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quarta-feira, 26 de maio de 2021

E se a pandemia foi criada pelo homem?

Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, em 25 de maio de 2021

E se a pandemia foi criada pelo homem?

Para muitos, seria psicologicamente mais fácil se a Covid-19 fosse um produto da natureza. A crueldade e a inescrutabilidade da natureza são mais fáceis de aceitar. Michael Brendan Dougherty para a National Review, com tradução para a Gazeta do Povo:

No início da pandemia de Covid-19, colunistas preocupados com a história começaram a abrir seus livros e procurar o que aconteceu durante as pragas do passado. Talvez pudesse haver lições que servissem de guia para o futuro próximo. E, de fato, vimos a história se repetir: algumas pessoas se isolando por medo da doença; outras vivendo de forma mais hedonista, para aproveitar um pouco a vida antes do fim. Cidades se esvaziando e seus habitantes espalhando a doença no interior e no campo.

No final da Idade Média, encontramos movimentos religiosos extáticos tomando as ruas para fazer penitência diante de Deus. Em 2020, vimos protestos em todo o mundo. Pandemias podem causar tumultos. No passado havia bodes expiatórios, geralmente os judeus. No presente, assistimos ao prefeito de Nova York, Bill DeBlasio, criticar a comunidade judaica ortodoxa no Brooklyn por ir à sinagoga rezar, mesmo quando o movimento Black Lives Matter desafiou o distanciamento social e os toques de recolher impostos a todos os outros cidadãos.

Mas agora temos algo potencialmente novo em uma pandemia: um punhado de humanos e governos culpados.

Você deve ter notado que depois de um ano em que quase todas as autoridades de saúde cerraram fileiras para dizer que era ridículo acreditar que COVID-19 surgiu de um laboratório em Wuhan, agora não falta gente para falar sobre a teoria de vazamento em laboratório. O próprio Dr. Fauci, que rejeitou tal teoria como “não-científica”, agora está dizendo que não está “convencido" de que a Covid-19 surgiu na natureza ou em um mercado de animais silvestres. Até mesmo o chefe da Organização Mundial de Saúde disse que o vazamento do laboratório não poderia ser descartado, após uma investigação da OMS que foi praticamente direcionada para descartar essa teoria. Agora, o Wall Street Journal está informando que a inteligência dos EUA tem a informação de que vários funcionários do laboratório de Wuhan adoeceram e tiveram que ser hospitalizados em novembro de 2019, antes da pandemia ser oficialmente informada pelo governo chinês.

Sem entrar na questão ainda mais importante de se o vírus foi deliberadamente criado por como parte de um experimento de "ganho de função", se a teoria do vazamento de laboratório for verdadeira, a Covid-19 se torna o pior desastre causado pelo homem na história humana. Nada mais estaria remotamente perto.

O número final de mortos no desastre nuclear de Chernobyl é fortemente contestado. O número imediato de mortos é de 31 a 54. Mas isso mal chega aos efeitos da radiação, que afetou dezenas de milhares de pessoas, especialmente aquelas que estiveram envolvidas na limpeza e sepultamento do local. Mas mesmo na extremidade mais distante, quando extrapolamos generosamente a partir de aumentos mensuráveis ​​de casos de câncer, é difícil encontrar danos diretos sérios além da escala de talvez dois milhões de pessoas, incluindo aqueles reassentados, aqueles que relataram quaisquer problemas de saúde ou abortados após as autoridades de saúde europeias aconselharem isso quase imediatamente após o acidente. O desastre da fábrica química Union Carbide em Bhopal, na Índia, matou com gás algo entre 15 mil e 20 mil pessoas e infligiu sérios problemas de saúde de longo prazo a talvez meio milhão de outras pessoas.

A Covid-19 supera todos esses. Até agora, a Organização Mundial da Saúde estima que quase 3,5 milhões de pessoas morreram de Covid-19 em todo o mundo. Algumas estimativas sugerem que entre US$ 16 e US$ 28 trilhões foram perdidos na produção econômica global devido às paralisações, lockdowns e interrupções na cadeia de abastecimento que se seguiram. O fechamento de escolas afetou 1,6 bilhão de pessoas. E isso sem falar sobre as pequenas, mas inesquecíveis perdas que as restrições impuseram às nossas vidas — as reuniões perdidas, ajuda a familiares, os funerais e casamentos aos quais nunca comparecemos.

Para muitos, seria psicologicamente mais fácil se a Covid-19 fosse um produto da natureza. A crueldade e a inescrutabilidade da natureza são mais fáceis de aceitar.

Mas e se toda essa montanha de sofrimento nos últimos dois anos fosse produto de práticas de segurança inadequadas em um laboratório em uma cidade da qual a maioria das pessoas nunca tinha ouvido falar até 2020? Ou se foi em parte culpa de um partido político, o Partido Comunista Chinês — que, procurando evitar constrangimentos, impediu o mundo de descobrir a natureza desse surto quando houve tempo de fazer algo para evitar que se tornasse global? Ou se foi culpa das autoridades americanas que patrocinaram pesquisas de ganho de função no exterior, apesar dos riscos previsíveis de tentar tornar os vírus encontrados na natureza mais infecciosos em seres humanos?

Se a Covid-19 é um desastre causado pelo homem, tentar encontrar as pessoas, as instituições e os governos que criaram este desastre não é achar um bode expiatório, e sim uma necessária averiguação dos fatos antes de se fazer justiça.

Como pode ser essa justiça na prática? Pode incluir proibições globais de pesquisa de ganho de função. Essa medida por si só constituiria uma espécie de revolução silenciosa, uma admissão de que nem todo tipo de pesquisa científica é de fato benéfica para a humanidade. A reputação de todo o empreendimento científico sofreria imensamente com as consequências.

Se foi um projeto de pesquisa de ganho de função que deu errado, os funcionários de saúde pública que o apoiaram e autorizaram sofrerão uma queda dramática em relação à estatura que alcançaram no ano passado.

E se as pesquisas e investigações subsequentes puderem mostrar que as ações do governo chinês — a maneira como manipulou a Organização Mundial da Saúde no início da pandemia — contribuíram para um resultado global pior, pode ser hora de trazer a palavra “reparações” para as discussões internacionais novamente.

O processo de descoberta está apenas começando.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi.blogspot.com

quinta-feira, 20 de maio de 2021

China: o silêncio sobre a possível origem laboratorial do Coronavírus...

Publicação compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 20 de maio de 2021

Tapete da China: o silêncio sobre a possível origem laboratorial do Coronavírus e seu potencial uso militar.

Fugas virais de laboratórios não são fenômenos incomuns. O Sars1 já vazou de laboratórios de Cingapura, Taiwan, e mais de uma vez do Instituto Nacional de Virologia de Pequim. Flavio Gordon via Gazeta do Povo:

“Qualquer um que tiver vacina, eu sou capaz de deitar no chão e deixar que pisem em cima de mim, para que tragam vacina” (senadora Kátia Abreu, 18 de maio de 2021)

Começamos o artigo da semana passada mencionando o vasto e intrincado lobby pró-ditadura chinesa que, mediante censura, ameaça, desinformação, assassinato de reputação e outros expedientes típicos de regimes totalitários, pretende banir do debate público a hipótese de o Sars-CoV-2 ter escapado de um laboratório chinês. Pois bem. Bastou-me compartilhar o link do artigo nas redes sociais para eu mesmo entrar na alça de mira dos filoditadores: pela ousadia de abordar a possível origem laboratorial do novo coronavírus, ganhei um novo gancho (perdi até a conta de quantos já foram) de 30 dias do Facebook. Munidos com suas canecas coloridas cheias de leite de soja, os censores por um mundo melhor decidiram que minha publicação consistia em “desinformação relacionada à Covid-19” e “boatos virais que foram desmentidos repetidamente”.

Por uma dessas ironias do destino, no dia mesmo em que recebi dos meus censores esse benevolente comunicado – que, afinal, só tinha por objetivo libertar-me do reino de ignorância e ódio no qual jazemos todos os que não somos eles, e que espero retribuir à altura no fórum apropriado, a Justiça –, os tais “boatos virais desmentidos repetidamente” eram veiculados por outros atores, bem mais relevantes que este escriba. Em carta publicada na Science, 18 cientistas pediam que a hipótese de origem laboratorial do novo coronavírus continuasse a ser investigada, e criticavam abertamente o relatório conjunto da OMS e da China por descartá-la precocemente. “Tanto a teoria de liberação acidental de um laboratório quanto a de transbordamento zoonótico permanecem viáveis” – lê-se na carta. “Saber como a Covid-19 surgiu é fundamental para orientar as estratégias globais de mitigação do risco de surtos futuros”.

Como se nota, pelo jeito os “boatos” não foram “desmentidos” com a veemência necessária, que satisfaria os camaradas do Partido Comunista Chinês. O que hão de fazer agora os papa-soja da censura e tietes da ditadura chinesa? Cancelar a Science? Suspender as contas dos autores do documento? Morder a testa? Chorar em posição fetal agarrados a ursos de pelúcia? Mastigar seus tênis All-Star com estampa de bolinhas?

Realmente não sei. E, a bem da verdade, não ligo. O que sei, e devo compartilhar com os leitores da Gazeta (um dos poucos jornais tradicionais em que esse tipo de informação pode ser veiculada), é o seguinte: dentre os signatários da carta da Science, merece destaque Ralph Baric, da Universidade da Carolina do Norte, um dos maiores especialistas mundiais em coronavírus, e que tem estudos em parceria com ninguém menos que Shi Zhang-li, a “Mulher Morcego”, líder das pesquisas com coronavírus de morcegos no Instituto de Virologia de Wuhan.

De um lado, temos então esse homem – expert não apenas em estudar, mas, justamente, também em fabricar novos coronavírus em laboratório – subscrevendo um documento que pede investigação sobre uma possível origem laboratorial do Sars-CoV-2. De outro, os funcionários do departamento de censura do Facebook, o coletivo de sobrinhos espirituais de Xi Jinping, experts em lacrar e jogar Tetris. Cabe ao público decidir quem ouvir.

Dissemos que Baric é um dos cientistas cujo metiê é fabricar novos coronavírus em laboratório. E o leitor pode estar se perguntando por que alguém faria isso. No artigo anterior, prometemos examinar esse ponto a partir do ótimo artigo do jornalista de ciência Nicholas Wade, que discute em detalhes a hipótese de origem laboratorial do Sars-CoV-2. É o que faremos agora. Apertem os cintos.

A modalidade de pesquisas conduzidas por virologistas como Baric e Zhang-li é tecnicamente batizada com o eufemismo “experimentos de ganho de função”. Basicamente, trata-se de aprimorar geneticamente um vírus de origem animal para que se torne plenamente adaptável ao organismo humano. A justificativa científica é que, simulando um salto zoonótico natural, adquirimos maior compreensão do potencial patológico do vírus, permitindo antecipar e evitar epidemias futuras. Foi assim, por exemplo, que cientistas recriaram o vírus da gripe espanhola, sintetizaram o quase extinto vírus da poliomielite com base em sua sequência de DNA, e inseriram o gene da varíola em um vírus afim.

No caso dos coronavírus, a atenção dos virologistas dirigiu-se particularmente às chamadas proteínas de espícula, que recobrem a superfície do vírus e lhe dão sua forma característica, de coroa (donde o nome coronavírus, ou “vírus em forma de coroa”). O modo como as espículas são estruturadas determinam em qual espécie animal o vírus irá se “encaixar” melhor. No ano 2000, por exemplo, uma experiência conduzida por cientistas holandeses consistiu em manipular geneticamente a proteína de espícula de um coronavírus de rato, fazendo com que passasse a infectar apenas gatos.

Por ocasião das epidemias de Sars1 e Mers, os cientistas intensificaram os estudos com coronavírus de morcegos, para compreender as mutações que as proteínas de espícula deviam sofrer de modo a infectar os seres humanos. Nesse contexto, Shi Zhang-li e sua equipe do Instituto de Virologia de Wuhan fizeram sucessivas expedições às cavernas de Yunnan, no sul da China, terminando por coletar mais de 100 espécies diferentes de coronavírus de morcegos.

Em parceria com o já citado Baric, o trabalho da “Mulher Morcego” e equipe consistiu basicamente em tornar os coronavírus de morcego plenamente capazes de infectar humanos. Foi assim que, em novembro de 2015, conseguiram fabricar um novo vírus, tomando por base a estrutura do Sars1-coronavírus e substituindo sua proteína de espícula por uma do vírus de morcego batizado de SHC014-CoV. Constatou-se finalmente que essa quimera viral – SHCo14-CoV/SARS1 – era capaz de infectar células das vias aéreas humanas, pelo menos in vitro. Quanta coincidência, não? Como escreve Nicholas Wade em seu artigo: “Se o vírus Sars2 tiver sido cozinhado no laboratório da dra. Shi, então o seu protótipo direto teria sido a quimera viral SHC014-CoV/Sars1, cujo perigo em potencial preocupou muitos observadores e provocou debates intensos”.

Observadores como, por exemplo, Richard H. Elbright, biólogo molecular da Universidade Rutgers e especialista de ponta em biossegurança. Em suas palavras, citadas por Wade: “Está claro que o Instituto de Virologia de Wuhan estava construindo sistematicamente novos coronavírus quiméricos e avaliando a capacidade deles de infectar células humanas e roedores que expressam o ACE2 humano” [o ACE2 – inserido via engenharia genética nas células de roedores, que passam então a ser considerados “humanizados” para fins de pesquisa – é uma proteína que recobre a superfície das células das vias aéreas humanas e que permite o “encaixe” da proteína de espícula do coronavírus]. Também está claro que, a depender dos contextos genômicos constantes escolhidos para análise, essa linha de pesquisa poderia ter produzido o Sars-CoV-2 ou um progenitor próximo do Sars-CoV-2”.

Fugas virais de laboratórios não são fenômenos incomuns. Nas décadas de 1960 e 1970, por exemplo, o vírus da varíola escapou três vezes de laboratórios britânicos, causando 80 infecções e três mortes. Desde então, outros vírus perigosos estudados têm escapado quase que anualmente. Dentre eles, justamente o Sars1, que vazou de laboratórios de Cingapura, Taiwan, e mais de uma vez do Instituto Nacional de Virologia de Pequim.

Um fator agravante para o risco já inerente ao tipo de pesquisa conduzida por Shi Zhang-li diz respeito ao baixo nível de segurança dos laboratórios do Instituto de Virologia de Wuhan. Em primeiro lugar, não havia vacinas disponíveis para proteger os funcionários do laboratório que lidavam com coronavírus. Mas ainda mais grave é o fato de que boa parte do trabalho da “Mulher Morcego” com coronavírus foi realizado no segundo nível mais baixo existente de biossegurança em laboratórios.

Há quatro graus de controle, definidos do BSL1 ao BSL4, sendo este último o nível mais restritivo, indicado para patógenos letais tais como o vírus Ebola. Em Wuhan, a maioria das pesquisas com coronavírus tem sido conduzida em laboratórios com nível BSL2, cujas exigências são bastante básicas (usar luvas, jaleco etc.), correspondentes à segurança sanitária de um consultório odontológico comum. Nessas condições, por óbvio, o risco de infecção dos funcionários com vírus similares ao Sars-CoV-2 (quando não com o próprio) pode ser considerado alto. E, com efeito, segundo relatório emitido pelo Departamento de Estado americano em 15 de janeiro de 2021: “O governo dos EUA tem motivos para acreditar que vários pesquisadores dentro do Instituto de Virologia de Wuhan adoeceram no outono de 2019, antes do primeiro caso identificado do surto, com sintomas consistentes tanto com a Covid-19 quanto com doenças sazonais comuns”. Daí que, na opinião de Elbright, “esse trabalho nunca deveria ter sido financiado e nunca deveria ter sido executado”.

Sim, decerto não deveria. Mas foi. E, escandalosamente, como revela Wade, foi financiado pelo Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (Niaid), que integra os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos. O Niaid, convém lembrar, é dirigido por ninguém menos que Anthony Fauci, líder do combate à Covid-19 nos EUA, duramente criticado pelo então presidente Donald Trump e, por isso mesmo – tal como ocorreu com o nosso Mandetta –, queridinho da imprensa.

A verba proveniente do Niaid foi destinada ao contratante principal, um personagem já nosso conhecido, sobre o qual falamos no artigo anterior: Peter Daszak – presidente da EcoHealth Alliance, que subcontratou Zhang-li e idealizou a carta na Lancet atribuindo à hipótese de origem laboratorial do Sars-CoV-2 a pecha de “teoria da conspiração”. Em dezembro de 2019, todavia, quando a eclosão da pandemia ainda não era amplamente conhecida, Daszak concedeu uma entrevista na qual falava com entusiasmo dos procedimentos experimentais que financiava, notadamente os do Instituto de Virologia de Wuhan. Seguem alguns trechos:

“E agora descobrimos, sabe, depois de seis ou sete anos fazendo isso, mais de 100 novos coronavírus aparentados ao Sars, bem próximos ao Sars... Alguns deles entram em células humanas no laboratório, alguns podem causar doença Sars em camundongos humanizados modelos e são intratáveis com anticorpos monoclonais terapêuticos, e não dá para se vacinar contra eles com uma vacina. Então, eles são um perigo claro e presente... Os coronavírus – você pode manipulá-los no laboratório bem facilmente. A proteína de espícula conduz muito do que acontece com os coronavírus, no risco zoonótico. Então, você pode pegar a sequência, pode construir a proteína, e trabalhamos muito com Ralph Baric da UNC para fazer isso. Insere-se [a proteína] no alicerce de outro vírus e faz-se um pouco de trabalho no laboratório.”

Ocorre que esse “um pouco de trabalho no laboratório”, com financiamento do Niaid, bem pode ter sido a origem da Covid-19. Mais grave ainda, como mostra Wade, é o fato de Fauci ter feito lobby para burlar uma moratória da agência que impedia o financiamento de quaisquer pesquisas de “ganho de função” que aumentassem a patogenicidade da gripe, da Sars1 e da Mers. Explorando uma brecha da moratória – uma nota de rodapé que abria exceção para o impedimento no caso de ficar provado que a pesquisa em tela “era urgentemente necessária para proteger a saúde pública ou a segurança nacional” –, é muito provável que Fauci e Francis Collins (diretor dos NIH) tenham conseguido manter o fluxo de dinheiro que irrigou as pesquisas da “Mulher Morcego”. E, obviamente, também para eles interessa que a hipótese da origem laboratorial da pandemia permaneça sendo estigmatizada como “teoria da conspiração”.

Nicholas Wade resume a questão da seguinte forma: “Está documentado que os pesquisadores do Instituto de Virologia de Wuhan estavam fazendo experimentos de ganho de função projetados para fazer os coronavírus infectarem células humanas e camundongos humanizados. Este é exatamente o tipo de experimento do qual um vírus como o Sars2 poderia emergir. Os pesquisadores não estavam vacinados contra os vírus em estudo, e estavam trabalhando nas condições de segurança mínimas de um laboratório BSL2. Assim, o vazamento de um vírus não seria grande surpresa. Em toda a China, a pandemia eclodiu justamente à porta do instituto de Wuhan. O vírus já estava bem adaptado a humanos, como esperado para um vírus cultivado em roedores humanizados... Quantas evidências mais se poderia querer, além dos ainda inalcançáveis registros laboratoriais documentando a criação do Sars2? Se o caso da origem laboratorial do Sars2 é tão substancial, por que é que mais pessoas não sabem disso? Como pode já estar evidente agora, há muitas pessoas que têm motivos para não tocar no assunto”.

Como já dissemos, a reportagem investigativa de Nicholas Wade é extraordinária, uma das mais aprofundadas já escritas sobre o tema. Há, todavia, um aspecto do problema não contemplado pelo autor, e que precisamos examinar. Ele pode ser resumido da seguinte forma: na República Popular da China, não há diferença entre centros de pesquisa civis e militares. Dito de outro modo, inexiste na China comunista o conceito de pesquisa científica pura ou desinteressada. Ali, atrás da Grande Muralha, todo cientista ou é membro do Partido ou, no mínimo, está sempre sob severa supervisão de seus inspetores.

Essa concepção está claramente manifesta no Capítulo 78 do 13.º Plano Quinquenal (2016-2020) do Partido Comunista Chinês, intitulado “Integração do Desenvolvimento Civil e Militar”, e que descreve uma fusão entre pesquisas civis e militares, inclusive na área estratégica da “biologia sintética”. Portanto, a possibilidade de aproveitamento militar de novos vírus sintetizados em laboratório para fins declaradamente terapêuticos – incluindo aí as quimeras virais fabricadas no Instituto de Virologia de Wuhan e alhures – é inerente à própria organização social, política e cultural da China contemporânea, bem como ao pensamento de seus dirigentes e estrategistas militares.

Ciente disso – e de como são tratados pelo regime os cientistas tidos por “inúteis” ou insubmissos –, não fiquei surpreso quando, no último dia 9, a rede de televisão australiana Sky News Australia pôs no ar mais uma edição de Sharri, programa apresentado pela premiada jornalista investigativa Sharri Markson, que está finalizando um livro intitulado What really happened in Wuhan (com lançamento previsto para setembro de 2021 pela HarperCollins). Nessa edição, Markson decidiu compartilhar com os telespectadores algo do material explosivo contido na obra. A jornalista descobriu um documento de 2015 produzido por cientistas e sanitaristas chineses ligados ao Exército de Libertação Popular (ELP), no qual se discute abertamente, cinco anos antes do início da pandemia, a transformação do Sars coronavírus em arma biológica. Foi justamente em 2015, recorde-se, que a “Mulher Morcego” e sua equipe do Instituto de Virologia de Wuhan fabricaram a quimera viral SHCo14-CoV/SARS1, habilitada a infectar seres humanos.

Com o título em chinês A origem não natural do Sars e as novas espécies de vírus de fabricação humana enquanto armas genéticas, o documento foi editado por Xu Dezhong (professor veterano da universidade médica da Força Aérea chinesa e chefe do grupo de especialistas que lidou com a Sars1) e Li Feng (ex-vice-diretor do Escritório de Prevenção de Epidemias da China), e descrevia os Sars coronavírus como capazes de instaurar “uma nova era de armas genéticas”, pela relativa facilidade com que podiam ser “artificialmente manipulados em agentes patogênicos para humanos, convertidos em armas e lançados de um modo nunca antes visto”. O documento dizia também: “Acompanhando os desenvolvimentos de outros campos da ciência, houve grandes avanços na operacionalização de agentes biológicos. Por exemplo, a recém-descoberta capacidade de congelar microrganismos a seco tornou possível armazenar agentes biológicos e os aerolisar durante ataques”.

De acordo com Markson, há no documento uma seção especialmente dedicada a explorar as condições ideais para se lançar um ataque biológico. Segundo os autores, ao provocar um súbito aumento de pacientes necessitando internação hospitalar, ataques biológicos podem “causar o colapso do sistema de saúde do inimigo” (sic). “Para além das perdas humanas, ataques biológicos em larga escala podem causar muitas consequências indiretas” – continua o documento. “Entre elas, está a sobrecarga do sistema de saúde”.

“Armas biológicas não apenas causam morticínio em massa, como induzem uma notável pressão psicológica capaz de minar a efetividade combativa do inimigo. (...) ataques com armas biológicas podem gerar problemas mentais agudos e crônicos.”

Trecho do documento “A origem não natural do Sars e as novas espécies de vírus de fabricação humana enquanto armas genéticas”, escrito por cientistas ligados ao Exército chinês.

Sublinhando o fato de que armas biológicas produzem efeitos de muito mais longo prazo que ataques convencionais, os cientistas-militares chineses, todos altamente graduados no ELP e no PCCh, mencionam o terror psicológico provocado por um ataque do tipo: “Armas biológicas não apenas causam morticínio em massa, como induzem uma notável pressão psicológica capaz de minar a efetividade combativa do inimigo. Assim como ocorre em outros desastres, as pessoas passam a viver com medo durante um considerável período de tempo após o ataque, resultando em danos psicológicos breves ou, em alguns casos, permanentes. Em outras palavras, ataques com armas biológicas podem gerar problemas mentais agudos e crônicos”.

Nada do que foi descrito acima chega a ser propriamente novidade. Em setembro de 2020, por exemplo, a virologista chinesa Li-Meng Yan, da Universidade de Hong Kong, publicara um artigo intitulado “Características incomuns do Genoma do Sars-CoV-2 indicando sofisticada manipulação laboratorial antes que evolução natural e delineamento de sua provável rota sintética”, no qual defendia a hipótese de o novo coronavírus ter surgido em algum laboratório rigidamente supervisionado pelo ELP. Também no fim de 2020, o ex-embaixador australiano na China (lembrando que, corajosamente, a Austrália entrou de vez em rota de colisão com o gigante asiático) abordou o tema em entrevista ao programa 60 Minutos. Se, portanto, o programa de Sherri Markson teve algum mérito particular foi o de, enfrentando a virulenta guerra de informação movida pela China em todo o globo, exibir num grande veículo de mídia do Ocidente um documento de fonte primária que aborda frontalmente a possibilidade de uso militar do Sars-CoV-2 por parte do governo chinês.

O fato é que, seja nos EUA (onde o Congresso começa a investigar formalmente a hipótese de origem laboratorial da Covid-19), na Austrália, no Reino Unido ou na França, boa parte do mundo começa a encarar o óbvio, a cobrar da China a conta pela pandemia e a se preocupar com o seu agressivo projeto imperialista. Enquanto isso, no Brasil, a imprensa corrupta acoberta todos esses fatos, apenas porque, em sua imaginação tacanha e provinciana, eles podem dar alguma razão ao presidente Bolsonaro. Na maioria dos estúdios e redações, a ordem unida continua sendo a de tratar qualquer sugestão de culpa chinesa pela pandemia com risinhos de deboche, como paranoia ideológica ou teoria da conspiração.

Em perfeita comunhão de propósitos e estratégias com essa imprensa, por sua vez, a bancada pró-China no parlamento, frenética no picadeiro montado por (segurem o riso ou as lágrimas) Renan Calheiros, age contra o interesse pátrio, atacando um ex-chanceler que, mal ou bem, procurou alinhar o Brasil com aquelas preocupações mundiais, e defendendo a ditadura chinesa com unhas e dentes, ao custo da própria dignidade. Propondo um alinhamento automático e aviltante com o PCCh, os parlamentares fizeram de tudo para varrer para debaixo do tapete fatos que lhe fossem incômodos. E, dentre esses parlamentares, ao menos uma senadora elevou a bajulação a outro patamar, chegando a oferecer-se, ela própria, como tapete da China.

Mas que o leitor não seja maldoso de ver nesse ato de contrição, que simboliza o espírito mesmo da assim chamada “CPI da Covid”, qualquer hipótese de motivação pecuniária ou interesse próprio. Afinal, estamos na arena dos apóstolos da ciência (ou “ciênça”, como pronunciam não poucos deles) e do bem comum. Foi tudo, é claro, em nome da saúde do povo brasileiro.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi.blogspot.com

quarta-feira, 24 de março de 2021

A morte está chegando nas famílias dos negacionistas, observa infectologista

Legenda da foto: A médica infectologista Fernanda Grassi, pesquisadora da Fundação Osvaldo Cruz.

Publicado originalmente no site da RÁDIO FRANCE INTERNACIONAL, em 19/03/2021

A morte está chegando nas famílias dos negacionistas, observa infectologista

Por Lúcia Müzell

O Brasil em colapso sanitário. Com os hospitais de quase todas as capitais brasileiras lotados por pacientes da Covid-19, o país vive a maior emergência de saúde pública da sua história. Quando as imagens dramáticas não ajudam os negacionistas da pandemia a compreender a dimensão do problema, a morte batendo à porta de milhares de lares de brasileiros escancara a gravidade do coronavírus.

"Tenho a impressão de que o número de pessoas que estão negando está diminuindo, porque a morte está chegando dentro das famílias brasileiras, na vizinhança delas. Mas é uma pena que a gente precise de um cenário tão catastrófico para compreender a gravidade dessa situação”, afirma a médica infectologista Fernanda Grassi, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz na Bahia, em entrevista à RFI.

À sua volta, Salvador e outras cidades baianas enfrentam um drama semelhante ao restante do país: sem leitos para receber os doentes e sem vacinas suficientes para começar a controlar o vírus. As variantes mais contagiosas do Sars-Cov2 fazem a festa em meio a uma parcela da população que, apesar das evidências, ainda hesita em utilizar máscaras de proteção ou não acredita em medidas de distanciamento social. Influenciados por uma narrativa anticiência que chega da cúpula do Planalto direto pelo WhatsApp, alguns ainda defendem que seria melhor “pegar logo” a doença para “ganhar imunidade”.

“Isso é totalmente falso porque sabemos que elas podem se reinfectar, inclusive pelas novas variantes. A de Manaus, que já é responsável por grande parte das infecções no Brasil, certamente tem um papel importante no número de casos que necessitam hospitalização, no aumento do número de mortes e em atingir pessoas mais jovens. Estamos vendo pessoas com menos de 40 anos em reanimação, na UTI e necessitando de intubação”, ressalta Grassi. "Na medida em que se tem uma epidemia completamente descontrolada, como é o caso do Brasil, abre-se um celeiro para a criação de novas variantes. Eventualmente, elas serão mais agressivas e mais transmissíveis, que é o que estamos assistindo.”

Apenas lockdown “verdadeiro" pode inverter a curva

A infectologista ressalta que, para frear essa dinâmica exponencial de mortes, não existem meias-medidas eficazes: apenas um lockdown rígido, de pelo menos três semanas, será capar de começar a inverter a curva.

"É um problema muito grave porque se fala em fazer lockdown no Brasil, mas até hoje as pessoas não sabem o que é um lockdown verdadeiro. Temos medidas restritivas sendo tomadas, como o toque de recolher das 20h até 5h, que são difíceis, porque fecham uma parte do comércio, mas ineficazes do ponto de vista da epidemia”, explica a especialista, que também realiza pesquisas junto a institutos franceses. "Seria preciso um fechamento total por pelo menos 21 dias para se começar a ter algum efeito, afinal estamos numa situação realmente muito grave, que já passou todos os limites do aceitável, há muito tempo.”

Grassi observa que, há um ano, o Brasil adota medidas brandas e inadequadas para enfrentar o vírus, apesar dos alertas dos cientistas. A decisão apenas prolongou e acentuou a pandemia, e os resultados são sentidos não só em vidas, como na economia.

"Eu não compreendo muito bem por que existe essa resistência. Tem que ter a coragem, agora, de parar com esse aumento exponencial do número de mortos que nós estamos todos assistindo, e fechar tudo para que a gente possa sobreviver. Para ter economia, temos que ter as pessoas vivas”, adverte.

Vacinação lenta ameaça toda a campanha de imunização

A médica chama ainda atenção para a urgência de o ritmo das vacinações ser acelerado. Do contrário, alega, a imunidade coletiva estará ameaçada pelo aparecimento de novas cepas do vírus, resistentes aos imunizantes utilizados agora. Os estudos iniciais mostram que os produtos Coronavac e AstraZeneca, utilizados no país, mantêm eficácia contra as mutações conhecidas até o momento.

“O ritmo atual da vacinação é ineficiente: não adianta querer vacinar 70% da população em um ano e meio, porque isso não vai surtir o efeito que desejamos”, destaca. "Novas variantes podem surgir, e não podemos garantir que a vacina manterá sua eficácia."

Grassi nota ainda que o sequenciamento do genoma dessas mutações não é suficientemente monitorado no país – ou seja, o Brasil sequer está sendo capaz de identificar novas variantes em seu próprio solo, a exemplo do que ocorreu com a de Manaus, reconhecida pela primeira vez por cientistas japoneses.

Texto e imagem reproduzidos do site: rfi.fr/br

sábado, 27 de fevereiro de 2021

Colapso das UTIs mostra que o tsunami da Covid já chegou

Publicação compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, em 27 de fevereiro de 2021

Colapso das UTIs mostra que o tsunami da Covid já chegou

O mundo já percebeu que só terão sucesso os países que vacinarem rápido a população contra a covid-19, alerta o biólogo Fernando Reinach, em artigo publicado pelo Estadão:

O colapso das UTIs que se espalha pelo Brasil era previsível. Um mês atrás foi descoberto que o desastre em Manaus estava associado a uma nova variante brasileira do Sars-CoV-2. Na mesma semana foi demonstrado que as novas variantes se espalham rapidamente e prejudicam a eficácia de algumas vacinas. Não foi difícil concluir que um tsunami de internações e mortes se aproximava (O Tsunami se Aproxima, Estadão / 30 de janeiro de 2021). Como sempre, nada foi feito, e o tsunami chegou.

Quando as novas variantes chegam a uma cidade, casos e internações sobem rapidamente e levam ao colapso do sistema de saúde. Araraquara é um bom exemplo. Se isso ocorrer simultaneamente em muitas cidades, o número de mortes por dia no País pode subir rapidamente para 3 mil ou 4 mil. Mas o mais provável é que essa onda de contaminação se espalhe gradativamente, com cidades ainda livres das variantes, outras no pico, outras com ele já superado.

Pelos próximos meses não podemos contar com os efeitos da vacinação, ainda lenta. E pior, não sabemos como a principal vacina que estamos utilizando, a Coronavac, se comporta frente às novas variantes do Sars-CoV-2 (nem o estudo de fase 3 dessa vacina foi publicado). Corremos o risco de a Coronavac ter sua eficácia diminuída perante as novas variantes, como se constatou para nossa segunda arma, a vacina da Oxford/AstraZeneca. O que sabemos é que mesmo vacinas de alta eficácia como as da Pfizer e Moderna perdem eficácia perante as novas variantes. Sobram a prevenção e, no limite, o lockdown.

O mundo já percebeu que só terão sucesso os países que vacinarem rápido a população, com vacinas de alta eficácia. Além disso precisam desenvolver e produzir rapidamente novas versões das vacinas. Pfizer e Moderna determinaram a eficácia das suas contra as variantes de Sars-CoV-2 e já estão testando novas versões. É pouco provável que Fiocruz e Butantan estejam à altura desse desafio. Sem dúvida este é o momento de diversificar o suprimento de vacinas e começar a elaborar um plano B com vacinas mais eficazes.

Enquanto a situação é de desespero no Brasil, um grupo de cientistas de EUA e Israel publicou o primeiro estudo sobre o efeito da vacinação em massa. Os resultados não podiam ser melhores. Israel já aplicou 90 doses de vacina da Pfizer para cada 100 habitantes - 53% da população já recebeu pelo menos uma dose e 37% já recebeu as duas. No início da vacinação os cientistas selecionaram 596.618 pessoas já vacinadas e compararam o aparecimento da doença nesse grupo com o aparecimento em outro grupo, também de 596.618 pessoas, ainda não vacinado. As pessoas foram escolhidas de modo que cada pessoa do grupo vacinado tivesse correspondente no grupo não vacinado. Assim se um homem de 56 anos, obeso e fumante era incluído no de vacinados, outro homem de 56 anos, obeso e fumante, era incluído no grupo controle.

Como a amostra é enorme, quase 1,2 milhão de pessoas, mais informações podem ser obtidas do que num estudo de fase 3. Entre os muitos resultados, o que me parece mais importante é o seguinte: a vacina reduziu o risco de infecção pelo coronavírus em 92%, reduziu o risco de casos com sintomas em 94%, reduziu o risco de hospitalização em 87%, o de casos graves em 92% e o de morte em 84%. Ou seja, a vacina vai fazer a doença desaparecer de Israel em poucos meses. E o mais importante: a Pfizer já deve ter pronto um reforço (uma terceira dose) capaz de proteger contra novas variantes. Israel não é o Brasil, mas enquanto muitos países caminham para solucionar o problema, nossos governantes parecem nos levar no caminho inverso.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi.blogspot.com

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

A Propagação do coronavírus no Brasil

Manifestante protesta contra o presidente Jair Bolsonaro na frente do Planalto, no último sábado.

Publicado originalmente no site do jornal EL PAÍS BRASIL, em 21 de janeiro de 2021

Pesquisa revela que Bolsonaro executou uma “estratégia institucional de propagação do coronavírus”

Ao analisar 3.049 normas federais produzidas em 2020, a Faculdade de Saúde Pública da USP e a Conectas Direitos Humanos mostram por que o Brasil já superou mais de 212.000 mortes por covid-19

ELIANE BRUM

A linha de tempo mais macabra da história da saúde pública do Brasil emerge da pesquisa das normas produzidas pelo Governo de Jair Messias Bolsonaro relacionadas à pandemia de covid-19. Num esforço conjunto, desde março de 2020, o Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA) da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP) e a Conectas Direitos Humanos, uma das mais respeitadas organizações de justiça da América Latina, se dedicam a coletar e esmiuçar as normas federais e estaduais relativas ao novo coronavírus, produzindo um boletim chamado Direitos na Pandemia – Mapeamento e Análise das Normas Jurídicas de Resposta à Covid-19 no Brasil. Nesta quinta-feira (21/1), lançam uma edição especial na qual fazem uma afirmação contundente: “Nossa pesquisa revelou a existência de uma estratégia institucional de propagação do vírus, promovida pelo Governo brasileiro sob a liderança da Presidência da República”.

Obtida com exclusividade pelo EL PAÍS, a análise da produção de portarias, medidas provisórias, resoluções, instruções normativas, leis, decisões e decretos do Governo federal, assim como o levantamento das falas públicas do presidente, desenham o mapa que fez do Brasil um dos países mais afetados pela covid-19 e, ao contrário de outras nações do mundo, ainda sem uma campanha de vacinação com cronograma confiável. Não é possível mensurar quantas das mais de 212.000 mortes de brasileiros poderiam ter sido evitadas se, sob a liderança de Bolsonaro, o Governo não tivesse executado um projeto de propagação do vírus. Mas é razoável afirmar que muitas pessoas teriam hoje suas mães, pais, irmãos e filhos vivos caso não houvesse um projeto institucional do Governo brasileiro para a disseminação da covid-19.

Há intenção, há plano e há ação sistemática nas normas do Governo e nas manifestações de Bolsonaro, segundo aponta o estudo. “Os resultados afastam a persistente interpretação de que haveria incompetência e negligência de parte do governo federal na gestão da pandemia. Bem ao contrário, a sistematização de dados, ainda que incompletos em razão da falta de espaço na publicação para tantos eventos, revela o empenho e a eficiência da atuação da União em prol da ampla disseminação do vírus no território nacional, declaradamente com o objetivo de retomar a atividade econômica o mais rápido possível e a qualquer custo”, afirma o editorial da publicação. “Esperamos que essa linha do tempo ofereça uma visão de conjunto de um processo que vivemos de forma fragmentada e muitas vezes confusa”.

A pesquisa é coordenada por Deisy Ventura, uma das juristas mais respeitadas do Brasil, pesquisadora da relação entre pandemias e direito internacional e coordenadora do doutorado em saúde global e sustentabilidade da USP; Fernando Aith, professor-titular do Departamento de Política, Gestão e Saúde da FSP e diretor do CEPEDISA/USP, centro pioneiro de pesquisa sobre o direito da saúde no Brasil; Camila Lissa Asano, coordenadora de Programas da Conectas Direitos Humanos; e Rossana Rocha Reis, professora do departamento de Ciência Política e do Instituto de Relações Internacionais da USP.

A linha do tempo é composta por três eixos apresentados em ordem cronológica, de março de 2020 aos primeiros 16 dias de janeiro de 2021: 1) atos normativos da União, incluindo a edição de normas por autoridades e órgãos federais e vetos presidenciais; 2) atos de obstrução às respostas dos governos estaduais e municipais à pandemia; e 3) propaganda contra a saúde pública, definida como “o discurso político que mobiliza argumentos econômicos, ideológicos e morais, além de notícias falsas e informações técnicas sem comprovação científica, com o propósito de desacreditar as autoridades sanitárias, enfraquecer a adesão popular a recomendações de saúde baseadas em evidências científicas, e promover o ativismo político contra as medidas de saúde pública necessárias para conter o avanço da covid-19”.

Os autores assinalam que a publicação não apresenta todas as normas e falas coletadas e armazenadas no banco de dados da pesquisa, mas sim uma seleção que busca evitar a repetição e apresentar o mais relevante para a análise. Os dados foram selecionados junto à base de dados do projeto Direitos na Pandemia, à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União, além de documentos e discursos oficiais. No eixo que definem como propaganda, foi também realizada uma busca na plataforma Google para a coleta de vídeos, postagens e notícias.

A análise mostra que “a maioria das mortes seriam evitáveis por meio de uma estratégia de contenção da doença, o que constitui uma violação sem precedentes do direito à vida e do direito à saúde dos brasileiros”. E isso “sem que os gestores envolvidos sejam responsabilizados, ainda que instituições como o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal de Contas da União tenham, inúmeras vezes, apontado a inconformidade à ordem jurídica brasileira de condutas e de omissões conscientes e voluntárias de gestores federais”. Também destacam “a urgência de discutir com profundidade a configuração de crimes contra a saúde pública, crimes de responsabilidade e crimes contra a humanidade durante a pandemia de covid-19 no Brasil”.

Os atos e falas de Bolsonaro são conhecidos, mas acabam se diluindo no cotidiano alimentado pela produção de factoides e de notícias falsas, no qual a guerra de ódios é também uma estratégia para encobrir a consistência e persistência do projeto que avança enquanto a temperatura é mantida alta nas redes sociais. A publicação provoca choque e mal estar ao sistematizar a produção explícita de maldades colocadas em prática por Bolsonaro e seu governo durante quase um ano de pandemia. Um dos principais méritos da investigação é justamente articular as diversas medidas oficiais e falas públicas do presidente na linha do tempo. Dessa análise meticulosa emerge o plano, com todas as suas fases devidamente documentadas.

Também torna-se explícito contra quais populações se concentram os ataques. Além dos povos indígenas, a quem Bolsonaro nega até mesmo água potável, há uma série de medidas tomadas para impedir que os trabalhadores possam se proteger da covid-19 e fazer isolamento. O governo amplia o conceito de atividades essenciais até mesmo para salões de beleza e busca anular o direito ao auxílio emergencial de 600 reais determinado pelo Congresso a várias categorias. Ao mesmo tempo, busca implantar um duplo tratamento aos profissionais de saúde: Bolsonaro veta integralmente o projeto que prevê compensação financeira para aqueles trabalhadores que ficarem incapacitados em consequência de sua atuação para conter a pandemia e tenta isentar os funcionários públicos de qualquer responsabilidade por atos e omissões no enfrentamento à covid-19. Em resumo: o trabalho duro e arriscado de prevenção e combate numa pandemia é desestimulado, a omissão é estimulada.

Através de retenção de recursos destinados à covid-19, o Governo prejudica a assistência aos doentes na rede pública de Estados e municípios. A guerra contra governadores e prefeitos que tentam implementar medidas de prevenção e combate ao vírus é constante. Por meio de vetos, Bolsonaro anula mesmo as medidas mais básicas, como obrigatoriedade de máscaras dentro de estabelecimentos com autorização para funcionar. Muitas de suas medidas e vetos são depois derrubadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ou pelo próprio Legislativo.

Esse é outro ponto importante: a análise dos dados mostra também o quanto a situação do Brasil poderia ser ainda mais trágica caso o STF e outras instâncias não tivessem barrado várias das medidas de propagação do vírus produzidas pelo Governo. Apesar da fragilidade demonstrada pelas instituições e pela sociedade, é visível o esforço de parte dos protagonistas para tentar anular ou neutralizar os atos de Bolsonaro. É possível fazer o exercício de projetar o quanto todos esses esforços, somados e associados a um governo disposto a prevenir a doença e combater o vírus, poderiam ter feito para evitar mortes em um país que conta com o Sistema Único de Saúde (SUS). Em vez disso, Bolsonaro produziu uma guerra em que a maior parte da energia de parte das instituições e da sociedade organizada foi dissipada para reduzir os danos produzidos por suas ações, em vez de se concentrar em combater a maior crise sanitária em um século.

Quase um ano depois do primeiro caso de covid-19, resta saber se as instituições e a sociedade que não estão acumpliciadas com Bolsonaro serão fortes o suficiente para, diante do mapa de ações institucionais de propagação do vírus, finalmente barrar os agentes de disseminação da doença. O uso da máquina do Estado para promover destruição tem sido determinante para produzir a realidade atual de mais de 1.000 covas abertas por dia para abrigar pessoas que poderiam estar vivas. Na gaveta de Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara, há mais de 60 pedidos de impeachment. No Tribunal Penal Internacional, pelo menos três comunicações relacionam genocídio e outros crimes contra a humanidade à atuação de Bolsonaro e membros do governo relacionadas à pandemia. As próximas semanas serão decisivas para que os brasileiros digam quem são e o que responderão às gerações futuras quando lhes perguntarem onde estavam quando tantos morreram de covid-19.

A seguir, os principais pontos da linha do tempo das ações de Jair Bolsonaro e seu Governo:

MARÇO

(SEMANA EPIDEMIOLÓGICA 10: 1º-7/03/2020)

CASOS ACUMULADOS: 19 - ÓBITOS ACUMULADOS: 0

“Pequena crise”

Uma portaria da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) tenta abrir uma brecha para o acesso de não indígenas, “em caráter excepcional”, com o objetivo de realizar “atividades essenciais” em territórios de povos isolados. A medida busca usar a covid-19 para criar uma porta de acesso a comunidades que nunca tiveram contato com não indígenas (nem com seus vírus e bactérias) ou que decidiram viver sem contato.

O que Bolsonaro diz:

“OBVIAMENTE TEMOS NO MOMENTO UMA CRISE, UMA PEQUENA CRISE. NO MEU ENTENDER, MUITO MAIS FANTASIA. A QUESTÃO DO CORONAVÍRUS, QUE NÃO É ISSO TUDO QUE A GRANDE MÍDIA PROPALA OU PROPAGA PELO MUNDO TODO

EM 7/3, EM MIAMI, NA FLÓRIDA, REGIÃO CONSIDERADA DE ALTO RISCO. PELO MENOS 23 PESSOAS DE SUA COMITIVA FORAM INFECTADAS

ABRIL

(SEMANA EPIDEMIOLÓGICA 15: 5-10/4)

CASOS ACUMULADOS: 20.818 - ÓBITOS ACUMULADOS: 699

Troca de ministro

UESLEI MARCELINO / REUTERS

Bolsonaro demite o ministro da Saúde durante a pandemia. Luiz Henrique Mandetta, além de político, é médico. A principal razão da demissão é a discordância sobre o uso da cloroquina e sobre a atuação pautada pelas recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ao final de março, segundo Mandetta, o presidente passou a buscar assessoria para se contrapor aos dados e à estratégia do Ministério da Saúde: “O Palácio do Planalto passou a ser frequentado por médicos bolsonaristas. (...) Ele [Bolsonaro] queria no seu entorno pessoas que dissessem aquilo que ele queria escutar. (...) Nunca na cabeça dele houve a preocupação de propor a cloroquina como um caminho de saúde. A preocupação dele era sempre: ‘Vamos dar esse remédio porque, com essa caixinha de cloroquina na mão, os trabalhadores voltarão à ativa, voltarão a produzir’. (...) O projeto dele para o combate à pandemia é dizer que o governo tem o remédio e quem tomar o remédio vai ficar bem. Só vai morrer quem ia morrer de qualquer maneira”.

O Congresso aprova o auxílio emergencial de 600 reais, medida parlamentar que seria equivocadamente associada a Bolsonaro por grande parte dos beneficiados, resultando em aumento de popularidade para o presidente.

O que Bolsonaro diz:

“E DAÍ? LAMENTO, QUER QUE FAÇA O QUÊ? EU SOU ‘MESSIAS’, MAS EU NÃO FAÇO MILAGRE

28/4, AO COMENTAR O NÚMERO DE MORTOS DURANTE UMA ENTREVISTA, FAZENDO REFERÊNCIA AO SEU NOME DO MEIO

MAIO

(SEMANA EPIDEMIOLÓGICA 19: 3-9/5)

CASOS ACUMULADOS: 155.939 - ÓBITOS ACUMULADOS: 3.877

Guerra com Estados

JOÉDSON ALVES / EFE

Bolsonaro usa decretos para boicotar as determinações de prevenção e combate à covid-19 de estados e municípios. Para isso, amplia o entendimento do que é atividade essencial durante uma pandemia e que, portanto, pode seguir funcionando apesar do agravamento da emergência sanitária. Assim, a área de construção civil, salões de beleza e barbearias, academias de esporte de todas as modalidades e serviços industriais em geral passam a ser “atividades essenciais”.

O presidente tenta ainda isentar os agentes públicos de serem responsabilizados, civil e administrativamente, por atos e omissões no enfrentamento da pandemia. Bolsonaro também veta o auxílio emergencial de 600 reais mensais instituído pelo Congresso a pescadores artesanais, taxistas, motoristas de aplicativo, motoristas de transporte escolar, entregadores de aplicativo, profissionais autônomos de educação física, ambulantes, feirantes, garçons, babás, manicures, cabeleireiros e professores contratados que estejam sem receber salário. Pela lei aprovada pelo parlamento, essas categorias seriam contempladas pelo auxílio emergencial, para que pudessem fazer isolamento para se proteger do vírus.

O novo ministro da Saúde, médico Nelson Teich, se demite: “Não vou manchar a minha história por causa da cloroquina”. Assume o posto, interinamente, o general da ativa Eduardo Pazuello. Em solenidade oficial, o militar afirmou que, antes de assumir o cargo, “nem sabia o que era o SUS”. A militarização do ministério se amplia ainda mais. Um protocolo do Ministério da Saúde determina o uso de cloroquina para todos os casos de covid-19, medicamento comprovadamente sem eficácia para combater o novo coronavírus.

Bolsonaro abre guerra contra governadores. O Conselho Nacional da Saúde denuncia que mais de 8 bilhões de reais destinados ao combate à pandemia deixaram de ser repassados aos estados e municípios, que sofrem com a falta de insumos básicos, respiradores e leitos. O CNS lança a campanha “Repassa já!”.

O que Bolsonaro diz:

“SE FOR ISSO MESMO, É GUERRA. SE QUISEREM EU VOU A SÃO PAULO, VOCÊS TÊM QUE LUTAR CONTRA O GOVERNADOR

14/5, EM VIDEOCONFERÊNCIA PROMOVIDA PELA FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (FIESP), INCITANDO OS EMPRESÁRIOS A LUTAR CONTRA O 'LOCKDOWN'

JUNHO

(SEMANA EPIDEMIOLÓGICA 24: 7-13/6)

CASOS ACUMULADOS: 850.514 - ÓBITOS ACUMULADOS: 42.720

Apagão de dados

Bolsonaro incita seus seguidores a invadir hospitais e filmar, com a justificativa de que os números de doentes e de ocupação de leitos estão inflacionados. Em 3 de junho, o Governo divulga dados sobre a covid-19 com atraso, após as 22h. Em 5 de junho, o site do Ministério da Saúde sai do ar e retorna no dia seguinte apenas com informações das últimas 24 horas. A tentativa de encobrir os números de doentes e de mortos por covid-19 é denunciada pela imprensa. A sociedade perde a confiança nos dados oficiais e seis dos principais jornais e sites de jornalismo —G1, O Globo, Extra, O Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo e UOL— formam um consórcio para registrar os números da pandemia.

O que Bolsonaro diz:

“ARRANJA UMA MANEIRA DE ENTRAR E FILMAR. MUITA GENTE TÁ FAZENDO ISSO, MAS MAIS GENTE TEM QUE FAZER PARA MOSTRAR SE OS LEITOS ESTÃO OCUPADOS OU NÃO, SE OS GASTOS SÃO COMPATÍVEIS OU NÃO

10/6, EM TRANSMISSÃO AO VIVO NO FACEBOOK

JULHO

(SEMANA EPIDEMIOLÓGICA 28: 5-11/7)

CASOS ACUMULADOS: 1.839.850 - ÓBITOS ACUMULADOS: 71.469

Vetos de maldade

ERALDO PERES / AP

Bolsonaro veta a obrigatoriedade do uso de máscaras em estabelecimentos comerciais e industriais, templos religiosos, escolas e demais locais fechados em que haja reunião de pessoas. Também veta a multa aos estabelecimentos que não disponibilizem álcool em gel a 70% em locais próximos às suas entradas, elevadores e escadas rolantes.

Bolsonaro veta a obrigação dos estabelecimentos em funcionamento durante a pandemia de fornecer gratuitamente a seus funcionários e colaboradores máscaras de proteção individual. Veta ainda a obrigação de afixar cartazes informativos sobre a forma de uso correto de máscaras e de proteção individual nos estabelecimentos prisionais e nos estabelecimentos de cumprimento de medidas socioeducativas.

Bolsonaro veta medidas de proteção para comunidades indígenas durante a pandemia de Covid-19. Entre elas: o acesso a água potável, materiais de higiene e limpeza, leitos hospitalares e de UTIs, ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea, materiais informativos sobre a covid-19 e internet nas aldeias. Veta também a obrigação da União de distribuir alimentos aos povos indígenas, durante a pandemia, na forma de cestas básicas, sementes e ferramentas.

O Exército paga 167% a mais pelo principal insumo da cloroquina, com a seguinte justificativa: “produzir esperança para corações aflitos”.

Ao criticar a militarização do Ministério da Saúde, o ministro do STF Gilmar Mendes define a resposta do governo federal à pandemia como “genocídio”: “Não podemos mais tolerar essa situação que se passa no Ministério da Saúde. (...) É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável. É preciso por fim a isso”.

O que Bolsonaro diz:

“LAMENTO AS MORTES. MORRE GENTE TODO DIA, DE UMA SÉRIE DE CAUSAS. É A VIDA

30/7, EM MEIO A UMA AGLOMERAÇÃO EM BAGÉ, NO RIO GRANDE DO SUL

AGOSTO

(SEMANA EPIDEMIOLÓGICA 32: 2-8/8)

CASOS ACUMULADOS: 3.012.412 - ÓBITOS ACUMULADOS: 100.477

Ataque à vacina

Bolsonaro veta integralmente o projeto de lei que determina compensação financeira paga pela União a profissionais e trabalhadores de saúde que ficarem incapacitados por atuarem no combate à covid-19.

O Governo Bolsonaro ignora a proposta da Pfizer, que garante a entrega do primeiro lote de vacinas em 20 de dezembro de 2020.

O Ministério da Saúde rejeita a doação de pelo menos 20 mil kits de testes PCR para covid-19 da empresa LG International, dois meses após a oferta.

O que Bolsonaro diz:

“NINGUÉM PODE OBRIGAR NINGUÉM A TOMAR VACINA

31/8, EM CONVERSA COM APOIADORES NO JARDIM DO PALÁCIO DO ALVORADA

SETEMBRO

(SEMANA EPIDEMIOLÓGICA 37: 6-12/9)

CASOS ACUMULADOS: 4.315.687 - ÓBITOS ACUMULADOS: 131.210

Militar na Saúde

Uma resolução de Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) flexibiliza ainda mais a prescrição de ivermectina e nitazoxanida, dispensando a retenção de receita médica para a venda em farmácias. Os medicamentos são propagandeados pelo governo como eficazes para a covid-19, mas estudos científicos mostram que não diminuem a gravidade da doença nem impedem a morte de pacientes. O general da ativa Eduardo Pazuello é efetivado como ministro da Saúde.

O que Bolsonaro diz:

“ESTAMOS PRATICAMENTE VENCENDO A PANDEMIA. O GOVERNO FEZ TUDO PARA QUE OS EFEITOS NEGATIVOS DA MESMA FOSSEM MINIMIZADOS, AJUDANDO PREFEITOS E GOVERNADORES COM NECESSIDADES NA SAÚDE

11/9, EM AGLOMERAÇÃO NA BAHIA

OUTUBRO

(SEMANA EPIDEMIOLÓGICA 41: 4-10/10)

CASOS ACUMULADOS: 5.082.637 - ÓBITOS ACUMULADOS:150.198

“Vacina chinesa”

AMANDA PEROBELLI / REUTERS

Bolsonaro afirma que a pandemia foi superdimensionada, mente que a cloroquina garante 100% de cura se usada no início dos sintomas e cancela a compra de 46 milhões de doses da vacina chinesa Coronavac pelo Ministério da Saúde: “O povo brasileiro não será cobaia de ninguém”.

O que Bolsonaro diz:

“ESTÁ ACABANDO A PANDEMIA [NO BRASIL]. ACHO QUE [O JOÃO DORIA, GOVERNADOR DE SÃO PAULO] QUER VACINAR O PESSOAL NA MARRA RAPIDINHO PORQUE [A PANDEMIA] VAI ACABAR E DAÍ ELE FALA: ‘ACABOU POR CAUSA DA MINHA VACINA’. QUEM ESTÁ ACABANDO É O GOVERNO DELE, COM TODA CERTEZA” (...) O QUE EU VEJO NA QUESTÃO DA PANDEMIA? ESTÁ INDO EMBORA, ISSO JÁ ACONTECEU, A GENTE VÊ LIVROS DE HISTÓRIA.”

EM 30/10, EM DECLARAÇÕES TRANSMITIDAS POR UM SITE BOLSONARISTA

NOVEMBRO

(SEMANA EPIDEMIOLÓGICA 45: 1º-7/11)

CASOS ACUMULADOS: 5.653.561 - ÓBITOS ACUMULADOS:162.269

Produção de mentiras

Apesar de todos os fatos e números em contrário, Bolsonaro afirma que o Brasil foi um dos países que menos sofreu com a pandemia. Segue atacando a vacina.

O que Bolsonaro diz:

“MORTE, INVALIDEZ, ANOMALIA. ESTA É A VACINA QUE O [JOÃO] DORIA QUERIA OBRIGAR TODOS OS PAULISTANOS A TOMAR. O PRESIDENTE DISSE QUE A VACINA JAMAIS PODERIA SER OBRIGATÓRIA. MAIS UMA QUE JAIR BOLSONARO GANHA

EM 10/11, NO FACEBOOK, AO COMEMORAR A SUSPENSÃO DOS TESTES DA VACINA CORONAVAC

DEZEMBRO

(SEMANA EPIDEMIOLÓGICA 50: 6-12/12)

CASOS ACUMULADOS: 6.880.127 - ÓBITOS ACUMULADOS: 181.123

Qual é o plano?

ERALDO PERES / AP

Bolsonaro anuncia que não vai se vacinar e atua para criar pânico na população, referindo-se a terríveis efeitos colaterais. Em resposta ao questionamento do Supremo Tribunal Federal, o Ministério da Saúde apresenta o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação. O Governo, porém, ainda não tem vacina a oferecer nem cronograma confiável de vacinação. Onze ex-ministros da Saúde de diferentes partidos publicam artigo denunciando “desastrada e ineficiente condução do MS em relação à estratégia brasileira de vacinação da população contra a covid-19”. Ainda não há plano emergencial para os indígenas. Diz o ministro Luís Roberto Barroso, do STF: “Impressiona que, após quase 10 meses de pandemia, não tenha a União logrado o mínimo: oferecer um plano com seus elementos essenciais, situação que segue expondo a risco a vida e a saúde dos povos indígenas”.

O que Bolsonaro diz:

“A PANDEMIA, REALMENTE, ESTÁ CHEGANDO AO FIM. TEMOS UMA PEQUENA ASCENSÃO, AGORA, QUE CHAMA DE PEQUENO REPIQUE QUE PODE ACONTECER, MAS A PRESSA DA VACINA NÃO SE JUSTIFICA. (...) VÃO INOCULAR ALGO EM VOCÊ. O SEU SISTEMA IMUNOLÓGICO PODE REAGIR, AINDA DE FORMA IMPREVISTA

19/12, EM ENTREVISTA AO PROGRAMA DE UM DE SEUS FILHOS NO YOUTUBE

JANEIRO DE 2021, ATÉ O DIA 16

(SEMANA EPIDEMIOLÓGICA 2:10-16/1)

CASOS ACUMULADOS: 8.455.059 - ÓBITOS ACUMULADOS: 209.296

Mortos por asfixia

BRUNO KELLY / REUTERS

O Ministério das Relações Exteriores afirma ter comprado 2 milhões de doses da vacina da AstraZeneca/Oxford da Índia. Nos dias seguintes, o governo federal organiza uma grande operação de propaganda, incluindo a divulgação massiva na mídia e adesivagem de um Airbus da Azul Linhas Aéreas, que faria uma “viagem histórica” com o slogan: “Vacinação - Brasil imunizado - Somos uma só nação”. Bolsonaro chega a enviar uma carta ao Primeiro Ministro da Índia solicitando urgência no envio das doses, mas a operação é suspensa pela Índia. Diante do colapso da saúde em Manaus, com pacientes morrendo asfixiados por falta de oxigênio na rede hospitalar, o ministro da Saúde, general da ativa Eduardo Pazuello, declara: “O que você vai fazer? Nada. Você e todo mundo vão esperar chegar o oxigênio para ser distribuído”.

Bolsonaro veta parte da Lei Complementar nº 177, de 12/1/20, aprovada por ampla maioria no Senado (71 x1 votos) e na Câmara dos Deputados (385 x 18 votos). Segundo a Agência FAPESP, vetos presidenciais subtraem 9,1 bilhões de reais dos investimentos em ciência, tecnologia e inovação neste ano, impedindo que o Brasil desenvolva uma vacina contra a covid-19, apesar de ter infraestrutura e recursos humanos suficientes. Comunidades acadêmica e empresarial mobilizam-se para derrubada dos vetos,

O que Bolsonaro diz:

“O BRASIL ESTÁ QUEBRADO, CHEFE. EU NÃO CONSIGO FAZER NADA. EU QUERIA MEXER NA TABELA DO IMPOSTO DE RENDA, TÁ, TEVE ESSE VÍRUS, POTENCIALIZADO PELA MÍDIA QUE NÓS TEMOS, ESSA MÍDIA SEM CARÁTER

5/1, NA SAÍDA DO PALÁCIO DO PLANALTO

* Documento completo > https://bit.ly/3c08q75

Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Como a paranoia da Covid-19 apaga biografias e as reduz a ideologias

Publicação compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, em 7 de janeiro de 2021

Como a paranoia da Covid-19 apaga biografias e as reduz a ideologias

Mortos por Covid-19 que defendiam o uso da cloroquina, criticavam lockdowns ou apoiavam Bolsonaro morrem uma segunda vez, vítimas de obituários perversos. Crônica de Paulo Polzonoff Jr., publicada pela Gazeta:

Uma pesquisa rápida revela quatro ocasiões em que, por causa da politização do coronavírus, pessoas complexas, cheias de ambiguidades, nuances, quando não contradições, foram todas reduzidas a um conjunto limitado de características aparentemente deploráveis. Primeiro foi o médico Guido Céspedes, ainda em setembro de 2020. Depois foi a vez do senador Arolde de Oliveira, em outubro do mesmo ano. A eles se seguiram, já em 2021, o pastor Thiago Andrade de Souza e o também médico e professor da UFRJ Lécio Patrocínio.

Além do fato de serem todos homens, em comum essas pessoas tiveram a causa mortis: Covid-19. Mas não só. Elas também eram unidas pela crença de que o uso precoce de hidroxicloroquina era eficaz no combate à doença, faziam críticas às medidas restritivas, aos cientistas, à OMS e – a cereja do bolo! – se confessavam apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.

Essas ideias imperdoáveis renderam aos falecidos alguma fama nacional, na forma de obituários que ressaltavam não os feitos de cada um, nem a dor dos que eles deixavam, e sim o fato de acreditarem na eficácia de um medicamento contra a Covid-19.

Afogados no seco

Ao ler as notícias de cada uma dessas mortes, não raro acompanhadas por reducionismos ainda piores, como “bolsonarista” ou “negacionista”, me perguntei primeiro qual a intenção por trás de um obituário humilhante desses. O diabinho no meu ombro esquerdo respondeu que a intenção era alertar as pessoas para o perigo da Covid—19 e para a ineficácia dos medicamentos. Já o anjinho, no ombro esquerdo, respondeu que a intenção é reduzir toda a experiência humana a uma ou outra ideologia política.

Dessa forma, esmaga-se e se comprime a vida para que ela seja exposta de forma a dar ao leitor/espectador/ouvinte a possibilidade de um veredito perverso: essa pessoa mereceu ou não mereceu a morte que teve.

Não à toa, as notícias das mortes desses quatro personagens, em fases diferentes da pandemia, suscitaram nas redes sociais as mesmas reações cheias de ódio. Gente dizendo que médico que não “acredita na ciência” tem mesmo que morrer. Outros provocando com um “quero ver tomar cloroquina agora”. Sem falar no uso desmedido de críticas à fé e à opção política.

E aqui tenho vontade de perguntar se por acaso a morte de um bolsonarista consumidor de cloroquina é menos digna do que a morte de um petista que há meses vive besuntado em álcool em gel. Mas é melhor não.

Mas basta uma pesquisa, também rápida (até porque a hora de entregar a coluna se aproxima), para descobrir que eram pessoas estimadas por muitas outras que certamente sentirão a falta delas. Por familiares, por amigos, por fieis, por pacientes e até por eleitores. São pessoas que nasceram, foram felizes aqui, infelizes ali, que sonharam, que realizaram alguns de seus sonhos e se frustraram em outros.

São pessoas que morreram no isolamento de um hospital. Afogados no seco. Que se desesperaram como um Ivan Ilitch ao receber o diagnóstico. Que, por um segundo ao menos, tiveram a esperança de se recuperarem – como as 6,99 milhões de pessoas que já se recuperaram dessa praga (praga, mas não peste) no Brasil. Que talvez tenham vislumbrado a morte, com sua promessa de oblívio, antes de serem envoltos pelas trevas silenciosas da inconsciência.

E isso tudo para se transformarem em obituários que mais parecem panfletos de guerra. Para se tornarem rostos condenáveis como hereges que cometeram o pecado mortal de não acreditar na ciência-ciência-ciência. Para virarem mote de piada, escárnio e deboche.

Mais do que um cadáver útil

Claro que não passou despercebido por mim o medo de que eu também me tornasse personagem dessa cobertura jornalística necrófila. Afinal, cometo cotidianamente o imperdoável pecado de fazer críticas sobretudo à imposição de medidas que, sinceramente, faz-me rir.

Agora mesmo dei uma tossidinha com mais força e fui correndo enfiar o nariz no pote de alho picado para ver se me restava olfato. E, ao longo dos últimos meses, não foram poucas as vezes em que me vi um tantinho paranoico, com medo de contrair o vírus e ter minha deliciosa experiência terrestre interrompida.

Estoicamente, contudo, sei que não tenho controle sobre isso.

Me resta, pois, apontar aqui a imoralidade que é reduzir as vítimas de Covid-19 que professam ideias com as quais não concordamos a meros cadáveres úteis no palanque político da pandemia. Com a esperança de que os mal-intencionados perceberam que a vida de uma pessoa, qualquer pessoa, é muito mais do que seu voto (talvez equivocado), sua esperança (talvez infundada) num medicamento ou ainda a desconfiança (talvez exagerada) com que essa pessoa vê certos aspectos da vida.

E, antes que me perguntem, estou bem, sem febre, olfato de quem sente cheiro de pipoca a quilômetros e aquela tossidinha de alguns parágrafos atrás foi só um pelo da Catota que fez cócega na minha garganta.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi.blogspot.com

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Como o negacionismo e os erros do governo levaram à tragédia de 100 mil...


Hoje a cúpula do ministério é formada por pessoas sem experiência em gestão do sistema de saúde, em um processo de militarização. Desde maio, a pasta passou a contar com 25 militares em postos de comando e mais de 300 em cargos nos demais escalões.

Publicado originalmente no site HUFFPOST BRASIL, em 7 de agosto de 2020

Como o negacionismo e os erros do governo levaram à tragédia de 100 mil mortes por covid no Brasil

Ao minimizar pandemia, governo Bolsonaro falhou em coordenar resposta a ela. Ex-integrante do Ministério da Saúde reconhece falha na estratégia de testagem.

By Marcella Fernandes

O Brasil encerrará esta semana atingindo o marco de 100 mil mortes causadas pela covid-19. A dimensão numérica do impacto da pandemia ultrapassa de longe todas as outras tragédias nacionais e causas mais comuns de óbitos no País. Após 5 meses de uma crise conduzida por uma governo que minimiza o vírus, sem um titular no Ministério da Saúde há quase 90 dias, sanitaristas à frente do debate sobre a epidemia afirmam que o cenário podia ter sido menos devastador.

“Era perfeitamente possível não termos chegado a 100 mil mortes. Provavelmente se tivéssemos continuado com a gestão do nosso primeiro ministro de saúde [Luiz Henrique Mandetta] a conduzir a pandemia, na época em que tínhamos um. A partir do momento em que você assume nacionalmente o negacionismo da ciência, da doença e da pandemia, com certeza esse cenário se torna inevitável”, afirma a bióloga Natália Pasternak, fundadora do Instituto Questão de Ciência.

Sem reconhecer a dimensão da crise, fica difícil enfrentá-la. Ao mesmo tempo em que negava a gravidade da epidemia, chegando a ocultar dados, o governo de Jair Bolsonaro apostou em pautas diversionistas, estratégia usada pelo bolsonarismo também em outras áreas.

Na noite de quinta-feira (6), o presidente mencionou, durante uma live, o número trágico. “A gente lamenta todas as mortes, está chegando ao número de 100 mil talvez hoje, é isso? Mas vamos tocar a vida, tocar a vida e buscar uma maneira de se safar desse problema”, afirmou.

Segundo Pasternack, “há um contrassenso” na postura do presidente. “Você nega a doença, mas ao mesmo tempo apresenta uma cura milagrosa. E essas curas milagrosas tiram a atenção dos problemas reais porque se somam ao discurso de que o ‘problema já nem existe, mas mesmo que exista, tá aqui a solução, então vida normal, nada está acontecendo’ e ainda se investe dinheiro público e a esperança das pessoas. Então você desinforma, deseduca a população e desperdiça recursos públicos com coisas que não funcionam”, afirma, referindo-se à obsessão do governo Bolsonaro com medicações como a cloroquina.

A partir do momento em que você assume nacionalmente o negacionismo da ciência, da doença e da pandemia, com certeza esse cenário se torna inevitável. (Natalia Pasternack)

Desde o início da pandemia, o presidente adotou uma postura negacionista. Enquanto a comunidade científica enfatizava a importância do isolamento social para frear o ritmo de transmissão do SARS-CoV-2, Bolsonaro encampou o discurso de que era preciso “salvar empregos”. O fechamento do comércio nas cidades passou a ser tratado como uma disputa política, em um falso dilema entre economia e saúde.

A mesma polarização foi adotada pelo governo em outra frente: respostas milagrosas, que prometiam uma cura. Ainda que após 7 meses da descoberta do vírus ainda não haja vacina ou um remédio com uso comprovado cientificamente para tratar a covid-19, o governo Bolsonaro adotou a cloroquina como bandeira. A distribuição do medicamento que aumenta o risco cardíaco e é ineficaz contra o novo coronavírus ultrapassou 5 milhões de comprimidos, de acordo com o Ministério da Saúde. No âmbito municipal, um fenômeno semelhante ocorreu com a distribuição de ivermectina pelas prefeituras.

A pressão pela adoção de medidas na contramão da ciência levou à saída de 2 ministros da Saúde: Luiz Henrique Mandetta, em 16 de abril, e Nelson Teich, em 15 de maio. Desde então, a pasta que deveria ser protagonista na resposta à pandemia é coordenada por um interino, o general Eduardo Pazuello, sem experiência na gestão de saúde pública.

Hoje a cúpula do Ministério da Saúde é formada por pessoas sem experiência em gestão do sistema de saúde, em um processo de militarização. Desde maio, a pasta passou a contar com 25 militares em postos de comando e mais de 300 em cargos nos demais escalões. 

90 dias sem ministro: A falta de coordenação

Na avaliação do infectologista Julio Croda, ex-diretor do Departamento de Imunizações e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, a saída dos 2 ministros foi um ponto de virada. “Foi um mês de diferença entre esses 2 episódios em um dos momentos mais críticos da pandemia, em que a região Norte já vinha sofrendo - a região Nordeste também, Fortaleza principalmente, além de São Paulo - e que você trocou o comando e também muito da equipe técnica”, afirma. O médico deixou a pasta em março, ainda na gestão Mandetta.

Assim como Croda, outros nomes da equipe técnica que iniciou a estratégia de resposta à crise e deixaram a pasta são: João Gabbardo, secretário-executivo exonerado pouco depois de Mandetta; e os secretários Wanderson Oliveira (Vigilância) e Denizar Vianna (Ciência e Tecnologia), que saíram da Esplanada dos Ministérios após a demissão de Teich.

É unanimidade entre os sanitaristas que a falta de coordenação foi o principal erro. “A questão não é chegar aos 100 mil óbitos. É chegar aos 100 mil com óbitos que poderiam ser evitados, principalmente aqueles pacientes que morreram nas suas residências ou em unidades de pronto atendimento. Pacientes que morreram fora de um leito de terapia intensiva são mortes que podiam ter sido evitadas”, afirma Croda.

A primeira cidade a registrar um cenário de caos foi Manaus (AM), única com UTI (Unidade de Terapia Intensiva) em todo o estado do Amazonas. Em 10 de abril, profissionais de saúde relatavam que o Hospital Delphina Aziz seria o primeiro hospital público de referência do País a colapsar em razão da pandemia.

No Rio de Janeiro, outro estado gravemente afetado pela epidemia, levantamento da Defensoria Pública aponta que entre abril e junho pelo menos 730 pacientes, com quadros clínicos que incluíam insuficiência respiratória, morreram à espera de internação em enfermaria ou UTI. A escassez de recursos levou equipes a estabelecerem critérios para decidir uma ordem de prioridade entre os pacientes.

Para Croda, com uma boa coordenação, o governo federal poderia ter apoiado estados e municípios para evitar esse nível de colapso. “Nós nunca tivemos um plano federal para implementação de medidas de distanciamento social principalmente para monitorar cidades que iriam colapsar e apoiar essas cidades, com o fechamento. Poderia ter enviado tropas do Exército para garantir que ninguém saísse de casa, poderia aumentar estrutura de hospitais de campanha e a gente viu algumas tragédias sendo contadas”, afirma.


A primeira cidade a registrar um cenário de caos foi Manaus, onde os cemitérios tiveram de abrir covas coletivas para vítimas da pandemia.

Segundo o infectologista, a maioria da população “normalizou” esses mil óbitos diários por acreditar que esse seria o curso da doença no País independentemente de quem estivesse no poder. Mas a variação das taxas de mortalidade nos estados é uma evidência de que a resposta do poder público faz diferença na dimensão da tragédia, de acordo com o pesquisador.

“Todos acima da média poderiam ter um apoio do governo federal no sentido de tentar equilibrar as medidas tanto de distanciamento quanto de assistência na oferta de leitos de terapia intensiva para evitar esses óbitos”, afirma Croda.

A taxa de mortalidade nacional é de 45,6 por 100 mil habitantes, de acordo com painel do Ministério da Saúde atualizado em 4 de agosto. Dezessete unidades da Federação registram indicador superior a esse valor, sendo os mais altos Roraima (87,2 mortes por 100 mil habitantes), Ceará (85,5), Amazonas (79,6) e Rio de Janeiro ( 79,4).

Epidemia está longe de fim

Os números devem mudar porque a epidemia ainda está longe de acabar no Brasil. Apesar de ter sido observado certo arrefecimento nas grandes capitais, como Manaus e São Paulo, a crise sanitária continua grave em boa parte do País, especialmente no interior e em estados do Sul e Centro-Oeste.

Quando olhamos os dados nacionais, os gráficos epidemiológicos assumiram a forma de platô, em vez de um pico de casos e mortes acumulados. Por outro lado, os casos e óbitos diários, que indicam o ritmo da epidemia, não estabilizaram.

Houve uma inversão de comportamento ao longo do tempo, com a interiorização da epidemia. Segundo boletim mais recente do Ministério da Saúde, 5.475 (98,2%) dos municípios têm casos confirmados de covid-19 e 3.476 (52,4%) cidades registraram mortes causadas pela covid-19.

As curvas epidemiológicas das capitais estão diminuindo, e as do interior estão aumentando, mas a segunda ainda não ultrapassou a primeira. Das 7.114 registradas na semana encerrada em 1º de agosto, 52% foram na região metropolitana e 48% no interior.

A semana com dados mais recentes disponíveis foi uma das mais graves da pandemia do novo coronavírus no Brasil. A média diária de diagnósticos foi de 44.766, patamar semelhante ao da semana anterior (45.665), recorde até o momento.

Já a média diária de óbitos na semana encerrada em 1º de agosto foi de 1.016, nível semelhante ao das semanas anteriores. A primeira vez que o Brasil registrou mais de mil mortes por dia foi em 19 de maio. Desde então, isso aconteceu mais de 40 vezes.
 

A primeira vez que o Brasil registrou mais de mil mortes por dia foi em 19 de maio. Desde então, isso aconteceu mais de 40 vezes.

As milhares de mortes comovem cada vez menos a população em um cenário onde a reabertura das cidades foi decidida enquanto a epidemia ainda estava descontrolada. A transmissão do vírus controlada e um sistema de saúde com capacidade de detectar, testar, isolar e tratar todas as pessoas com coronavírus e os seus contatos mais próximos são dois requisitos para flexibilização do isolamento recomendadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e ignoradas pelos governantes no Brasil.

“A gente prioriza bares e restaurantes e prefere nem pensar em abrir as escolas porque teria de fazer realmente alguma coisa mais eficaz para isso acontecer. É muito triste ver que a gente não consegue contar com o engajamento da população para medidas que funcionaram tão bem em outros países, como Alemanha, Coreia do Sul, Nova Zelândia, que estão abrindo com segurança”, lamenta Natália Pasternak.

Para a bióloga que trabalha com divulgação de conteúdo científico, ainda que a ciência tenha ganhado mais espaço no debate público, as medidas de conscientização não foram efetivas. “Para sair da pandemia a gente precisa de uma atitude colaborativa. Isso é um problema da sociedade. A solução está também na sociedade. Está na nossa atitude. Está na nossa capacidade de convencer a população a se engajar. E nós falhamos”, afirma.

É muito triste ver que a gente não consegue contar com o engajamento da população para medidas que funcionaram tão bem em outros países, como Alemanha, Coreia do Sul, Nova Zelândia, que estão abrindo com segurança. Natália Pasternac\k

Devido à forma como é transmitido o novo coronavírus - por meio do contato com secreções contaminadas, como gotículas de saliva, espirro, tosse e catarro - restringir a circulação de pessoas é a única forma de frear a contaminação. Reduzir esse ritmo é determinante em um cenário em que os recursos dos sistema de saúde são limitados, desde leitos de UTI até médicos intensivistas e medicação usada para sedar pacientes que precisam desse tipo de cuidado.

O início do colapso

As cenas na primeira cidade a colapsar se tornaram emblemáticas na história da epidemia no Brasil. “O que aconteceu em Manaus foi um desastre mas porque não conseguimos implementar medidas de isolamento social em Manaus, Belém, Fortaleza, mesmo no Rio de Janeiro. Não fizemos nenhum lockdown digno desse nome. E o isolamento social foi na maior parte do País - se não em todo o País - abaixo do esperado e isso aumentou o número de óbitos”, enfatiza Gonzalo Vecina, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo) e presidente do Conselho do Instituto Horas da Vida.

Na avaliação do sanitarista que já esteve à frente da Secretaria de Saúde da cidade de São Paulo e da Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária), um dos erros logo no início foi na estratégia de testagem. “Parte da explicação de por que, onde e como erramos diz respeito ao rastreamento de contatos com agentes do Saúde da Família. Se nós tivéssemos utilizado desde o início da pandemia o poder da estratégia do Saúde da Família estaríamos numa situação melhor também. Os agentes comunitários foram pouco mobilizados e tiveram dificuldade para serem mobilizados por falta de equipamento de proteção individual”, afirma.

O rastreamento de contatos consiste em identificar e isolar a pessoa contaminada, assim como indivíduos com quem ela entrou em contato próximo. Esse grupo deve adotar uma quarentena e monitorar sintomas da covid-19. A estratégia foi usada em países como Nova Zelândia e Vietnã.

Para que os agentes do programa Saúde da Família pudessem coletar as amostras por meio do teste RT-PCR (moleculares), é necessário uso de máscara específica e do protetor facial para garantir a segurança dos profissionais de saúde.

Até o momento mais de 31 mil profissionais de enfermagem foram contaminados e 325 morreram por causa do novo coronavírus, segundo levantamento do Conselho Federal de Enfermagem. De acordo com entidades do setor, o Brasil responde por 30% das mortes de enfermeiros no mundo.


"E daí? Lamento. Quer que eu faça o que?", diz presidente Jair Bolsonaro no dia em que total de mortes por covid-19 no Brasil superou o acumulado de óbitos na China.

Além da coleta adequada das amostras de secreção para os testes RT-PCR, o ideal é que o resultado do exame fosse rápido. “Como demora muito para ficar pronto, o paciente que é suspeito de ter covid mas não fica isolado fica disseminando o vírus na sociedade, o que é um desastre. Isso nós tivemos muito. Testar pouco significou deixar livremente muitas pessoas que eram portadoras do vírus e estavam disseminando o vírus na sociedade”, afirma Vecina.

No início da epidemia, os exames demoravam mais de duas semanas para serem processados no estado de São Paulo, por exemplo, que conta com mais de 44 milhões de habitantes. De acordo com boletim mais recente do Ministério da Saúde, atualmente 90,1% dos testes moleculares são analisados pelos laboratórios públicos em até 5 dias.

Considerados o padrão ouro, os exames moleculares ainda têm alcance limitado. O Ministério da Saúde chegou a prometer 14,9 milhões de unidades. Segundo dados mais recentes, 5,1 milhões foram distribuídos e 2,6 foram processados até 25 de julho.

Testar pouco significou deixar livremente muitas pessoas que eram portadoras do vírus e estavam disseminando o vírus na sociedade. Gonzalo Vecina

Na prática, só casos graves foram testados. O uso dos testes moleculares perdeu força tanto com a ampliação do diagnóstico clínico no fim de junho quanto com a disseminação dos testes sorológicos rápidos. Esse tipo de exame detecta a presença de anticorpos, mas é menos preciso. “Foi um erro grosseiro porque, em grande medida - e me lembro muito dessas discussões - essas decisões aconteceram sem muito conhecimento sobre o que era o RT-PCR e o que era o teste sorológico”, desta Gonzalo Vecina. Esse tipo de exame foi adotado tanto pelo governo federal quanto por gestores locais.

Integrante da cúpula do Ministério da Saúde até março, Croda afirma que no início do ano havia uma limitação de oferta de testes no mercado, mas admite também uma falha na estratégia. “O Brasil falhou porque deveria ter oferecido mais testes. No geral, e aí não estou falando de governo federal, estadual ou municipal, a gente deveria ter feito a estratégia de diagnóstico e de contact tracing [rastreamento de contatos] melhor, principalmente usando a atenção primária. Isso poderia ter sido intensificado”, reconhece.

O Brasil falhou porque deveria ter oferecido mais testes. Julio Croda

Questionado sobre essa decisão, o infectologista afirma que não dependia só governo federal. ”É uma ação coordenada. O ministério poderia ter recomendado que a atenção primária fizesse isso, mas a ação propriamente dita é em nível municipal”, afirma Croda.


A chance de pretos e pardos sem educação formal morrerem devido ao novo coronavírus é 4 vezes maior do que de brancos com nível superior, de acordo com pesquisa do Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde

Desigualdade social

Além das lacunas no sistema de saúde, a falhas na implementação de políticas de proteção social fizeram que a desigualdade social fosse determinante no perfil das 100 mil vítimas da covid-19. No Brasil, alguns pesquisadores têm falado de um “rejuvenescimento da pandemia” devido a fatores sociais que determinam a letalidade da doença. Além das comorbidades, a cor da pele e a classe social têm decidido quem vive ou não.

A chance de pretos e pardos sem educação formal morrerem devido ao novo coronavírus é 4 vezes maior do que de brancos com nível superior, de acordo com pesquisa do Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde, formado por pesquisadores da PUC-Rio (Universidade Católica do Rio de Janeiro), da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), da USP e do IDOR.

Foram diversos os entraves - desde problemas de acesso à internet a fraudes - até o valor do auxílio emergencial chegar nas mãos de quem precisava do dinheiro para ficar em casa. O benefício de R$ 600 é destinado a trabalhadores informais e de baixa renda.

“A epidemia se alimenta de encontros. Essa é a razão de termos de 4 a 5 vezes uma maior predileção dessa doença pelos pobres. Essa questão é muito crítica: criar os colchões de proteção social. Mais à frente, quando a epidemia passar, nós temos que encontrar alternativas adequadas para reduzir o grau de desigualdade social. Criar políticas públicas de distribuição de renda e a partir daí elevar o nível da educação e da saúde para que as pessoas tenham acesso à educação e saúde e revolucionem suas respectivas vidas”, afirma o sanitarista Gonzalo Vecina.

Temos que corrigir essas desgraças com as quais convivemos alegremente até hoje.
Ao pensar no pós-pandemia, o ex-presidente da Anvisa também chama atenção para outro problema social que tem impacto direto na saúde: o saneamento básico.

De acordo com a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB), divulgada em julho pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 39,7% dos municípios brasileiros não têm serviço de esgoto. Já o total de domicílios que  não recebiam água por rede de distribuição em 2017 era de 9,6 milhões.

″Temos que corrigir essas desgraças com as quais convivemos alegremente até hoje. Não tem cabimento você não ter saneamento básico melhor do que temos hoje. Uma parte importante da população sem acesso à água tratada, mais da metade da população sem acesso a esgoto, à coleta de lixo. Isso é um crime que temos que resolver”, ressalta Gonzalo Vecina.

Texto e imagens reproduzidos do site: huffpostbrasil.com