. A polarização mata democracias.” A dupla de cientistas políticos está falando de republicanos versus democratas, mas o raciocínio polarizador estende-se a demandas de todo o mundo, conforme cita o brasileiro Pablo Ortellado. “Todas as sociedades estão se polarizando”, afirma o professor de gestão de políticas públicas da USP. Ele cita, além da sociedade brasileira, a norte-americana (com a ascensão de Trump) e a britânica (com a vitória do Brexit) como exemplos do fenômeno. Segundo o pesquisador, os motivos desse fenômeno ainda não estão claros, mas têm acontecido depois de crises nos países. O professor diagnostica que as sociedades estão “hipermobilizadas” e que um lado do espectro político tem “medo” do outro. O desafio é criar a renovação política evitando esse sentimento de pânico em relação ao “outro lado”.

Essa sociedade hipermobilizada é usada por “alguém que vem de fora para corrigir o sistema”. O elenco de falsos outsiders inclui Hitler, Mussolini, Fujimori, Chávez. Todos chegaram ao poder a partir de dentro, via eleições ou alianças políticas poderosas. “As elites acreditaram que o convite para exercer o poder conteria o outsider, levando a uma restauração do controle pelos políticos estabelecidos; mas seus planos saíram pela culatra”, contam Levitsky e Ziblatt. “Uma mistura letal de ambição, medo e cálculos equivocados conspirou para levá-las ao mesmo erro: entregar condescendentemente as chaves do poder a um autocrata em construção.”

E como identificar um político que, tão logo assuma o poder, tentará dissolver os instrumentos democráticos? Para a dupla de cientistas, que estudou todos os autocratas dos séculos 20 e 21, de Hitler a Duterte, passando por Perón e Putin, há quatro principais indicadores: 1) rejeição das regras democráticas do jogo; 2) negação da legitimidade dos oponentes políticos; 3) tolerância ou encorajamento à violência; 4) propensão a restringir liberdades civis de oponentes, inclusive a mídia. Se observar esses traços em um candidato, há grandes chances de que, se eleito, você não vote nas próximas eleições — porque elas nem existirão...

---------------------------------------

Trecho da reportagem de capa da edição de outubro da revista GALILEU

Texto e imagem reproduzidos do site: revistagalileu.globo.com