Publicação compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, 19 de
junho de 2021
Sergio Moro: "Mensagens e sinais".
Por ora, não são bons os sinais e as mensagens trazidas por
mais esse afrouxamento dos mecanismos de controle e de prevenção à corrupção.
Sergio Moro via Crusoé:
Foi surpreendente, nos últimos dias, a repercussão dos
gestos dos jogadores de futebol Cristiano Ronaldo e Paul Pogba, durante
entrevistas coletivas no âmbito da Eurocopa. O primeiro tirou duas garrafas de
Coca-Cola de sua frente, apanhou uma garrafa de água e disse simplesmente
“água”. O segundo tirou de sua frente uma garrafa de Heineken, sem nada dizer.
Ambas as atitudes tiveram grande impacto, gerando constrangimento para os
patrocinadores.
O fato é apenas mais uma prova de que mensagens e sinais de
celebridades têm um impacto surpreendente e podem gerar consequências
concretas. Isso também é verdadeiro em relação a mensagens ou sinais de pessoas
ou mesmo de instituições públicas. Os efeitos de qualquer ato podem transcender
em muito o alcance planejado. Palavras e gestos têm poder. Quando a palavra
corresponde ao gesto se tem, além de coerência, um impacto maior. Se, porém, há
dissonância entre eles, a palavra até pode ter algum impacto inicial, mas este
irá se dissipar.
Um conjunto coerente de palavras e gestos pode gerar
mudanças significativas. Um exemplo: durante a Lava Jato, a maior e mais
exitosa investigação sobre corrupção no Brasil, houve uma convergência de atos
provenientes de várias fontes que indicavam uma alteração no conhecido quadro
de impunidade no país. Crimes graves foram revelados e tornados públicos pelas
investigações; culpados foram condenados e presos; pessoas saíram às ruas para
protestar contra a corrupção e empresas passaram a cooperar com a Justiça e a
investir em programas de compliance. Também foram aprovadas mudanças na
legislação, como a lei das estatais, que promoveram integridade. O próprio
Supremo Tribunal Federal tomou decisões importantes, como a que autorizou a
execução da condenação em segunda instância ou a que proibiu doações eleitorais
provenientes de empresas. Tudo isso gerou um ciclo virtuoso em prol do combate
à corrupção.
Mais recentemente, a prevenção e o combate à corrupção têm
sofrido reveses entre nós. O exemplo mais notório consiste na revisão pelo
Supremo Tribunal Federal da jurisprudência que autorizava a execução da
condenação criminal em segunda instância. Mas os retrocessos não vieram só do
Judiciário. O Congresso aprovou, por exemplo, uma nova lei de abuso de
autoridade que tem efeitos intimidatórios contra a ação de policiais,
promotores e juízes. Na linha do espírito do tempo, a Câmara dos Deputados
aprovou, no último dia 16, alterações na Lei nº 8.429/1992, dita Lei de
Improbidade Administrativa. A lei foi aprovada na esteira dos escândalos de
corrupção do governo do ex-presidente Fernando Collor de Mello, como um remédio
aos vícios da época. Mesmo sendo muito criticada deste então por parcela do
mundo político, sobreviveu por mais de dezenove anos sem sofrer alterações.
Sob o argumento de que haveria abusos principalmente em
processos contra prefeitos ou gestores do interior, a lei foi enfraquecida e,
com ela, a prevenção e o combate à corrupção. Pode-se até argumentar que
algumas mudanças eram pertinentes para evitar excessos – restringir a
responsabilidade aos casos dos agentes que agiram com intenção não parece ser
desarrazoado, mas outras medidas não aparentam encontrar justificativa
razoável. Entre as quais, a fixação de prazos exíguos para investigações, sob
pena de encerramento; a criação de um prazo inconstitucional de prescrição para
o ressarcimento ao erário; o pagamento pelo Ministério Público de honorários de
sucumbência em caso de improcedência; e a criação de uma prescrição retroativa
para a ação de improbidade.
A rapidez da aprovação do projeto, sem que houvesse maior
transparência sobre a redação final proposta, dificultou igualmente o debate da
medida perante a sociedade e a opinião pública. Não encontrei disponível ao
público, mesmo um dia depois da votação, a redação final do projeto de lei aprovado
pela Câmara. Algumas pessoas bem-intencionadas, mas sem conhecimento dos
detalhes, chegaram a louvar o novo texto como um avanço, por supostamente
reduzir excessos. Não estão corretas, pois o conjunto geral não é positivo.
Há uma tendência internacional em prol da integridade e de
políticas anticorrupção. Leis anticorrupção e antilavagem de dinheiro
proliferam no mundo. A cooperação jurídica internacional contra a corrupção é
crescente. Há aumento da submissão de casos de subornos em transações comerciais
internacionais à jurisdição extraterritorial. O setor privado tem,
coerentemente, adotado, cada vez mais, sistemas efetivos de compliance e
políticas de integridade, parte deles inserido em medidas ESG. A tendência
mundial é por mais integridade, maior prevenção e repressão à corrupção e não o
contrário. Na última quarta-feira, a Câmara deu um passo em sentido contrário,
o que não é bom.
Há tempo para o Senado corrigir os erros na alteração do
texto. Além das consequências práticas ruins em se afrouxar os controles
decorrentes da Lei de Improbidade, devem ser consideradas as mensagens e os
sinais que o Congresso quer passar à população e ao mundo. Que tipo de país
queremos ser? Mais ou menos tolerantes com o desvio e com a corrupção? Qual
tipo de país mais atrai admiração externa ou investidores externos, os mais
íntegros ou os menos? Enfim, são questões cujas respostas são óbvias. Se a obviedade
será ou não compartilhada pelo Senado, saberemos adiante. Por ora, não são bons
os sinais e as mensagens trazidas por mais esse afrouxamento dos mecanismos de
controle e de prevenção à corrupção.
Texto reproduzido do blog: otambosi.blogspot.com
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